Shadow

Sínodo continua na Semana Amazônica, em Belo Horizonte

Aloir Pacini (padre jesuíta e assessor das CEBs/arquidiocese Cuiabá-MT)

Imagens roubadas durante ao Sínodo e depois recuparadas.

O Sínodo da Pan-Amazônia, que ocorreu entre 6 e 27 de outubro em Roma, nos convoca a continuar a caminhar juntos. Por isso estamos em Belo Horizonte (MG) e região continuando nossa missão, participando da IV Semana de Estudos Amazônicos (Semea), que começou em 29 de outubro e termina no dia 1º de novembro.

Trata-se de um evento tão ligado ao Sínodo que mostra a harmonia da ação do Espírito de Deus. Participam das atividades representantes de povos tradicionais da Amazônia, gestores públicos e pesquisadores. O objetivo e promover a troca de saberes e dar visibilidade aos desafios amazônicos no contexto nacional.

A Semea é, em grande parte, orientada pelo clima progressista que marcou o Sínodo. A seguir, alguns momentos e palavras importantes deste grande evento que reuniu bispos da Pan-Amazônia junto ao papa para refletir sobre a presença espiritual e socioambiental da igreja na região.

O roubo das imagens

O episódio do roubo das imagens de madeira que representavam mulheres indígenas grávidas da Amazônia, jogadas no rio Tibre (Roma), durante o Sínodo da Pan-Amazônia, parece que trouxe uma outra dimensão para o que parecia só mais um triste episódio ou um gesto violento e intolerante de fanáticos.

O tiro saiu pela culatra: se os integralistas queriam desprezar a cultura amazônica e defender uma suposta tradição ou doutrina jogando fora, com desprezo, a sacralidade da vida ligada à nossa “mãe-terra” (São Francisco de Assis no seu “Cântico das Criaturas”), agora encontram a força do Espírito de Deus conduzindo tudo.[1] 

 

Opção preferencial pelos povos indígenas

O texto final do Sínodo, decorrente da Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica, contém 33 páginas e é dividido em 118 artigos que tratam de questões eclesiais, sociais e ambientais. Cada artigo recebeu dois terços dos votos dos participantes eleitores, o que é bom para a Amazônia e será também para os outros biomas do planeta Terra. O texto final do Sínodo já foi entregue ao papa no sábado (dia 26) e a missa de encerramento aconteceu no domingo (27).

Igreja Transpontina.

Depois do Sínodo, com a Equipe Itinerante na primeira fila, ao lado do papa, com os indígenas emocionados, felizes pelo vivido, a sensação geral era de que o que aconteceu em torno do Sínodo da Pan-Amazônia, a partir da tenda Nossa Casa Comum, foi fundamental para completar o tempo presente. Mas ainda vamos agora ter que atuar insistentemente para as quatro conversões: pastoral, cultural, ecológica e sinodal. O apelo para que se faça “uma opção preferencial pelos povos indígenas” e se promova uma “conversão ecológica” ou que cessem os “pecados ecológicos” no relatório sinodal, deixou expresso uma só vez no texto um tema caro aos indígenas, o cuidado da “mãe terra”, porque é central.

Sugestão de ordenação de homens casados

No âmbito interno da Igreja, passou a sugestão de ordenação de homens casados, considerada a questão mais polêmica do Sínodo. No artigo 111, solicita-se ao papa Francisco para que “homens idôneos e reconhecidos pela comunidade se ordenem sacerdotes, podendo ter uma família legitimamente estável e constituída”, com a missão de “pregar a palavra de Deus e celebrar os sacramentos nas zonas mais remotas da região amazônica”, porque “muitas comunidades eclesiais do território amazônico têm enormes dificuldades de acesso à Eucaristia”.

Memória

Fazer memória dos 270 mortos e 18 desaparecidos que foram tragados pela imensidão de lama que devorava tudo que encontrava pela frente na tragédia da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), na Igreja Traspontina (Roma), no contexto do Sínodo da Pan-Amazônia, nos levou para a terra de dom Bruno de Duffè, que testemunhou ter encontrado o Cristo Crucificado em Brumadinho e em Mariana. Os relatos das comunidades que sofreram esses impactos da mineração são semelhantes aos encontrados na Amazônia.

Depois de 4 anos, após o desastre de Mariana (MG), a Samarco ganha licença para retomar as atividades. A missão da Igreja é denunciar um desenvolvimento que mata as pessoas e devasta a terra e anunciar que temos esperança na nova humanidade enraizada no Cristo ressuscitado, que é capaz de transmitir aos seus discípulos missionários a liberdade diante do dinheiro e a capacidade de proteger a vida em suas várias formas, para além dos humanos, pois não haverá paz sem uma reconciliação com Deus, com a mãe-terra, com os outros humanos e nós mesmos.

Mulheres

A parte do texto dedicada às mulheres pede que elas sejam mais ouvidas dentro das estruturas eclesiais, de modo “que sejam consultadas e participem das decisões”, que integrem os conselhos pastorais das paróquias e dioceses. Assim o diaconato permanente das mulheres continua em aberto para que se avalie essa possibilidade para o futuro. Virão os desdobramentos. Bento XVI, na exortação apostólica Verbum domini (2010), fala do ministério especial conferido para leigos “para a proclamação da palavra de Deus”.

 

Rito Amazônico

O artigo 117 recorda: “Na Igreja Católica temos 23 ritos diferentes, sinal claro de uma tradição que, desde os primeiros séculos, tentou inculturar os conteúdos da fé e sua celebração através de uma linguagem mais coerente possível com o mistério que se quer celebrar”. Por isso, junto com a formação do clero indígena, os participantes pedem a criação de um Rito Amazônico para “adaptar a liturgia, valorizando sua cosmovisão, as tradições, os símbolos e os ritos originários, que incluem dimensões transcendentes, comunitárias e ecológicas”.

De maneira prática, sugere-se a tradução de livros litúrgicos, da Bíblia e das músicas como manifestação da inculturação do Evangelho, “preservando a matéria dos sacramentos e adaptando-os à forma, sem perder de vista o essencial”. Ao pensar que a Boa Nova deve ser proclamada em todos os tempos e lugares, “de modo que se expressem o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual amazônico”, observa-se que precisamos nos afastar dos neocolonialismos e dos sincretismos de forma superficial com as tradições locais, porque a Amazônia é terra de disputas e a imposição de determinados modos de viver de uns povos sobre os outros, tanto econômica, como cultural e religiosamente não podem mais serem aceitos nos tempos atuais.

“Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progressos predatórios. […] Os erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e causar sofrimentos aos nossos irmãos e à nossa irmã terra: vimo-lo no rosto desfigurado da Amazônia”. (Papa Francisco durante o Sínodo)

A partir dessa interpretação, eles pedem “para superar o clericalismo e as imposições arbitrárias”. Pode-se inaugurar legitimamente um rito novo que “se somaria aos ritos existentes na Igreja, enriquecendo a obra de evangelização, a capacidade de expressar a fé em uma cultura própria e o sentido da descentralização e colegialidade”.

Observatório Socioambiental Pastoral

No artigo 78 do documento final do Sínodo, que caracteriza o novo ambientalismo, ancorado nos valores do Evangelho, isso encontra eco decisivo na defesa dos direitos dos povos indígenas, que são os maiores promotores da ecologia integral (Laudato Si, 2015). Os bispos denunciam “a falta de proteção também em áreas demarcadas, as quais são invadidas pela mineração, pela extração florestal, pelos grandes projetos de infraestrutura, pelos cultivos ilícitos e pelos latifúndios que promovem o monocultivo” e convocam os governos nacionais a “demarcar e proteger os territórios indígenas”.

Assim, a “Igreja opta pela defesa da vida, da terra e das culturas originárias amazônicas. Isso implicaria o acompanhar dos povos amazônicos no registro, na sistematização e difusão de dados e informações sobre seus territórios e a situação jurídica dos mesmos. Queremos priorizar a incidência e o acompanhamento para conseguir a demarcação de terras”.

Ao modo do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma), agora com um viés ligado mais ao bioma amazônico, foi sugerida a criação de um “Observatório Socioambiental Pastoral”, para atuar na promoção e na defesa dos direitos humanos na Amazônia, em parceria com os organismos que já atuam na região, como a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), com apoio das Caritas diocesanas, do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) e dos episcopados nacionais, para que se evitem novos mártires na Amazônia.

Sínodo é obra de papa

Para evitar novos comentários equivocados, convém ainda esclarecer que esta modalidade do Sínodo dos Bispos foi criada por Paulo VI em 1965, uma resposta ao desejo de sinodalidade manifestado pelos participantes do Concílio Vaticano II. Segundo regimento interno, é um órgão de caráter consultivo, não deliberativo, mas um espaço aberto a propostas e orientações pastorais, não para mudanças nos aspectos doutrinais.

Uma “comissão pós-sinodal” de 13 pessoas será responsável por colocar em prática as propostas do Sínodo, entre eles dom Alberto Taveira, arcebispo de Belém (PA), dom Erwin Kräutler, bispo emérito da prelazia do Xingu (PA), dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, e dom Roque Paloschi, bispo de Porto Velho (RO). Agora cabe ao papa identificar as sugestões levantadas pelo Sínodo e discernir a vontade de Deus em uma “exortação apostólica pós-sinodal” com orientações para a Igreja de todo o mundo.

Papa Francisco e a Pan-Amazônia

A Igreja da Amazônia chegou com desejo de colaborar e, sabendo o que queria para amadurecer esse tempo teológico especial, fez com que esse kairós marcasse nossa história. Deus seja louvado pela ação do Espírito Santo na sua Igreja! Na homilia de encerramento do Sínodo, o papa Francisco observou: “Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progressos predatórios. […] Os erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e causar sofrimentos aos nossos irmãos e à nossa irmã terra: vimo-lo no rosto desfigurado da Amazônia”.

O papa Francisco sai fortalecido como o grande líder global da atualidade, que pediu para auxiliarmos a fazer transbordar esses rios da Amazônia, já que chegam ao oceano Atlântico e se espalham pelo planeta Terra, levando bênçãos que sobem aos céus.

[1] São João Newman, o cardeal que foi declarado Santo com a Irmã Dulce, já refletia a respeito da catolicidade das manifestações religiosas deixaria desconsertado os novos iconoclastas que só fizeram os católicos perceberem a sua falta de comunhão com a Igreja. No seu texto Essay on the Development of Christian Doctrine (1878): “O emprego de templos, e estes dedicados a certos santos, e enfeitados em ocasiões com ramos de árvores; incenso, lâmpadas e velas; promessas para cura de doenças; água benta; asilos; dias santos e estações, uso de calendários, procissões, bênçãos dos campos, vestimentas sacerdotais, a tonsura, o anel nos casamentos, o virar-se para o Oriente, imagens numa data ulterior, talvez o cantochão e o Kyrie Eleison, são todos de origem pagã e santificados pela sua adoção na Igreja”.

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