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A VIOLÊNCIA CONTRA OS POVOS CHIQUITANOS NA FRONTEIRA MATO GROSSO/BOLÍVIA

por Marilza J L Schuina, secretariado para o 15º Intereclesial

Em 02 de setembro, na semana de realização do 26º Grito dos Excluídos e das Excluídas, na semana em que se comemora a “Semana da Pátria”, uma comissão composta por representantes do Conselho Indigenista Missionário, Universidade Federal de MT, Fórum Estadual de Direitos Humanos e da Terra de MT, Centro Burnier Fé e Justiça, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de MT, Centro  de Direitos Humanos D. Máximo Bienneés/Cáceres, Ouvidoria Geral da Polícia de MT e da Federação dos Povos Indígenas/FEPOIMT, foi às pressas à comunidade indígena San José de la Fronteira, do povo Chiquitano, cidade de San Matías/Bolívia, na fronteira com o município de Cáceres/Mato Grosso/Brasil.

Relatos dos Povos Chiquitanos. Produzido por Inácio Werner.

Segundo informações veiculadas por mídias digitais (veja aqui), no dia 11 de agosto, foram assassinados pelo Grupo Especial de Fronteira (GEFRON/MT), 04 indígenas Chiquitanos: Paulo Pedraza, Ezequiel Pedraza Tosube, Yonas Pedraza Tosube e Arcindo Sumbe García.

A comissão tinha como objetivo “dialogar com as famílias e comunidade dos indígenas e com autoridades locais” sobre a denúncia de chacina, bem como prestar solidariedade às famílias e à comunidade. Levaram consigo cestas básicas de alimentos, material de limpeza e a disposição de escutar e mostrar que, do lado de cá da fronteira, tem gente que não pactua com a forma violenta como age uma parte da polícia brasileira.

Nas conversas, os familiares afirmam que os homens estavam caçando e, que esta é uma atividade comum nas fazendas onde trabalham, e que foram autorizados pela esposa do gerente da fazenda no dia para fazer a caça. As famílias estranharam quando seus cachorros voltaram para casa sem os donos e, este foi o sinal de alerta. Procurados pelos familiares, os Chiquitanos foram localizados no necrotério do hospital em Cáceres, sem identificação. O reconhecimento dos corpos foi feito por “parentes” em Cáceres e liberados e entregues à comunidade por volta da meia noite do dia 12 de agosto, depois de muitas dificuldades para conseguir caixões e o translado.

Foto: Inácio Werner
Foto: Inácio Werner

Relatos dos familiares e amigos indicam execução com atos de crueldade, pois relatam que havia sinais de tortura, como perna e clavícula e dentes quebrados, rosto deformado e corpo com escoriações. Próximo ao local onde se encontrava a ceva que as vítimas usavam para a caça havia sinais de sangue e árvore cravejada de balas, o que reforça a hipótese de que a chacina aconteceu neste local, ou seja, os indígenas Chiquitanos foram assassinados em território brasileiro. Assim narram Mateus Lopez Pedraza (20 anos) e Gerson Martins Tosube(23 anos), irmão e sobrinhos das vítimas: “Chegando lá tinha um buraco coberto de folhas e tinha bastante sangue, ali ele caiu, mataram um e começaram a arrastar, foi arrastado uns 20m… nós espera que a justiça seja feita, não quero que aconteça mais com ninguém, quatro da sua família ser morto, ser torturado… nós não pode mais trabalhar, passar prá lá, a polícia quer tirar toda a roupa da gente… suspeita da gente…”

João Pedraza (59 anos), pai, irmão tio e cunhado das vítimas, fez o reconhecimento dos corpos. “Sinto muito triste, uma tragédia difícil para mim… penso que foi uma massacragem, não podia fazer isso, se eles tivessem errado de tá caçando, prendia, se tivesse suspeito… mas não fazer isso. Prá mim foi um abuso que fizeram com eles, é um trem sem motivo, eles não tinham motivo pra isso… meu guri era trabalhador, tava estudando… ficou uma mulher com três filhos e é um sofrimento pra gente, pra ajudar não só com comida… agora não têm o pai… Espero justiça pra não acontecer mais isso… é doído…”

Soilo Urupe Chue, da aldeia Vila Nova Babecho, em Porto Esperidião/MT sintetiza quem são os Chiquitanos: “Com grande pesar venho aqui, à comunidade São Jose de la Frontera, estar vendo o sofrimento dessas quatro famílias que tiveram filhos e pais com a vida ceifada. Peço de fato celeridade na questão da investigação porque ninguém tem o direito de tirar a vida do próximo, ninguém tem o direito de tirar a vida do irmão, porque tudo isso é causa de sofrimento. Nós já estamos vivendo um tempo de pandemia do coronavírus que já é difícil e a nossa questão é mais difícil ainda e complexo por ser povo originário, povo dessa terra, nós somos massa dessa terra em que vivemos”.

O povo Chiquitano tem nacionalidade brasileira e boliviana, destaca Soilo:  “enquanto povo étnico… temos nossos direitos garantidos que é um povo só Chiquitano. O povo Chiquitano que vive do lado da Bolívia tem a província de Chiquitos e os que vivem no Brasil nos municípios de Cáceres até Vila Bela da Santíssima Trindade tem uma identidade étnica de Chiquitanos. Mas nós temos uma outra identidade que é a nacionalidade, quem é do lado da Bolívia é boliviano e quem é do lado do Brasil é brasileiro. Porém quero frisar uma situação muito importante para nós, que nós somos um povo só e nós não criamos as fronteiras… Pra nós existe a territorialidade, existe a nossa liberdade que a gente vivia, com os nossos costumes, a nossa crença, a nossa língua. Peço justiça com o que aconteceu porque temos nosso direito constitucional e originário, de vivermos de acordo com a nossa língua, a nossa crença, a nossa tradição e a forma de ser, de fazer e de viver, dentro dos nossos próprios princípios enquanto povo Chiquitano. Eu peço que tenham respeito à vida… a vida é muito mais do que qualquer outra situação para nós… a caça, a pesca, a dança, os rituais que nós fazemos, os cânticos são tudo tradicional, temos isto conosco e queremos viver de acordo com esses direitos garantidos. Queremos que os órgãos oficiais respeitem, apurem o caso com mais celeridade possível e respeitem nossa liberdade de ir e vir e não criem mais conflito pra nós dentro da divisa que a gente já vive em área vulnerável e que nós possamos manter a floresta em pé, porque sem a floresta a mudança climática dentro de território vai ser difícil de viver e que tudo seja esclarecido de forma que possamos viver em harmonia. Por isso pedimos respeito!”

O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de Mato Grosso e o Fórum Estadual de Direitos Humanos e da Terra oficializaram os órgãos responsáveis  para que ocorra a apuração dos fatos pelo Governo Estadual e Governo Federal; que o Ministério Público Federal e o Conselho Nacional de Direitos Humanos façam o acompanhamento do caso; igualmente a Comissão Nacional de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal; ao Governo Plurinacional da Bolívia; à Relatoria Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas; à Comissão Interamericana de Direitos Humanos; à Ouvidoria Geral de Polícia de Mato Grosso.

Durante a realização do 26º GRITO DOS EXCLUÍDOS E DAS EXCLUÍDAS em Mato Grosso, duas atividades foram realizadas para denunciar essa violência que culminou no assassinato dos indígenas Chiquitanos:  a coletiva de imprensa, na manhã do dia 04 de setembro (veja aqui) e a live sobre o direito à vida dos povos Chiquitanos (veja aqui).

No local da chacina, a comissão realizou uma oração de conforto e esperança.
Foto: Inácio Werner

Estamos a caminho do 15º Intereclesial das CEBs, uma Igreja em Saída, na busca da vida plena para todos e todas. Vidas humanas importam, vidas indígenas importam!

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