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BRASIL EM TEMPOS DE APRENDIZAGEM?

Na semana que passou, o IBGE atualizou algumas informações sobre fome e pobreza no Brasil. 84,9 milhões de brasileiros ou 41% da nossa população passam fome ou vivem em insegurança alimentar e não têm comida suficiente ou de má qualidade na sua mesa[1]. Em apenas dois anos, o número de pessoas com fome duplicou, de 10,3 em 2018 para mais de 19 milhões em 2020. E este ano, o número deve ter aumentado ainda mais. Em 2013, a situação da Segurança alimentar teve os melhores índice de toda a nossa história: Em 77% dos domicílios as famílias viviam bem, com comida suficiente e de qualidade[2].

Não é só a pandemia que causou esta tragédia nacional. O desemprego crescente, a defasagem das políticas públicas voltadas para a Segurança Alimentar, a diminuição de valor e de número de famílias cobertas pelo programa Bolsa Família, cuja substituição pelo Programa Auxílio Brasil foi decretada em Medida Provisória, a exportação da produção de alimentos para fora do País, são algumas das causas do aumento da fome entre nós.

As consequências podem se alastrar por muito tempo. Reconstruir um país é muito mais complicado do que destruí-lo. A fome deixa sequelas que se deixarão sentir por muitos anos. Afeta e enfraquece a atenção de alunos e estudantes e diminui seus níveis de aprendizagem. Degrada os níveis de imunidade e de resistência do nosso corpo a doenças e agressões de vírus. Torna a pessoa mais agressiva, mas estressada, impaciente. Faz perder massa muscular e gorduras, força e o ânimo para trabalhar. Provocando debilidade física, deficiências físicas e psíquicas, apatia e depressão. Diminui a atenção, a capacidade de raciocínio e torna a pessoa presa fácil de charlatanismo, de ilusionários políticos e religiosos e de todo tipo de promessas mágicas. E finalmente, causa a morte prematura de crianças e de adultos. No Brasil, a cada cinco minutos morre uma criança e pesquisas do médico Flávio Valente mostram que pelo menos 36 milhões de brasileiros não sabem quando terão sua próxima refeição[3].

Nos deparamos cotidianamente com este problema, de difícil solução sem uma política adequada. A solidariedade privada tem seus limites. O egoísmo dos multimilionários e de grande parte de nossos políticos, não.

As preocupações do atual governo brasileiro passam longe da tentativa de solucionar a questão. A política econômica dos últimos anos parece ter como objetivo o empobrecimento e destruição de direitos fundamentais dos e das brasileiras/os. Não parece ser apenas uma consequência. E não se culpe apenas o presidente disso, mas também as maiorias da Câmara e do Senado. Estas são mais preocupadas em manter os seus privilégios, suas verbas de gabinete, sua previdência particular, seus banquetes e aumentos de rendimento. Para muitos ainda não são suficientes. Seu alto padrão de vida, inatingível se vivessem apenas de seu rendimento normal, demostra que a corrupção continua real, apesar do falso discurso de combate à fraude do presidente. Ele mesmo e seus filhos estão sendo investigados por práticas de corrupção. Podemos afirmar com segurança que a maioria dos políticos busca em primeiro lugar se dar bem, garantir polpudos ganhos sem fazer muita coisa, a não ser convencer seus eleitores que estariam cuidando deles.

E assim, assistimos a uma nova onda de agressões aos direitos trabalhistas, por exemplo pela MP 1061, que afeta principalmente jovens e trabalhadores acima de 50 anos, com salários abaixo do mínimo e sem os costumeiros direitos celetistas. Sofremos a persistência do governo em adequar os preços do petróleo ao mercado internacional, dominado pelos Estados Unidos. Nos queixamos do preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, mas esquecemos de dizer que são consequência de uma política entreguista, que passa nossa riqueza nacional para as mãos do capital internacional. É esse o destino também das comodities produzidas no Brasil, minerais e agrárias. Inflação alta, valor do dólar nas alturas, falta de comida na mesa, tudo isso consequência da mesma política de entrega do Brasil ao capital através da política de privatização.

Bolsonaro tem como slogan mentiroso “Brasil acima de tudo”, mas saudou a bandeira estadunidense durante sua campanha em 2018. E enquanto os governantes do Brasil não retomarem o curso autônomo, como nos governos do PT, quando o País era respeitado em nível mundial, enquanto os políticos permanecerem colocando interesses alheios aos da população em todos os seus múltiplos segmentos – indígenas, afrodescendentes, populações tradicionais, trabalhadores e operários, micro-empresariais e de funcionários públicos – a tendência da nossa realidade será de uma constante piora. Por isso, sem uma mobilização consciente e unificada do povo em torno dos valores nacionais e populares, não há mudanças possíveis.

Por aqui, continua a louca relação do presidente com os demais poderes, especialmente o judiciário. Não parece que Bolsonaro sairá ileso desta quebra de braço. Está perdendo, a cada dia que passa, mais adeptos a seu americanismo, mas que percebem que sua insanidade mental não os levará a destino algum.

Internacionalmente, os dois assuntos que mais chamaram atenção foram a situação em Haiti e em Afeganistão. Em Haiti, o assassinato do presidente Jovenal Moïse no mês de julho foi expressão de uma briga pelo poder interno, que está longe de ser resolvida. O terremoto e o furacão Grace dos últimos dias, só agravaram a situação do povo[4].

Sem fazer um breve retrocesso no tempo, é impossível entender o que está acontecendo nesse momento no Afeganistão. A mídia tradicional costuma voltar pra trás até o fatídico 11 de setembro de 2001. Osama Bin Laden foi reconhecido como responsável pela ação terrorista em Nova Iorque. Esse fundamentalista islâmico nasceu em Riad, capital da Arábia Saudita e se formou em engenharia. De família rica, colocou sua fortuna a disposição do jihad, a guerra santa do Islã e encontrou no Afeganistão um excelente esconderijo[5]. Perdeu sua nacionalidade de origem por causa de suas ações terroristas.

“Afeganistão” significa país ou terra dos afegãos. Desde o ano de 982, esta etnia aparece na história do oriente. Tem parentesco com grupos étnicos do Paquistão. Há séculos se tornaram discípulos ferrenhos e radicais de Maomé. No século 19, o estado afegão figurou como amortecedor entre a colonialista Inglaterra – que dominava Índia e Paquistão – e o Império russo. No século 20 empreendeu sua guerra pela independência, passou por diversos golpes, alguns motivados por questões sociorreligiosas. Nas décadas de 1970 e 1980, o grupo islâmico foi financiado pelo Estado norte-americano para golpear o governo de esquerda que existia no país, inclusive recebendo armamento pesado. Afeganistão era um território estratégico para os EUA, pela posição central na Ásia, ao lado da China e do Irã e próximo da Rússia. A União Soviética invadiu o país para impedir o controle norte-americano na região[6]. Em 1978, o Partido Democrático Popular de Afeganistão consegue o poder através de mais um golpe, apoiado desta vez pela Rússia. Várias reformas foram feitas, entre as quais uma reforma agrária, a emancipação das mulheres e a modernização do pensamento islamítico. Mas as brigas internas continuaram. Um grupo era declaradamente pró-Rússia, outro defendia uma política de neutralidade internacional. A influência da Rússia cresce até no final dos anos 1980. Os últimos militares russos deixam o país em 1989.

Em 1994 é fundado o movimento talibã. O movimento consegue ocupar 95% do território e assume o governo, impondo regras islâmicas que limitam de novo a vida social das mulheres (uso obrigatório da burca, fechamento de escolas para mulheres, proibição de música, etc.). Após os atentados a embaixadas americanos na região, o Talibã apresentou duas vezes aos Estados Unidos propostas de convivência.

Depois dos atentados de 2001, os americanos impuseram as suas exigências ao Talibã: entrega incondicional de Osama Bin Laden; liberação de todos os presos estrangeiros e a passagem de sua política estrangeira aos Estados Unidos. Com a negação destas condições pelo governo afegão, Estados Unidos e Grã Bretanha invadiram e ocuparam o país, destruindo o poder talibã[7], e implantando um governo fantoche, sem raízes populares, cooptando funcionários e esquecendo o povo. O Talibã reorganizou-se preparou sua volta na primeira oportunidade que se apresentasse, com sua legislação baseada numa leitura fundamentalista do Al Corão.

Este ano, Joe Biden dos Estados Unidos, achou as despesas de manutenção da ocupação muito altas e decidiu em abril deste ano de deixar o país de forma brusca. O Talibã, armado pelos próprios Estados Unidos, aproveitou da decisão de Biden para retomar o controle sobre o território, com as consequências desastrosas que assistimos diariamente. Mais uma região do mundo que, por causa dos seculares interesses colonialista, deixada numa situação de guerra fratricida.

Vamos aprender com isso algo para nosso país?

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).


[1] https://kaosenlared.net/brasil-fome-oxfam-ibge-alerta-849-milhoes-de-brasileiros-com-fome/ (Acesso em 2021/08/21)

[2] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57530224 (Acesso em 201/08/21)

[3] https://www.coladaweb.com/sociologia/fome-no-brasil (Acesso em 2021/08/21)

[4] https://www.tempo.com/noticias/actualidade/tempestade-tropical-grace-atinge-o-haiti-apos-forte-terremoto.html (Acesso em 2021/08/21)

[5] https://www.ebiografia.com/osama_laden/ (Acesso em 2021/08/21)

[6] https://www.brasil247.com/blog/afeganistao-e-novo-vietna-e-derrota-dos-eua-e-um-progresso-para-o-mundo (Acesso em 2021/08/21)

[7] https://nl.wikipedia.org/wiki/Tijdlijn_van_Afghanistan e https://nl.wikipedia.org/wiki/Afghanistan (Acessos em 2021/08/21)

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