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CEBs: ESPAÇO PRIVILEGIADO PARA EDUCAÇÃO QUE LIBERTA – CF/2022.

Por ANTONIO SALUSTIANO FILHO*

Estamos em plena Quaresma, momento propicio para vivermos de forma mais acentuada o processo de conversão. Quaresma é tempo de voltar, de maneira mais intensa, o coração ao Deus da vida (Yahweh), como diz do Profeta Joel (Jl 2, 12-18); buscar a misericórdia do Pai (Sl 50/51) e nos reconciliarmos com Deus (2Cor 5,20-6,2) em Jesus Cristo com a alegria do jejum, o silêncio (introspecção) da oração e a prática a sincera da caridade (Mt 6,1-6.16-18), conforme celebramos na Liturgia da Quarta-feira de Cinzas.

O jejum, a oração e a caridade são os três gestos elementares do processo de conversão postos como desafios para todos nós nesse tempo quaresmal. Não vamos aqui teologizar (fazer teologia) sobre cada um desses elementos, mas discorrer de forma singela sobre a caridade no seu sentido de gesto educador (caridade é mais que um gesto filantrópico). Porém, penso que não há caridade sem a renúncia de algo em nossas vidas (jejum é renúncia) particulares e também não se pratica uma caridade sincera sem a oração. Portanto, a liturgia da Quarta-feira de Cinzas deve ser um mote em nossa penitência quaresmal e bússola a nos orientar por toda a vida.

No tempo quaresmal, desde 1964, a Conferência Nacional do Bispos do Brasil – CNBB nos convida para que promovamos a Campanha da Fraternidade com um tema e lema para nossa reflexão e atuação e prol dos objetivos a que se propõe a Igreja do Basil. O tema e o lema da CF/2022, propostos para nos ajudar na caminhada do processo de conversão na Igreja são, respectivamente, “Fraternidade e Educação” e “Fala com Sabedoria, Ensina com Amor (Pr 31,26)”. Ou seja, o amor deve ser centralidade de nossas ações na construção da “realidade educativa do Brasil, à luz da fé cristã (…), em favor do humanismo integral e solidário” (Texto base, Objetivo geral). Precisamos educar e ser educados para o amor, na prática da justiça e, assim, construirmos a Paz. A Paz é fruto da justiça (Is 32,17).

O Texto Base da CF/2022, na sua introdução nos chama a promover “(…). Uma Campanha que contribui para uma mudança de vida profunda que nos leva, não somente a pedir a Deus perdão por nossos pecados, mas a unir forças na construção de uma sociedade que corresponda à mensagem do Evangelho (cf. Mc 1, 15)”. (Texto Base nº 2).  Somos desafiados a construir uma sociedade que seja sinal do Reino de Deus, pois, como diz Evangelho: “O tempo chegou, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no Evangelho.” (Mc 1,15). Diz, ainda, Texto Base que “O Evangelho possui uma irrenunciável incidência social. ‘Deus está interessado no bem-estar completo do homem, e por isso também no desenvolvimento da comunidade na qual o homem participa de muitos modos.’” [1](sic)

A CF/2022, entre outras riquezas teológicas, nos propõe como base de nossa reflexão sobre a educação vários temas da Teologia do Papa Francisco: a cultura do encontro, a educação integral e cuidado com a Casa Comum. Vivemos numa sociedade desigual, injusta, excludente e destruidora da natureza, ou seja, um sociedade econômica e ecologicamente insustentável, fruto das ações humanas que atua, com a nossa conveniência ou não (?)[2], por meio das estruturas sociais que promovem a situação caótica que aí está. Por isso o desafio: essa sociedade precisa ser transformada segundo os valores evangélicos e, para tanto, é preciso a conversão.

Para que a conversão aconteça e a mudança social ocorra – se não há transformação social é porque não houve conversão – é preciso passar por um processo educativo com o olhar e a intenção num paradigma diferente do que atualmente orienta nossa sociedade; paradigma gestado e administrado pelo sistema capitalista, agora com viés neoliberal, cuja função é reproduzir as estruturas e situações sociais vigentes.

Há uma verdade nos discursos dos vários saberes das ciências de que a educação é salvação de um povo e a mola propulsora do desenvolvimento[3] de uma nação. E de fato o é. Mas, de que educação e desenvolvimento estamos falando? Do desenvolvimento preconizado pelo sistema capitalista? Não! Dentro do atual modelo econômico não há solução para a crise socioambiental. Esta situação é produto do próprio sistema. A solução que se vislumbra para a crise em curso demanda uma maciça participação da sociedade. Para tanto temos que repensar a educação para reinventar o humano.

A educação integral para o desenvolvimento deve pensar, a partir da realidade posta,  que “O desenvolvimento é a efetivação universal do conjunto dos direitos humanos, desde os direitos políticos e cívicos, passando pelos direitos econômicos, sociais e culturais e, terminando nos direitos ditos coletivos, entre os quais estão, por exemplo, o direito a um meio ambiente sustentável e o direito às condições mínimas de uma vida digna. (…).”[4]. Ou seja, um desenvolvimento socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente justo. Esse tripé deve nortear o processo educativo permanente proposto pelo Papa Francisco (Laudato Si) e pela CF/2022.

“A realidade da educação nos interpela e exige profunda conversão de todos. Verdadeira mudança de mentalidade, reorientação da vida, revisão das atitudes e busca de um caminho que promova o desenvolvimento pessoal integral, a formação para vida fraterna e para cidadania (…)”. (Texto Base 5). Nessas condições e exigências, a educação não pode ser vista como um processo de ensino reprodutor de seres humanos desprovidos de vontade e critérios próprios, úteis aos fins lucrativos de uma sociedade onde se produzem e consomem (quem pode) segundo as normas ditadas pelo mercado gerido por “uma economia que mata” (Papa Francisco).

Daí a necessidade de uma educação com sabedoria e amor que transforme essa concepção distorcida de que o ser o humano deve ser educado desconectado do contexto sócio, econômico, político e cultural (inclusive o religioso) em que vive. A educação para conversão pessoal e coletiva e a mudança social deve ser promovida dentro e a partir do ambiente do qual somos produtores e partes. Essa educação está em outro paradigma e é um processo coletivo, em mutirão. Por isso, embora o Texto Base da CF/2022 não o faça, temos que retomar Paulo Freire, cuja metodologia educacional parte da ideia de que  “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”[5] (sic). Esse legado freiriano jamais pode ser esquecido ou ignorado[6]

Mas, se por razões que desconhecemos, Paulo Freire não foi lembrado na reflexão da Igreja para a CF/2022, o Papa Francisco está presente. O que é de grande alento. Em referência ao Pacto Educativo Global, o Texto Base diz; “Na carta de convocação, bem como no Instrumento de trabalho, o Papa Francisco apresenta alguns elementos constitutivos de uma educação humanizada que contribua na formação de pessoas abertas, integradas e interligadas, que também sejam capazes de cuidar  da casa comum já que ‘a educação será ineficaz e os seus esforços estéreis se não se preocupar  também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade, e à relação com natureza’” (Texto Base 7).

No discurso do Papa Francisco, por ocasião do Encontro: Religião e Educação – Pacto Educativo Global, o Bispo de Roma, entre outras coisas, disse aos presentes: “Se queremos um mundo mais fraterno, devemos educar as novas gerações para «reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada um nasceu ou habita» (Carta enc. Fratelli tutti, 1). Este princípio fundamental – «conhece-te a ti mesmo» – orientou sempre a educação, mas é necessário não descurar outros princípios essenciais: «conhece o teu irmão», a fim de educar para o acolhimento do outro [cf. Carta enc. Fratelli tuttiDocumento sobre A fraternidade humana (Abu Dhabi, 04/II/2019)]; «conhece a criação», a fim de educar para o cuidado da casa comum (cf. Carta enc. Laudato si’); e «conhece o Transcendente», a fim de educar para o grande mistério da vida. Temos a peito uma formação integral que se resume no conhecer-se a si mesmo, ao próprio irmão, à criação e ao Transcendente. Não podemos esconder às novas gerações as verdades que dão sentido à vida”[7].

Ainda, no discurso do Papa Francisco temos a ideia da educação como movimento ecológico[8]: “Uma propriedade da educação é ser um movimento ecológico. É uma das suas forças motrizes rumo ao objetivo educacional completo. A educação que tem no centro a pessoa na sua realidade integral tem a finalidade de a levar ao conhecimento de si mesma, da casa comum na qual vive e, sobretudo, à descoberta da fraternidade como relação que produz a composição multicultural da humanidade, fonte de enriquecimento mútuo”[9]. (grifo original).

Uma educação com sabedoria e amor para a libertação integral do ser humano deve levar em consideração, e ter como vetor da prática educativa, a consciência de que a Terra e tudo o que nela existe são frutos naturais do processo de criação e evolução do universo; inclusive nós seres humanos somos o produto desse processo cósmico evolutivo-criativo. Todos estávamos juntos no átomo primordial, na sopa energética condensado num pequenino ponto atômico. A partir do Big Bang ou do “faça-se a luz” começou a aventura do universo. Uma história de cooperação e superação em favor da matéria que mais tarde entrou nesta aventura, surgindo de formas mais simples até a complexidade como atualmente se verifica[10].

Nós viemos dessa relação de vidas intrincada em que complexidade e diferenciação nos fizeram seres complexos e diferentes e nisto reside a riqueza de todos os elementos e criaturas do universo. Nós, os seres humanos, fomos os últimos que chegamos na teia da vida, conforme dito na narrativa da Criação (Gn 1 e 2). Somos parte do todo. Feitos dos mesmos elementos que compõem desde os mais “insignificantes” dos insetos até as grandes estrelas que habitam nosso espaço sideral. Chegamos como seres conscientes de tudo que nos precedeu, portanto, somo responsáveis pela manutenção da comunidade de vida (Carta da Terra) em todos seus aspectos. Daí a ecologia de integral defendida por Francisco, o Bispo de Roma.

Devemos ser, cada um em nossa individualidade[11], cada vez mais conscientes de que somos o resultado da vontade, do Amor, da Sabedoria e da Energia que tramaram a vida nesta aventura cósmica e terrenal, desde a explosão inicial até aqui. Essa mesma Sabedoria e Energia que conduzem a evolução do universo e que orientaram o milagre que nos produziu estão presentes na mente, no coração e em cada partícula do nosso ser, interligando-nos ao TODO/DEUS. Somos orientados por essa Inteligência Soberana e não podemos agir diferentes de seus propósitos. Isso é o movimento ecológico da vida.

A educação ecológica tem que levar em conta que moramos todos na mesma Casa comum, a Terra. Somos uma comunidade de vida – como está escrito na Carta da Terra[12] – onde todos os seres da natureza, o solo, as rochas, os rios, os mares e oceanos, as plantas os inseto, e os animais, o ar, os climas e os seres humanos convivem num processo de coevolução. Esses elementos que constituem essa comunidade de vida não foram jogados uns ao lado do outros, mas estão interconectados entre si por uma Sabedoria inteligente que é a dinâmica da teia da vida. Portanto, a natureza não é uma realidade estranha a nós e sem qual podemos viver.

As mazelas sociais e a proposta de uma educação com sabedoria e amor são elementos temáticos sobre as quais devemos dialogar nesse tempo quaresmal e pós Quaresma. Todos os tempos litúrgicos da Igreja são oportunidades – mediatizadas pela realidade que nos cerca e iluminados pela Palavra de Deus, os ensinos da sã doutrina da Tradição religiosa cristã e a ciência para a vida, todas envolvidas no diálogo educativo – para o exercício da caridade transformadora proposta pela Campanha da Fraternidade.

Enquanto as pessoas do mundo inteiro não forem educadas dentro dessa ótica não teremos o avanço necessário para transformar a sociedade perversa – da qual somos partes – numa sociedade estruturada sob a égide do desenvolvimento ecologicamente equilibrado e economicamente sustentável e includente, ou seja, a utopia do outro mundo possível para o ser humano integral. A educação ecológica de que fala o Papa Francisco é a única saída para o impasse do desenvolvimento para vida.

As Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, somos uma Igreja madura, gestada no sofrimento de milhares de irmã(o)s que sofrem as mazelas de nossos tempos. Elas são o jeito originário de a Igreja ser (Atos 2, 42-47; 4,32-35), surgida no Brasil no final dos anos de 1950 e início dos anos 1960, gestaram um legado que forma o seu arcabouço teológico, tonando-se instrumentos da educação popular. Portanto, por estarem no chão da vida de milhares seres humanos vítimas das estruturas sociais iníquas; por atuarem lá onde estão os problemas que oprimem e dividem o(a)s filho(a)s de Deus são, portanto, os espaços privilegiados para a prática de uma educação libertadora.

As CEBs, com a sabedoria dos educadores/educandos nesse processo de escuta do outro; pela militância em prol da transformação do ser humano e da sociedade; pela experiência dialogal e fraterna de uma Igreja em saída (estamos nos meios populares), sinodal (caminhar juntos sempre foi o nosso jeito de ser Igreja) são, por excelência, escolas que educam para libertação. Essa é nossa marca em mais de meio século de existência.

Não é demasia aqui fazer memória de nossa história como célula inicial, núcleo, escola, espaços privilegiados de um processo libertador e transformador do mundo. Já em Medellín, em 1968, a Conferência Episcopal Latina Americana, sob a inspiração do Concílio Vaticano II, as CEBs foram batizadas como Comunidades Cristãs de Base e sobre elas foi dito e escrito: “Assim, a comunidade cristã de base é o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé. Como também pelo culto que é sua expressão, É ela, portanto, célula inicial de estruturação eclesial e foco de evangelização e atualmente fator primordial de promoção humana e desenvolvimento.” (Medellín 15, 10).

Ainda sobre a natureza das CEBs como espaço de educação para a libertação política e religiosa das pessoas reescrevemos aqui o que já foi dito em outros tempos: “Sem dúvida, o fato mais original e característico da renovação eclesial na Igreja do Brasil, depois do Concílio Vaticano II foi, como acontecimento e como fenômeno coletivo, o aparecimento e o desenvolvimento das Comunidade Eclesiais de Base (…). Com efeito, as Comunidades Eclesiais de Base, como ‘opção pastoral decisiva’, condicionaram, de forma criativa e iluminante a caminhada da Igreja no Brasil da últimas décadas, (…) Por isso, as pequenas Comunidades Eclesiais de Base, nas suas múltiplas formas de agrupamentos e motivação, foram indubitavelmente escolas de vida cristã e centros de amadurecimento concreto na fé e na esperança, e simultaneamente, formam também  polos de agregação da resistência à marginalização social e à repressão política, bem como  momentos de conscientização cristã na luta pacifica pelo advento da justiça do Reino de Deus”.[13] (negritamos).

Em Puebla/1979, depois de mais de uma década de experiências das CEBs como o jeito ser Igreja batizado em Medellín, os Bispos Latino-americanos vão dizer que as “As comunidades eclesiais de base são expressão do amor preferencial da Igreja pelo povo simples; nelas se expressa, valoriza e purifica sua religiosidade e se lhe oferece possibilidade concreta de participação na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o mundo”. (Puebla 643).

Em Aparecida/2007 a Conferência Episcopal Latina Americana reconhece as CEBs como uma célula importante de evangelização:

“As Comunidades Eclesiais de Base têm sido escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com sua fé (….) Medellín reconheceu nelas uma célula inicial de estruturação eclesial e foco de fé e evangelização. Puebla constatou que as pequenas comunidades, sobretudo as comunidades eclesiais de base, permitiram ao povo chegar a um conhecimento maior da Palavra de Deus, ao compromisso social em nome do Evangelho, ao surgimento de novos serviços leigos e à educação da fé dos adultos.” (DAp. 178) negritamos e destacamos.

A CNBB, no Documento 92, diz que: “As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) (…). Elas representam uma maneira de ser Igreja, de ser comunidade, de fraternidade, inspirada na mais legítima e antiga tradição eclesial. Teologicamente são, hoje, uma experiência eclesial amadurecida, uma ação do Espírito no horizonte das urgências de nosso tempo.”[14]. Ou seja, verdadeiras escolas de educação ecológica, no sentido de que fala o Papa Francisco.

Por mais de meio século, as CEBs foram reconhecidas (embora alguns negassem esse reconhecimento) pela Hierarquia da Igreja como espaços de um processo educador e de promoção humana e desenvolvimento. Negar isso hoje é renegar o legado de uma Igreja que se identifica com Jesus de Nazaré e o segue pelas Galileias da vida, ou como diz o Papa Francisco, nas periferias da existências e geográficas.

Nos grupos de reflexão, círculos bíblicos e n’outras formas de reuniões e celebrações na base podemos repetir a experiência de Jesus de Nazaré, quando lhe trouxeram a mulher flagrada em adultério (Jo 8,1 -11) que, segundo os escribas e fariseus de então, moralistas daqueles tempos (e de hoje também), fiéis à Lei e aos costumes dos “homens de bem”, entendiam que mulheres adúlteras devem ser apedrejadas e os homens, não. Todos já tinhas suas pedras em mãos para aplicar o castigo fatal à pobre mulher. “Segundo a Lei de Moisés, ambos envolvidos em adultério, homem e mulher, deviam ser punidos com a morte por apedrejamento (Dt 22,22). Texto Base 10)

O Texto Base da CF/22, nos números de 10-25, faz uma reflexão interessante sobre o comportamento de Jesus, num verdadeiro processo educativo para a libertação. Jesus, diferentes dos escribas que são afeitos aos textos sagrados, escreve no chão com dedo. Talvez tenha escrito a sentença do juízo daquela situação. “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra (Jo, 8,7b). Antes deve ter elencados, no escrito do chão, um rol de práticas tidas como pecados. Assim, faz que aqueles homens duros de corações e apegados às tradições de uma religiosidade superada, reconhecerem que são pecadores, saindo, um por um, a começar pelos mais velhos (Jo 8,9a).

Jesus fica só com a mulher e pergunta; “Onde estão eles? Ninguém te condenou? Ninguém, Senhor!”  (Jo 8,10-11a). Jesus dá a palavra à mulher que no seu tempo não podia falar em público! E ela fala. Ou seja, se liberta do silêncio castrador imposto por uma sociedade machista. Há um diálogo. E Jesus diz: “Nem eu te condeno. Vai….” (Jo 8,11b). E liberta ela se foi e alcançada pela misericórdia de Jesus não pecou mais. Pecado aqui não tem somente a conotação moralista/sexista, mas a conotação “latu senso”.

O Texto base diz: “Pedras na mão, ódio no olhar, ouvidos surdos aos gritos por socorro e corações endurecidos. Assim era a disposição dos escribas e fariseus naquele dramático acontecimento, quando uma tragédia estava prestes a acontecer e uma mulher que seria imediatamente apedrejada. Ninguém parava para pensar, nem analisava se havia causas para o problema ou outras possibilidades de solução. Bastava o fundamentalismo legal, aplicado arbitrariamente. Diante da crise, imaginavam que ao matar eliminariam o erro e tudo estaria resolvido. Acreditavam que dessa forma manteriam íntegros a moral, os costumes, a obediência às leis e a paz social. E ainda, o faziam piedade e em nome de Deus” (Texto Base 20),

“Jesus educador, entra naquela realidade conflitiva. Enxerga criteriosamente o problema, escuta e sente o pavor daquela mulher e os argumentos dos seus justiceiros. Jesus não polemiza, não acirra ânimos, não pensa o problema de modo isolado. Antes, procura escutar em silêncio o que dizem. Depois, em diálogo, conduz pedagogicamente todas as partes envolvidas para que sintam e reflitam sobres as fragilidades humanas, às quais todos estão sujeitos. Quando todos aprendem a complexidade da própria situação em que estão envolvidos, as atitudes e a realidade se transformam”. (Texto base 21). Isso é educação que liberta.

Nesta caminhada quaresmal rumo à Pascoa do Senhor Jesus temos que fazer memória da cruz de Cristo sem nos esquecer das cruzes cotidianas que enfrentamos: as mazelas de cunho socioambiental sofridas pelo povo brasileiro, agora potencializada com a pandemia da Covid-19 e por um governo de desmonte das políticas públicas, negacionista, genocida, homofóbico e neofacista. Uma situação de morte nos ronda. A Educação que liberta é a proposta da Igreja em saída e sinodal para ressuscitar, com Jesus de Nazaré, na libertação de tantos homens e mulheres oprimidos, na vitória da vida em plenitude: a Páscoa.  

 *ANTONIO SALUSTIANO FILHO (Tonhão). É advogado, especialista em Direito Ambiental e outros ramos do direito, é membro das CEBs no Regional Sul-1 e da Ampliada Nacional de CEBs; é militante do Movimentos Socais.

NOTAS.


[1] O texto base ainda traz o vício da concepção machista da Igreja que insiste e grafar o termo “homem”, quando devia grafar “ser humano” para abraçar a todos e todas. Mas é preciso conversão para que isso ocorra. Faz parte da educação, como proposta pela CF/2022, a mudança desse vício machista.

[2] Elegemos e mantemos nossos governantes para administrar a máquina social que gera injustiças, desigualdades e outras mazelas socioambientais, e poco fazemos quando os eleitos não correspondem nossas expectativas, portanto, somos corresponsáveis.

[3] Quando falamos de desenvolvimento, estamos nos referindo ao Desenvolvimento sustentável, que articula princípios de justiça social, viabilidade econômica e prudência ecológica, como palavra de ordem e meta prioritária a ser buscados. No interior da nova estratégia de sustentabilidade é destacada a importância da educação ambiental como alavanca indispensável de sua construção.

[4] SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir, Tradução Eneida Araújo. São Paulo: Vértice, 1986; Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro; Garamond. 2008

[5] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. p. 95-101.

[6] Paulo Freire, um Educador reconhecido mundialmente, não é mencionado do texto base da CF/2022. Será por quê, hein? Por conveniência ideológica da Igreja que tem medo de ser acusada com os rótulos que dão Freire e aos seus seguidores?

[7] In https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2021/october/documents/20211005-pattoeducativo-globale.html. Acesso em 03.03.2022.

[8] O Termo “ecológico” vem de ecologia que na definição de Leonardo Boff, na esteira de Ernest Haeckel in A Opção Terra: a solução para a Terra na cai do céu “é o estudo de inter-retro-relacionamento que todos os sistemas vivos e não vivos têm entre si e com o respectivo meio ambiente (…)”

[9] In: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2020/february/documents/papa-francesco_20200220_congregaz-educaz-cattolica.pdfnfundir. Acesso em 03.03.2022.

[10] BOFF, Leonardo. A Opção Terra: a solução para a terra não cai do céu.Rio de Janeiro: Record, 2009; Ética da vida: a nova centralidade.Rio de Janeiro; Record, 2009; O Grito da Terra e o Grito dos Pobres. 2 ed. São Paulo: Ática, 1996; Homem: satã ou anjo bom? Rio de Janeiro; Record, 2008, pp. 223

[11] Não confundir “individualidade” com “individualismo”. Segundo Augusto Cury, na obraNunca desista dos seus sonhos: “O individualismo é uma característica doentia da personalidade, ancorada na incapacidade de aprender com os outros, na carência de solidariedade, no desejo de atender em primeiro, segundo e terceiro lugar aos próprios interesses. Em último lugar, ficam as necessidades dos outros. A individualidade, por sua vez, está ancorada na segurança, na determinação, na capacidade de escolha. É, portanto, uma característica muito saudável da personalidade. Infelizmente, desenvolvemos frequentemente o individualismo e não a individualidade.”

[12] “Elaborada por visionários há vinte anos, a Carta da Terra é um documento com dezesseis princípios que transformam a consciência em ação. Procura inspirar em todas as pessoas um novo sentido de interdependência global e uma responsabilidade compartilhada pelo bem estar de toda a família humana, da comunidade de vida e das gerações futuras. É uma visão de esperança e um chamado à ação.” In https://cartadaterrainternacional.org/leia-a-carta-da-terra/a-carta-da-terra/ acesso em 10.03.2022.

[13] Citado por Faustino Luiz Couto Teixeira, in Comunidades Eclesiais de Base: bases teológicas: Petrópolis-RJ, 1988, p.143(notas bibliografas).

[14] Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Mensagem do Povo de Deus sobre as Comunidades Eclesiais de Base. Brasília, Edições CNBB. 2010.

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