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“Como família perdoamos quem matou Ezequiel, como família dizemos que não é mais nosso, é da Igreja”, diz Antônio Ramin

Por Luis Miguel Modino

O sangue dos mártires fecunda o chão amazônico. São muitos os que deram a vida pela Amazônia e seus povos. Um deles foi Ezequiel Ramin, o comboniano nascido na Itália em 1953 e martirizado em Rondônia no dia 24 de julho de 1985, quando só tinha 31 anos. Sua figura tem sido lembrada numa das muitas atividades que a Amazônia Casa Comum está organizando durante a assemblei sinodal, que tinha por título, “Pe Ezequiel Ramin: Igreja que dá a vida pela Amazônia”.

Foram muitos, inclusive uma boa representação dos povos originários que escutaram os diferentes testemunhos sobre sua pessoa, começando pelo seu irmão Antônio, um dos cinco irmão de Ezequiel, todos homens, que nasceram numa família simples de Padova, filhos de pais de grande fé. Como contava seu irmão, sua mãe pediu para um dos seus filhos procurar um nome na Bíblia, e a menino encontrou Ezequiel.

Essa fé sempre esteve presente na família, até hoje. Sua mãe rezava constantemente, e mandava seus filhos rezar, pela vocação de Ezequiel, uma mãe, lavradora, que “nos ensinou o amor pela terra”, uma das grandes lutas do missionário comboniano no tempo que morou em Rondônia. Uma fé que o pai mostrou para Franco Viaretto, vice provincial na época, que trouxe o corpo depois de ser assassinado, quando lhe disse com a mão acima do caixão do seu filho “já perdoamos, porque em nossa família não existe a palavra ódio ou vingança”, palavras que hoje eram confirmadas por Antônio Ramin, que afirmava que “como família perdoamos quem matou Ezequiel, como família dizemos que não é mais nosso, é da Igreja”, palavras que só podem brotar de um coração cheio de fé.

Um dos colegas desde os primeiros passos de vida religiosa, foi o atual superior dos combonianos na Itália, Giovanni Munari, que definia Ezequiel como alguém muito comprometido com a causa dos pobres desde que em 1972 entraram na congregação, rebelde, ele mesmo diz, falando do noviciado que “não éramos fáceis”. Questionavam as matérias que tinham que estudar, a casa luxuosa onde moravam, e contava que Ezequiel quis trabalhar fora desde que era novicio, “para ganhar o pão com o suor da frente”, algo que depois fez nos Estados Unidos, trabalhando com a população hispana, ou na Itália, passando vários meses ajudando as vítimas de um terremoto. De fato, o padre Munari lembrava as palavras do mártir, “o missionário tem que estar onde estão os problemas, com o povo”.

Foi assim que ele sempre esteve, “a morte de Ezequiel foi consequência de uma vida vivida desse modo”, ressalta Giovanni Munari. Isso era confirmado pelo Padre Viaretto, “se nós queremos entender quem era Ezequiel devemos abrir o capítulo 25 de Mateus”, pois essa é uma página do Evangelho “com a que se identificou, o Evangelho fazia parte da vida dele”. Até o ponto de dizer que “ele foi morto por causa de sua paixão por Jesus Cristo, que identificava nos pobres”.

O testemunho de quem conheceu Ezequiel Ramin também foi dado pela irmã Antonieta Papa, que trabalhou com ele no Brasil. Elas cuidavam da paróquia de Pimenta Bueno – RO, onde a cada dois meses ia para celebrar a eucaristia. Nas páginas do seu diário, ela relatou os últimos dias da vida do comboniano, que era consciente do perigo, como mostrava nas cartas a seus amigos na Itália, não para sua família, para quem sempre falou que estava tudo bem. Mesmo assim ele dizia que a fé em Deus nos compromete.

O Padre Ezequiel Ramin foi alguém que deixou um legado, que Dom Roque Paloschi definiu em sete pontos. O primeiro a família, que “não só perdoaram, mas também rezaram pelos algozes de seu filho e irmão”, os jovens, gente que sonha, e que pode descobrir que “o grande sonho do jovem Ezequiel era encontrar soluções para os países mais pobres”. Também as Instituições religiosas, “de recordar-lhes que sua missão primeira e sentido de existir é de ser fermento na massa, estar misturada com o povo para fazer crescer, com entusiasmo e alegria, uma Igreja samaritana, comprometida com os pobres, numa entrega missionária que vai até as últimas consequências”, e para a Família Comboniana, que deve descobrir seu “carisma como dom de Deus para a Igreja e para o mundo”.

O arcebispo de Porto Velho também destaca o legado do mártir comboniano para os “Poderosos”, que tanto o odiaram, é “o perdão e o apelo constante e perene de conversão e reconciliação com Deus”. Também para a Igreja, que deve ficar com seu “legado profético, forte e urgente, de que a Igreja precisa ir ao encontro dos pobres, de braços abertos e mãos estendidas”. Finalmente para o Povo de Deus, o povo mais simples, para quem fica “a certeza de que a última palavra nunca será de morte, mas de vida”.

Essa foi a vida de Ezequiel Ramin, que em palavras de Dom Antônio Possamai, bispo de Ji-Paraná na época, falou mais com seu martírio que em toda sua vida. Como reconhecia o Padre José Celestino, atual administrador diocesano, o Padre Ezequiel deixou um grande legado, nem só na diocese, como também em Juína, Porto Velho e Guajará-Mirim. Hoje existe o Instituto Padre Ezequiel Ramin, a escola de Fé e Política, a primeira em ser fundada no Brasil, a escola de teologia, entre outros. É a história dos mártires, de tantos homens e mulheres que deram sua vida pela Amazônia e que hoje, desde o céu, intercedem para que se façam realidade novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.

 

1 Comment

  • Maria Lucia Moreira Bastos

    O sangue desse martires não pode ficar em vão, que bom que já existe um existe um instituto para preservar sua memória e sua entrega ao evangelho de Jesus Cristo. Um escola de Fé e politica para perpetuar os ideias cristãos no meio do povo.

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