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Experiências, realidades e a comunicação: temas do 14º Encontro Regional

Em meio a celebração e a alegria estavam o resgate histórico de experiências pastorais, a realidade socioeconômica e cultural e a importância da comunicação. Esses foram os temas das palestras ministradas durante o 14º Encontro Regional das CEBs de Mato Grosso, em São Félix do Araguaia, que começou no dia 07 e terminou neste domingo (10). A participação tem sido ampla, tanto nas filas do povo quanto nas mini-plenárias. Os assuntos foram aprofundados em trabalhos de grupo e vão servir para projetar a igreja que o Regional 02 defende como modelo pastoral, em carta a ser divulgada.

Resgate

Antônio Canuto e o casal Luiz Golvêa de Paula e Eunice Dias de Paula fizeram um relato histórico da prelazia de São Félix, instalada em 1970. Eles começaram a atuar na região logo em seus primeiros passos, convidados por Pedro Casaldáliga. Canuto como padre, Luiz e Eunice como professores. Eles auxiliaram dom Pedro a denunciar as mazelas dos posseiros, dos indígenas (tapirapés, karajás, xavantes e outros) e trabalhadores rurais maltratados por fazendeiros. Ajudaram a constituir um modelo de rede de comunidades, com a participação dos leigos, alfabetização popular, conscientização social e atendimento de serviços de saúde.

 

“O maior legado desse trabalho foi a conquista da terra. Nos anos 70 havia apenas São Félix e Luciara, hoje são mais de dez municípios na região”, disse Canuto, que ficou 26 anos na prelazia, até 1997. Ele deixou de ser padre em 1995 e passou a atuar na Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Goiás. “O trabalho da prelazia é muito marcado pelo diálogo interreligioso com os indígenas, respeitando sua cultura e espiritualidade. Isso inclui a demarcação de terras e o deslocamento dos índios pras cidades”, comentaram Luiz e Eunice, que continuam na prelazia.

Essas palavras encontraram repercussão no pensamento da indígena chiquitana Saturnina Urupe-chue, do município de Porto Espiridião, Diocese de São Luiz de Cáceres. Ele aproveitou a fila do povo para cobrar da igreja apoio à demarcação de terras de seu povo, uma luta de mais de 15 anos. “Se for pra ir até a aldeia só pra rezar não adianta pra nós. Somos nativos da terra e precisamos de gente que se uma conosco nessa luta”.

 

Realidade complexa

O sociólogo e assessor Roberto Rossi enfocou o papel das CEBs perante os desafios do campo e da cidade. Ressaltou que o Brasil é um país com 84% de sua população nas áreas urbanas. Em Mato Grosso esse patamar é de 82%, ainda que 116 de seus 141 municípios dependam da agropecuária e do extrativismo. Essa concentração de pessoas gera problemas de toda ordem, como saneamento básico, mobilidade urbana, violência, moradia e desigualdade social. Conforme pesquisa do Instituto de Pesquisa e Estatística Aplicada (Ipea) de 2017, Mato Grosso tem 400 mil pessoas na miséria, vivendo com menos de R$ 240 por mês.

Resultado em grande parte da colonização implementada pelo governo militar nos anos 70, Mato Grosso pulou de 38 para 141 municípios em menos de 40 anos. Muitas terras indígenas, de sertanejos, ribeirinhos e quilombolas foram dadas ou vendidas a migrantes como se não tivessem donos e isto gerou uma violência que se reproduz até hoje. “Em meio a esse cenário temos uma realidade complexa e com grande diversidade de jeitos de ser, viver, se manifestar, obter renda, se relacionar com Deus, desfrutar do lazer, obter conhecimentos”, completou.

“Se somos igreja com pé no chão, nós temos que mudar essa situação, não devemos só ficar esperando Deus. E por falar nisso, o que nós, cristãos, vamos fazer diante da corrupção?”, provocou Benedita Domingos de Lima, da diocese de Primavera do Leste-Paranatinga. “Precisamos nos unir dentro da igreja para superar esses problemas e nos aproximar dos partidos de esquerda e movimentos sociais”, contribuiu Juvenal Paiva, coordenador das CEBs da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga.

 

Comunicação

A palestra sobre comunicação foi conduzida pelos jornalistas e assessores Gibran Lachowski e Ana Paula Carnahiba. Eles falaram sobre as mídias comercial (hegemônica) e popular (contra-hegemônica), os interesses que cada uma defende e a importância das CEBs inserirem a comunicação em seu projeto pastoral. De um lado, o oligopólio midiático, que defende o agronegócio, as grandes empresas e o ilegítimo governo Temer, e de outro a mídia alternativa, valorizando os saberes populares, a economia solidária, se colocando contra as Reformas Trabalhista e Previdenciária, entre outros.

Mas para isso é preciso saber usar os meios de comunicação que temos ao nosso dispor, como as 95 rádios comunitárias em Mato Grosso, além de sites, blogs, grupos de Whatsapp, páginas de Facebook, jornais, revistas de sindicados, ongs, associações de moradores, coletivos populares e pastorais sociais. “Hoje temos um grande volume de informações circulando pela rede, mas não adianta nada se não soubermos definir objetivos e organizar os dados”, falou Ana Paula, que apresentou um projeto de comunicação para o Regional O2. A iniciativa inclui formação teórica e capacitação prática para a produção de mídia popular.

Uma experiência de comunicação destacada na fila do povo foi a organização da Diocese de Barra do Garças para impedir a construção de uma usina hidrelétrica no rio Garças. A informação estava sendo escondida da população pelo governo e empresários, mas logo que souberam criaram um grupo no Whatsapp, articularam-se com as comunidades, fizeram abaixo-assinado, manifestação de rua, ocuparam espaço nas TVs, participaram das audiências públicas e paralisaram o processo. “Foi tudo muito rápido, e só funcionou porque soubemos usar os meios que estavam nas nossas mãos. Desse modo evitamos a degradação do meio ambiente, o prejuízo às populações indígenas e ao povo como um todo”, expôs Deusdet Gomes, ecologista e um dos membros das CEBs que esteve à frente da mobilização.

Gibran Lachowski e Ana Paula Carnahiba

 

Confira abaixo a galeria de fotos do encontro:

 

1 Comment

  • Osmar

    Muito bom, agradeço a Deus pela oportunidade, parabenizo a organização do encontro; Quanto aos temas, atuais e oportuno; Os assessores muito inteirados e esclarecedores de seus temas.

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