Necessidade de explicitar sempre o núcleo central da fé cristã

Há muitas maneiras de explicitar o núcleo central da fé cristã. De qualquer modo, é necessário considerar que a vida cristã só pode ser concretizada de forma coletiva. Em outras palavras, a experiência cristã exige a inserção do cristão em uma comunidade de fé e partilha de vida:

  • Comunidade inquieta, serena e profética, formada por pessoas animadas pela fé no Deus da vida, em contínuo processo de conversão e desafiada pelo horizonte esperançado do Evangelho do Reino;
  • Comunidade que procura concretizar convivência social pautada pelo cultivo da intimidade filial com Deus e sua Palavra e, consequentemente, pela prática da acolhida fraterna, da justiça inclusiva, do amor ao próximo, da misericórdia e cuidado, solícito e primeiro, para com os famintos, os doentes, os estrangeiros, os órfãos, as viúvas, os mais pobres e vulneráveis que se encontram excluídos da mesa da dignidade;
  • Comunidade que discerne e pratica o culto agradável a Deus: o cultivo do amor-cuidado-doação-partilha, que se faz ação transformadora e restauradora da dignidade dos filhos e filhas de Deus.

Necessidade de cuidar da conversão a Deus e aos irmãos

No contexto atual, predomina uma espécie de cristianismo convencional, ritualístico e, infelizmente, divorciado da vida concreta em sociedade. Um cristianismo sem inquietude serena e profética e sem impulso transformador da sociedade onde é anunciado e testemunhado.

Muitos cristãos não se sentem Igreja Viva, Corpo de Jesus Cristo no tempo que se chama hoje, e vivem a sua fé sem grandes vínculos ou exigências e em uma triste zona de conforto, mesmo quando afirmam confessar a fé no Deus Pai criador, cujo projeto salvífico foi revelado pela vida do Filho Jesus, fiel ao Reino até as últimas consequências na cruz, e que deu a sua vida para concretizar o amor incondicional de Deus por nós e nos salvar, e pela força animadora e encorajante do Espírito Santo, Deus em nós.

A grosso modo, diária e ortodoxamente, com toda piedade, tais cristãos fazem o sinal da cruz; rezam a oração do Pai Nosso e da Ave Maria; frequentam o templo cristão; participam da missa e celebram os demais sacramentos da fé, mas o fazem de um modo que parecem ter perdido o poder de tornar presente a memória perigosa de Jesus e transformar a realidade social; cultivam, além disso, a devoção a Nossa Senhora e aos santos e santas…

Cristãos que parecem movidos por uma mentalidade religiosa exclusivamente vertical, sem a necessária horizontalidade da práxis da justiça e do amor fraterno. Forjam cotidianamente um cristianismo sem mudança de vida e profundamente contraditório em relação aos princípios que nortearam a vida de Jesus de Nazaré. Cumprem a exterioridade de preceitos e normas religiosas com o objetivo transcendente e esperançado de que, por este sacrifício ritualístico, após a morte, Deus os livre da condenação ao inferno e conceda a eles um lugar no paraíso.

Necessidade de voltar às fontes e recuperar o sentido de seguir Jesus

Quando percebemos estar perdidos, o melhor a fazer é voltar às origens e retomar o caminho primeiro. Na tradição das primeiras comunidades cristãs, alicerçou-se uma certeza: nunca estamos sozinhos, pois quando dois ou mais se reúnem em nome de Deus, descobrimos o Emanuel presente, um Deus estradeiro conosco e que, com seu amor benevolente sempre em ato, nos sustenta na caminhada rumo a pátria definitiva.

A experiência da proximidade amorosa de Deus suscita uma espiritualidade libertadora e uma mística que nos sustenta na caminhada e cria horizonte de sentido para o viver e o conviver. A experiência do projeto salvífico de Deus provoca a formação de comunidades cristãs, com fiéis que são marcados pela inquietude serena e profética desta espiritualidade cristã. Serena porque fundada na certeza de vivermos confiantes na presença do Deus sempre conosco. Profética porque nos provoca, desborda e convoca ao compromisso com a justiça do Reino de Deus e a transformação da sociedade.

A Palavra de Deus foi consignada na Bíblia para iluminar e, ao provocar o discernimento, guiar nossos passos no caminho do amor, da justiça e da paz. Ela é a baliza dos cristãos. Daí a importância do cultivo de intimidade com Deus e com a sua Palavra. Os “Círculos Bíblicos” foram criados para ajudar no cultivo de tripla intimidade: com Deus Pai-Filho-Espírito Santo, com a sua Palavra para nós e com os irmãos e as irmãs do caminho, em pequenos grupos de partilha de fé e luta em defesa da dignidade da vida. Tal cultivo faz brotar criativa inquietude que move a comunidade cristã por um sentimento de urgência e de presteza na busca de resposta aos desafios da vida. Daí surgem pastorais sociais, movimentos e grupos populares de defesa da dignidade da vida.

Neste sentido, as comunidades cristãs tornam-se fermento de uma outra sociedade possível e de uma nova humanidade marcada pela igual dignidade dos filhos e filhas de Deus. E os cristãos sentem-se interpelados a dar as mãos aos não cristãos para juntos cuidarmos da beleza da vida e da nossa Casa comum.

 

Prof. Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães

Teólogo leigo, membro do Conselho Arquediocesano de Pastoral e

secretário Executivo do Observatório da Evangelizaçã