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Lamento – homenagem aos 270 mortos de Brumadinho

Paulo Barausse é padre jesuíta e diretor do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – Sares)

Igreja Traspontina – 26/10/19.

Padre Paulo Barausse participou da tenda “Amazônia: Nossa Casa Comum”, com atividades complementares à programação oficial do Sínodo da Pan-Amazônia, em Roma. Confira o relato do dia 26 (sábado).

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Um dos momentos marcantes da tenda “Amazônia: Casa Comum”, foi o lamento referente à tragédia da mineradora Vale em Brumadinho (MG), em que 270 pessoas morreram e 18 ficaram desaparecidas. A Igreja Traspontina, em Roma, acolheu um grande número de pessoas: padres sinodais, auditores (as), peritos (as) e jornalistas de diversas partes do mundo. Em meio à luta de familiares por justiça, fez-se memória no dia 26 (sábado) às pessoas mortas durante a programação complementar ao Sínodo da Pan-Amazônia.

O momento foi de anúncio e denúncia. Monsenhor Bruno de Duffè usou palavras proféticas: “A Igreja tem o dever de denunciar um desenvolvimento que mata, que mata a terra, as pessoas, e anunciar que também temos uma esperança mais forte que a morte”.  

Na mesma igreja onde ocorreu o tributo, uma exposição apresentou fotos e relatos de comunidades que sofreram impactos da mineração em países amazônicos.

A ativista Corolina de Moura afirmou: “Estamos aqui para denunciar o crime cometido pela Vale e a empresa alemã Tüv Süd, que deu um atestado falso sobre a barragem. A Vale sabia que havia irregularidades e mesmo assim permitiu que o refeitório dos(as) funcionários(as) permanecesse naquele local. Por isso que morreu tanta gente. Os(As) trabalhadores(as) estavam na hora do almoço fazendo sua refeição. Foram tragados pela imensidão de lama que foi devorando tudo que encontrava pela frente. O que mais nos deixa indignadas é que depois de 4 anos, em meio a tanta dor e sofrimento em Mariana (MG), a Samarco ganha licença para retomar as atividades”.

 

A procura continua

Em Brumadinho, por sua vez, continuam as buscas por 18 corpos ainda não localizados. “São 275 dias do pior crime da mineração, e nenhum culpado na prisão. Lutaremos por justiça até o fim”, afirmou Josiane Melo, uma das fundadoras da Associação dos Familiares de Vítimas de Brumadinho (Avrum).

O grupo que veio do Brasil percorrerá ao todo sete países. Eles já estiveram na Alemanha, onde a empresa TÜV Süd, que emitiu o certificado de segurança da estrutura que rompeu, é sediada. Em Munique, os familiares apresentaram uma denúncia contra a companhia alemã e um diretor da empresa no país, sob acusações de homicídio culposo, negligência e corrupção.

 

Denúncia e anúncio

Dom Bruno  de Duffè, secretário do Dicastério pelo Serviço Humano e Integral, confortando Carolina.

Monsenhor Bruno de Duffè partilhou com os presentes, na Igreja Transpontina, seus sentimentos depois da visita que realizou a Brumadinho: “Quero dizer que em Brumadinho encontrei o Cristo Crucificado. Quando fomos juntos na pequena igreja de Brumadinho, foi um momento de compartilhar a dor de um povo, de uma comunidade, que em seu coração, na sua carne, no seu corpo carrega a ferida de Cristo”.

E continuou: “Entendi que a missão, nossa missão, a missão da Igreja, a missão do Dicastério para o Desenvolvimento Humano e Integral, a missão do papa, da Igreja, é denunciar e anunciar. Denunciar um desenvolvimento que mata, que mata a terra, as pessoas, e anunciar que também temos uma esperança mais forte que a morte. Que apesar de tudo, existe uma liberdade, uma capacidade de caminhar e abrir um futuro que tem o dever de proteger a vida. Eu quero dizer que para mim existe um novo tempo depois de Brumadinho. Quero afirmar que não podemos continuar a pensar a missão sem Brumadinho”.

 

Monsenhor Bruno destacou que necessitamos da reconciliação, do perdão, porém continuamos com a missão profética de denunciar o que mata e anunciar o que defende a vida. Isto deve ser o centro da nossa missão

 

Ele disse que temos que lembrar de todos e todas que estão em Brumadinho, pois estão em nossa memória. Afinal, estamos andando com eles, com elas, e temos que escrever um nova história. E lembrou que o papa escreveu em janeiro deste ano e no sábado (26) que não há paz sem uma reconciliação com a Terra, com os outros e com nós mesmos.

Monsenhor Bruno enfatizou que necessitamos da reconciliação de perdão, porém continuamos com a missão profética, que é denunciar o que mata e anunciar o que defende a vida. E é isto que deve ser o centro da nossa missão. O significado do Sínodo da Pan-Amazônia é, então: continuar a caminhar juntos. “Não é possível, para mim, pensar a missão, pensar o desenvolvimento humano e integral, sem Brumadinho”, disse.

Emocionada, Marcela Rodrigues expressou seu lamento:  “Estamos lutando para que o que aconteceu em Brumadinho não se repita, para que não existam mais essas mortes desnecessárias”. A jovem, que perdeu o pai Denílson na tragédia, conta que muitos sobreviventes e pessoas no município estão enfrentando problemas psicológicos.

No final da homenagem foi cantado o lamento. Deu para perceber que a letra e a poesia da música tocaram o coração das pessoas que estavam presentes. Alguns chegaram a chorar.

 

Lamento

Dom Vicente Ferreira – Bispo Auxiliar de Belo Horizonte

 Bruma
Orvalho da manhã tão pura
Brisa mansa, ternura
No vale bom de viver

Vem, sol
Feliz, vem lumiar
Minas que banha o mar
De água doce e prazer

Bruma
De brumadinho
Se foi embora
Seu povo chora
Dor que dói demais

Cada olhar é lágrima
Nuvem que pesa
Mas a gente reza
Implorando paz

Deus Pai
Que tudo tão lindo fez
Por quê a insensatez
Destrói a vida sagrada?

Valei
Senhor, de tudo que existe
Se o Vale da morte insiste
Vale não vale nada

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