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Mártires de La Rioja serão beatificados hoje: 27 de abril de 2019. Dia que a Igreja escolheu para beatificar vítimas da ditadura Argentina

A beatificação dos mártires de Rioja, Enrique Angelelli, Wenceslao Pedernera, Carlos de Dios Murias e Gabriel Longueville, diz-nos que na Argentina – em sua história recente – também se derramou sementes de cristãos. Nós sabemos como Deus é generoso quando  espalha sua semente: não somente a lança em terra fértil, mas entre pedras, espinhos e até mesmo na beira do caminho. 

Neste dia 27 de abril de 2019 serão beatificados em La Rioja,  Argentina, quatro mártires da década de 70: um bispo, dois sacerdotes e um leigo. Em preparaçãoà celebração, foram inauguradas na Praça 25 de maio, espaços temáticps que receberam a benção do bispo diocesano, Dom Dante Braida. Ele estava acompanhado por representantes da “Comisión de Espacios Plurales de Celebraciones y Encuentros”, responsáveis pela organização.

Trata-se de quatro grandes tendas com os nomes de cada um dos mártires riojanos: o bispo Dom Angelelli, padre Carlos de Dios Murias, padre Gabriel Longueville e o leigo Wenceslao Pedernera, que buscam refletir sobre suas vidas e ação pastoral no contexto social e político do ano de 1976.

Em vista das beatificações, o Padre Quique Bianchi, da Diocese de San Nicolás,  publicou o seguinte artigo no blog “Vivamos juntos la fe”:

“Jesus Cristo é o mártir por excelência. Ele veio como testemunha do amor misericordioso de Deus e, em humilde submissão à vontade do Pai, sustentou seu testemunho até o doloroso resultado na cruz. Com sua paixão e morte, ele oferece sua vida como um sacrifício redentor para reconciliar a humanidade com Deus. Para nós, através do batismo, que nos pertencer a Cristo, nos é dada a graça de compartilhar os frutos desse sacrifício sem qualquer sofrimento de nossa parte.

Os cristãos são chamados a ser “testemunhas” desta salvação (do grego, μάρτυρες, mártires.):  “Receberão a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas” (Atos 1, 8). O que é característico da palavra testemunho é que ela não é oferecida como um sistema de ideias, cujas afirmações são baseadas em evidências externas para a pessoa que as profere. Pelo contrário, um testemunho se apresenta como crível, somente se a pessoa que o sustenta o é. Por isso, ser testemunhas de Cristo não é algo que pode ser sustentado somente com os lábios. O testemunho deve envolver toda a vida.  Os primeiros cristãos entenderam logo isto, quando perceberam que o pedido de Jesus para ser suas testemunhas tinha a ver com compartilhar seus sofrimentos, incluindo a morte. Tanto que – desde o testemunho do sangue de Estêvão – chamaram de mártir (testemunha) por excelência ao que morria para defender a sua fé (cf. At 22, 20).

Os mártires sempre foram fonte de graça na vida da Igreja. Que existam cristãos capazes de encarnar o Evangelho de tal maneira – que colocam o amor de Cristo antes de sua própria subsistência – é uma poderosa força de inspiração. Suas vidas oferecidas são uma espécie de “prova” da plenitude oferecida pela fé cristã. Deste modo, o sangue dos mártires, misturado com o sangue de Cristo, desperta nossa fé, credibiliza a Boa Nova que trouxe Jesus e que a Igreja transmite. Disto a feliz sentença de Tertuliano: “Sangue dos mártires, semente dos cristãos”.

A beatificação dos mártires de Rioja, Enrique Angelelli, Wenceslao Pedernera, Carlos de Dios Murias e Gabriel Longueville, diz-nos que na Argentina – em sua história recente – também se derramou sementes de cristãos. Nós sabemos como Deus é generoso quando  espalha sua semente: não somente a lança em terra fértil, mas entre pedras, espinhos e até mesmo na beira do caminho. Mas também sabemos que esta semente espera um bom solo para mostrar sua fertilidade. São muitos os que trabalham com entusiasmo para fazer germinar a memória desses mártires na vida da Igreja Argentina. Mas também devemos reconhecer que a frieza de alguns setores diante da iminente beatificação, sugere que ainda há muito terreno a ser preparado para obter o fruto dessa sementeira divina.

Talvez este silêncio tenha a ver com o que os mártires de La Rioja nos obrigam a falar sobre o que não se fala. Como quando em uma família há um problema doloroso que todo mundo tem presente e ninguém quer revolver. A dificuldade de falar destes mártires parece estar relacionada com a profundidade da ferida deixada na sociedade Argentina pela violência política e terrorismo de Estado dos anos 70. Ainda hoje, é difícil falar serena e sinceramente da responsabilidade da Igreja naqueles anos sombrios. Este silêncio faz, por exemplo, que em alguns ambientes ainda siga vivo o mito de uma “Angelelli comunista” e não consegue evitá-lo, nem o fato de que não tenham surgido evidência de seu suposto apoio a grupos violentos, nem o fato de que a justiça sentenciou que foi assassinado em um ato de terrorismo de Estado, nem – o que é mais grave, em se tratando de gente de Igreja – o fato de que a Congregação para as Causas dos Santos levou adiante um processo de beatificação, confirmado pelo Sumo Pontífice.

Também pode-se pensar que os mártires de La Rioja não só nos mostram que a ferida não se fecha, mas revelam também nossa incapacidade de rever nossas posições. Se ninguém está disposto a reconhecer que sua perspectiva precisa ser complementada com outra perspectiva, qualquer tentativa de diálogo ou qualquer nova pesquisa histórica  torna-se supérflua. O pior é que essa falta de atitude crítica nos deixa indefesos diante das forças que buscam polarizar a sociedade para dominá-la (polarização que parece ser um fenômeno comum em muitas sociedades modernas). A sabedoria popular conhece esse perigo, tanto que canonizou a sentença de Martín Fierro que adverte isso: “Que os irmãos sejam unidos porque essa é a primeira lei. Tenham uma união verdadeira em qualquer tempo que seja, porque se lutarem entre eles, serão devorados pelos de fora.”

No último Concílio, a Igreja definiu a si mesma como signo e instrumento da unidade da raça humana (cf. LG 1). Se a semente dos mártires tem o força do evento redentor de Cristo, por que não confiar que seja capaz de aproximar posições na Igreja e que isso tenha um efeito difuso sobre a sociedade como um todo? Por que não sonhar que o sangue dos mártires riojanos se torne uma semente de unidade para os argentinos?

Nos mártires de La Rioja, temos novos intercessores. Peçamos a eles, como Igreja, que obtenham de Deus para nós a graça de ser terreno fértil para sua semente. Que seu sangue derramado seja uma sementeira de amor e unidade para o povo argentino. Por trás de cada martírio há um ódio homicida, mas isso não pode ser o que domina a cena. Nosso povo está bastante ferido com a semeadura de ódio daqueles que procuram dividi-lo. A Igreja quando lê a Paixão, coloca o foco sobre o amor superabundante de Cristo, não no rancor de seus algozes (Hans U. von Balthasar diz que “a ‘traição’ dos homens não pode ser em todo este acontecimento acontecer, senão um fator segunda ordem”, Mysterium salutis III, 720).

Nesta semeadura, o amor dos mártires deve brilhar de um modo que misericordiosamente que envolva misericordiosamente  o pecado de suas mortes. Sirva como inspiração a atitude de outro bispo da época – que talvez com o tempo seja reconhecido como mártir -, Carlos H. Ponce de Leon, que enquanto as autoridades militares se referiam a ele em relatórios de inteligência como alguém de “atividades subversivas” que dirigia ” forças alistadas substancialmente nas fileiras do inimigo “(sic), declarava em seu testamento:” não ter inimigos, não guardar rancor ou odiar pessoa alguma; se ofendi alguém, peço perdão e se alguém se considera um devedor, fica perdoado “. Igualmente permeada de Evangelho são as palavras se Wenceslao Pedernera em sua agonia, dirigidas a sua filha: “perdoem e não guardem rancor, não odeiem, eu os perdoo.

Fonte: Vaticano News

Para conhecer a história veja também:

http://cebsdobrasil.com.br/2019/04/14/biografia-del-martirio-riojano1/

 

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