Shadow

NATAL: UM PRESENTE DE DEUS À HUMANIDADE

Por ANTONIO SALUSTIANO FILHO*

Em outro artigo sobre esses tempos natalinos, entre outras coisas, escrevi que “o Natal virou uma festa profana das compensações inconscientes daqueles que durante o ano todo estão ausentes da vida das pessoas que fazem parte do seu círculo de amizade e parentesco”. Fizemos críticas à orgia da gastança com presentes e mais presentes àquele(a)s a quem queremos compensar pela falta de afetividade com que lhes tratamos o ano inteiro.

Fizemos alguns comentários sobre os milhões de famélicos que estão por aí e são produtos do sistema que ajudamos a manter. Gente que na noite do Natal passa fome, ou come miseravelmente graças às esmolas que damos por desencargo da consciência.

Não que seja sempre assim com a totalidade das pessoas, mas, com a maioria, isso acontece. E nisso também me incluo, não sou, como diz o dito popular, “o macaco que senta sobre o rabo e fica olhando os rabos dos outros”.

Não há nada de errado em dar ou receber presentes. Aliás, faz muito bem a troca de presentes. Os gestos de dar e receber presentes são próprios da tradição dos povos antigos e, na tradição cristã, Natal é o tempo propício para intercâmbio de presentes.

Lembremos que no Presépio os três Reis Magos ao visitarem o Jesus-Menino ofereceram-lhe, segundo a tradição do seu tempo, ouro, incenso e mirra. Naqueles tempos se reverenciava a pessoa visitada com a presença do visitante, em primeiro lugar, e com os presentes que proporcionassem alegria ao visitado. O presente era o gesto simbólico daquele momento de felicidade provocado pelo encontro; o gesto supremo, o coroamento da afetividade devotada ao presenteado. Um sinal, sacramento ou símbolo da amizade.

Os Reis Magos, pessoas de outros países e nações distantes da Palestina de Jesus, esperavam pelo Messias que pela tradição bíblica fora prometido ao povo judeu. Quando o tempo da promessa se esgotou, uma estrela apareceu lá pelas bandas do Oriente e anunciou a chegada do Menino-Deus. Esperar alguém prometido, e os Reis Magos também esperava por Jesus, é sentir saudade desse alguém da promessa, desejar que o tempo se esgote e o esperado chegue, e o encontro se concretize. Quem assim age, mesmo distante, está na presença do outro na saudade sentida, no desejo do encontro que vem. Então aqueles presentes, ouro incenso e mirra, além dos seus valores simbólicos, encerravam a alegria do encontro entre Deus, representado pelo Menino-Jesus e às Nações estrangeiras, representa pelos Sábios do Oriente. Uma quebra do monopólio divino pelo povo judeu. O Deus representado por Jesus não é mais exclusividade de um povo, mas um Deus de todas as nações!

Os Reis Magos vieram adorar o Menino Jesus. O ato de adorar é uma atitude composta por muitos outros sentimentos, amor, cuidado, respeito, reverência, esperança e fé num Salvador do mundo e da humanidade.

É muito comum quando nasce uma criança, e ao visitá-la, levarmos um presente. Tal presente é sinal da nossa gratidão por aquela vida que acaba de vir ao mundo e traz consigo uma miríade de possibilidades positivas. A vida que nasce é uma promessa em potencial!

Também é muito comum quando vamos visitar parentes e amigos levarmos presentes como sinal da nossa amizade e do nosso desejo de proporcionar alegria àquela pessoa querida. Isso também acontece quando alguém se casa ou faz aniversário. O presente (bem material) quer simbolizar, e significa, que estivemos presentes (presença afetiva) naquele momento feliz da(s) pessoa(s) presenteada(s). E estar presente num momento feliz de alguém é sinal de que estivemos presentes o tempo todo (mesmo que ausente fisicamente) na vida dela. Pelos menos deveria ser assim.
Porém, no Natal de nossos tempos não é essa lógica que prevalece. Muitas vezes damos presentes para compensar um vazio que existe entre nós e os presenteados. A ausência entre um e outro gerou a necessidade da compensação propagada pelo propaganda comercial. E essa ausência não é aquela provocada pela distância (um está aqui e o outro num lugar distante que, por circunstâncias da vida, não podemos nos encontrar cotidianamente). Falamos da ausência causada pela indiferença, provocada pelo individualismo, esse sentimento solitário que nos isola do grupo social em que vivemos e nos leva ao egoísmo de achar que somos, cada um na sua individualidade, “único” no universo. Isso nos faz indiferentes aos semelhantes e, na maioria das vezes, aos mais próximos de nosso convívio.

Falta afetividade no nosso convívio com os mais próximos e muito mais com os que estão distantes. E falta-nos saudades (vontade de estar com o outro) daqueles que estão perto e distante. Aí quando chega o Natal que traz essa atmosfera do maior presente dado por Deus à humanidade – ao fazer-se um de nós para nos revelar que o humano é lugar de Deus – e somos ideologicamente levados pela publicidade da sociedade de consumo a dar presentes àquele(a)s que achamos que “amamos” (quando na verdade não amamos porque somos indiferentes à existência dessas pessoas supostamente amadas).

Amar é muito mais que viver sobre o mesmo teto como pai, mãe, filho(a)s e outros graus parentescos ou de afinidades. Amar é antes de tudo devotar ao ser amado afetividade com tudo que esta palavra encerra. Amar não é um sentimento abstrato, mas uma conduta com gestos concretos de carinho, cuidado, respeito e aceitação. Aceitação porque muitas vezes aqueles que amamos são diferentes.

O maior exemplo de amor não é outro senão aquele de Deus que amou o mundo de tal maneira que deu a si mesmo de presente na Pessoa do Filho, Jesus Cristo, ao objeto amado: o ser humano. Natal é este ato subversivo de Deus: se fazer um de nós, humano. Portanto, Natal não é essa parafernália colorida com decoração dos Shoppings Centers, das avenidas e praças de nossas cidades dando um aspecto multicor a uma realidade sombria e desbotada porque muitas vezes carente da coloração do amor. As luzes coloridas são para encantar o sentido desfigurado da Festa da Natividade. O mundo da publicidade e do marketing comercial faz do Natal uma festa do mercado em que papai Noel foi posto no lugar do Jesus. E dane-se os pobres empobrecidos que não podem festejar nessa orgia do mercado.

Natal não é somente tempo dar presentes num momento festivo provido pelo afã do comércio que cada ano quer superar o número de vendas e faturamentos do ano anterior, promovendo a festa da gastança com as compras de tantas futilidades criadas e lançadas e vendidas como sinônimos de felicidade. Natal é tempo do endividamento, tudo comparado em longas e suaves prestações.
Assumimos o compromisso financeiro de pagar nossas dívidas contraídas em nome do gesto superficial de compensação. Só não assumimos o compromisso de fé e devoção com Deus para resgatar sua humanidade manifesta em Jesus de Nazaré e perdida numa religiosidade deturpada pelas religiões ao longo da aventura cristã, nesse mais de dois mil anos.

Natal não é tempo de engorda (não somos porcos que comemos para engordar), e sim um Tempo especial para festejar aquilo fomos o ano inteiro: um presente para o mundo, imitando o Aniversariante, Jesus de Nazaré, que se deu como presente de Deus ao mundo. Ou tempo de meditar sobre o que não fomos e nos reinventar na proposta de Deus trazida ao mundo por Jesus, Deus-Menino.

E olha que o mundo não é só a humanidade, mas todo o Planeta. Então, o melhor presente é dar-se ao mundo como dádiva de Deus começando por dar a si próprio à família, aos amigos, aos vizinhos, aos colegas de trabalho e de estudo e de convivência social, à sociedade, à humanidade, ao Planeta e, especialmente, ao Espírito Criador como coroação do ato de dar-se por inteiro como presente o tempo todo. Isto é, encher-se de Deus, Jesus Cristo nascendo em nós e nós nascendo para o mundo.

Se assim nos comportamos não teremos nascidos em vão porque Jesus, nascido em Belém, nasceu também em nossos corações. Feliz Natal! Somos presentes de Deus ao mundo.

*ANTONIO SALUSTIANO FILHO, militante das CEBs do Regional Sul-1 e dos movimentos sociais libertários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.