O mundo em que vivemos passou por profundas transformações e mudou a nossa percepção dele e, sobretudo, o nosso jeito de viver e conviver. Nossa convivência é marcada pela presença da tecnologia: estamos cada vez mais conectados e nos comunicando através da internet e da telefonia em nossos smartphones e computadores. O acelerado processo de urbanização e as novas tecnologias de transporte e de comunicação digital e virtual tornaram a experiência do pluralismo cultural, moral e religioso uma realidade cotidiana e incontornável praticamente em todos os continentes de nosso Planeta Azul.

Hoje é quase impossível, como pessoa ou grupo, manter-se em situação de isolamento, sem contato físico ou virtual com os outros, cultural, moral ou religiosamente diferentes. Sim, é verdade que ainda há muitos muros e divisões, mas também encontramos cada vez mais pontes ou rotas que favorecem a aproximação e a relação direta com o outro seja para comércio e turismo, seja para os diversos intercâmbios: cultural, religioso, intelectual e tecnológico.

Há diversos níveis de pluralismo cultural, moral e religioso. Esses níveis se manifestam pela singularidade das pessoas, famílias, grupos de pertença, etnias, culturas e tradições religiosas. No âmbito do fenômeno religioso, há o pluralismo de religiões, de Igrejas e de mentalidades religiosas no interior de cada grupo religioso. Há também quem viva a sua religiosidade, espiritualidade e fé de forma total ou parcialmente desinstitucionalizada (sem vínculos  com qualquer instituição religiosa) ou “desigrejada” (sem vínculos eclesiais).

As pessoas experimentam intenso desejo de ser o sujeito de sua própria história, de determinar o caminho a seguir e o jeito de viver, de participar dos processos decisivos que lhe envolvam ou dos quais estão envolvidos, e de ser acolhidas em sua singularidade. As tradições valem a medida que são avaliadas, por cada um, como significativas, atrativas, benfazejas e úteis para a nossa vida, para o bem viver e conviver.

Todas essas transformações se mostram incapazes de superar a lógica perversa da concentração de renda a gerar abissais desigualdades socioeconômicas. Outra realidade que insiste a permanecer e a crescer entre nós é a da violência que atinge, em muitos lugares, índices alarmantes e insuportáveis.

Estamos em uma nova etapa na história da humanidade. Quando constatamos o teor e a profundidade das mudanças que vivenciamos nos últimos tempos, nós enquanto Igreja percebemos novos desafios e urgências e a necessidade premente de buscar respostas novas.

O desafio de uma educação para o pluralismo.

O mundo em que vivemos está a exigir de todas as instituições comprometidas com os processos educativos um repensar de suas práticas. Não dá mais para educar para se viver em um contexto padronizado cultural, moral e religioso. Ao contrário, é urgente refletir e ressignificar conceitos que não favorecem a construção da cultura da paz entre as pessoas, entre os grupos diversos, entre os distintos países com suas culturas e tradições morais e religiosas.

Hoje falamos de “aldeia global” para expressar o encurtamento de distâncias e a quase impossibilidade de isolamento ou anonimato. Urge, portanto, desenvolvermos uma pedagogia para a convivência em contexto de pluralismo. Precisamos aprender a se aproximar do outro, do diferente, sem o considerar um inimigo ou uma ameaça. Somos chamados a aprender a acolher o outro, o diferente, a partir de uma lógica hospitaleira e fraterna, com postura de abertura aprendiz e dialógica. O pressuposto tem que ser o da possibilidade de enriquecimento humano, cultural, moral e religioso, e não o de um ameaça, fonte de insegurança ou de relativismo.

A unidade da comunidade humana não será uniforme, nem na sociedade, nem no grupo de pertença, nem na religião. Apesar de estarmos ainda longe deste reconhecimento, somos todos iguais em dignidade, como também singulares e diferentes pela história de vida, contexto sociocultural, econômico, político e religioso. Os pactos sociais serão realidades celebradas entre pessoas e grupos conscientes da diversidade em múltiplos sentidos. E por isso exigirão que seja sempre refletidos, avaliados e renovados. Com esta consciência e realidade social, precisaremos, cada vez mais, de investir na cultura do diálogo fraterno, do respeito e reconhecimento mútuos e da busca de consensos éticos mínimos e universalizáveis. Teremos cada vez mais necessidade de rodas de conversa, amplos debates, cuidado com as garantias de justiça inclusiva e de processos participativos.

O desafio da superação das identidades fechadas e monolíticas

Para que a convivência pacífica e fraterna seja possível, precisamos repensar nossa compreensão de identidade. Se é verdade que o diálogo fraterno e aprendiz exige clareza da própria identidade entre as partes e abertura para reconhecer a igual dignidade e direito do outro, também é verdade que as identidades não podem mais ser tribais, ou seja, fechadas, acabadas, monolíticas e imutáveis.

Quando alguém tem a pretensão de possuir ou de ser portador de toda a verdade e, portanto, de apenas ensinar, o diálogo fica impossibilitado, pois, não há abertura ou escuta recíproca, respeito mútuo e reconhecimento da igual dignidade e direito entre as partes distintas.  As identidades podem, assim, se tornar assassinas, no sentido de procurar eliminar o direito à diferença.

Não dá mais para conservar que a saída esteja no cada qual permanecer em seu quadrado, pois, as sociedades contemporâneas inviabilizam, como já dissemos, o isolamento e o ignorar o outro presente no mesmo espaço de convivência: casa, rua, bairro, escola, empresa, clube, centro comercial… Se olharmos mais de perto, perceberemos que o pluralismo está no interior de cada família ou religião, por causa da diversidade de mentalidades de pessoas que se assumem como sujeitos do próprio caminhar.

O desafio da superação dos imperialismos ou fundamentalismos culturais, morais e religiosos

Não dá para continuarmos com as diversas lógicas de imposição. Cada vez mais cedo, as pessoas se tornam ciosas de sua autonomia e do direito à autodeterminação. Somos, por isso, chamados a lutar contra toda forma de violência ou discriminação e apostar no cultivo de posturas de tolerância respeito mútuo, reconhecimento da autonomia e, sobretudo, na força criativa que brota do diálogo fraterno aprendiz e do discernimento crítico e autocrítico para a construção de uma outra sociedade possível, sem a violência da exclusão e da perseguição às minorias.

No caso das religiões, urge superarmos as diversas táticas de proselitismo ou de apologética. Que os membros de cada tradição religiosa aprendam a cultivar o senso do respeito ao coletivo e ao contexto de pluralismo cultural, moral e religioso, sem privilégios e benefícios para uns e exclusões e limites impostos para outros.

Como se pode notar, temos um longo caminho pela frente, pois, temos muito que aprender. Que cultivemos postura de humildade aprendiz, com tradições conscientes de seus limites, parcialidades e incompletudes, com identidades abertas, inacabadas e sempre em processo de crescimento e aperfeiçoamento cultural, moral e religioso, comprometidas com a construção da cultura da paz e da sociedade justa, fraterna e solidária.

  • E você, o que pensa dos desafios e urgências de nosso tempo?
  • Está esperançado quanto aos rumos que estamos tomando enquanto sociedade e quanto ao futuro que estamos construindo?
  • Como será a vivência da religião em contexto de crescente pluralismo religioso?
  • O que você acrescentaria a esta reflexão?Fonte: www.observatoriodaevangelização.wordpress.com

*Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães é mineiro de Tombos, teólogo leigo, doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Ele é membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER), do Conselho Arquidiocesano de Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte e o atual secretário executivo do Observatório da Evangelização.