Na Igreja acentua-se a importância da tradição, e isso com toda razão. Na sociedade atual, porém, a tradição é cada vez menos vista como valor.

Com efeito, vivemos numa época marcada por rápida aceleração da evolução social. Em 80 anos, a cosmovisão das pessoas, a maneira pela qual vivem e se situam neste mundo, mudou muito mais do que nos 350 anos anteriores. Essa aceleração da mudança social não terminou ainda. A sociedade como um todo continua se transformando numa velocidade que assusta a muitos.

Verifica-se também, como consequência dessa dinâmica, a mudança cada vez mais acentuada do modo de pensar e de agir das pessoas, das suas atitudes e reações.

Com essa problemática a Igreja é confrontada. Ela, além disso, encontra-se numa situação que jamais enfrentou nos séculos passados: há cada vez mais pessoas que já não valorizam a tradição da qual é portadora, aquilo que durante séculos era o grande ideal dessa instituição.

A realidade das pessoas de hoje é marcada pela mobilidade, pela competição e pela exigência de eficiência total. Com base em tais critérios, o homem do século XXI deve responder de maneira flexível a sempre novos desafios. Como resultado, aprendeu a assumir atitudes de autonomia cada vez mais acentuadas. É essa autonomia que o qualifica para apropriar-se de perspectivas diferentes e de valores até agora desconsiderados.

O que não se aceita, porém, de acordo com essa mentalidade, são mecanismos autoritários de tutela. Em vez disso, exige-se responsabilidade, autonomia e capacidade de decidir. A autoridade, em geral, é exercida como autoridade situacional e muito menos como autoridade institucional.

Portanto, à medida que as pessoas assumem essas novas atitudes, elas passam a rejeitar, no mundo religioso, toda tentativa de manter um sistema que exija submissão e obediência em nome da autoridade. O homem das tecnometrópoles atuais não nega o valor da religião em si, mas rejeita, em escala crescente, toda instituição religiosa, na qual teme fazer experiências de submissão ou de falta de liberdade.

Com essa mudança de mentalidade a Igreja do século XXI confronta-se diretamente. Há cada vez mais pessoas que assumem a nova mentalidade do homem urbano. À medida que o nível de formação escolar e profissional do povo aumentar, crescerá o número de pessoas nessa situação. Com isso, porém, cresce também a atitude crítica e a exigência de autonomia.

A toda essa conjuntura se acrescenta ainda a participação de nova classe de mulheres. Elas são superqualificadas e conscientes do seu valor e das suas capacidades. A sua autoimagem em nada corresponde ao clichê tantas vezes evocado da mulher como a dona de casa. De fato, destacam-se no âmbito profissional, político e social, de maneira que a predominância tradicional do homem é gradativamente substituída por uma colaboração igualitária, baseada no coleguismo e no respeito mútuo.

O resultado de todas essas mudanças já se faz sentir — e no futuro, vai impor-se em escala ainda mais crescente.

 

1.1.           Hoje, nem homens nem mulheres têm de si mesmos a imagem de “leigos” ou “leigas”

Eles e elas em nada se consideram pessoas que não sabem, não entendem e, por causa disso, não têm nem voz nem vez. Como consequência dessa mudança, as mulheres e os homens das sociedades urbanas pós-industriais, também no ambiente eclesial, cada vez menos aceitam ser tratados como “ovelhas”.

Não sendo ovelhas e também não querendo ser ovelhas, rejeitam toda tentativa de mantê-los nessa condição, também no âmbito religioso, sobretudo quando a questão é a ética profissional, a política ou certos comportamentos no campo da moral sexual.

1.2.           A categoria de pessoas genericamente chamadas de “leigos e leigas” tende a desaparecer

Diante da nova situação, é urgente que na Igreja se forme a consciência de que a denominação genérica de “leigos e leigas”, usada para se referir a todos os fiéis não ordenados, já não corresponde à realidade. A comunidade da Igreja não é mais formada por dois grandes grupos: de um lado, os ordenados, que de antemão têm formação, sabedoria e direito de decidir; do outro, o povo, que não entende nada do assunto e, por causa disso, é denominado “leigo”. No contexto urbano de hoje, e mais ainda do futuro, os fiéis que frequentam nossas igrejas são, em escala cada vez maior, pessoas qualificadas e especializadas, seja pela sua formação escolar, seja pela experiência profissional. Essas pessoas sentem-se competentes, têm alta autoestima e se julgam capazes de juízo próprio e de autonomia. No meio profissional, essa mentalidade está sendo formada de maneira sistemática e acentuada.

A consequência de tudo isso é que, na atualidade, e muito mais ainda no futuro, já não podemos nos referir aos fiéis simplesmente em termos de pessoas leigas.

Devemos, antes, ver que a realidade é bem mais diversificada. No que diz respeito aos nossos fieis, é necessário distinguir pelo menos cinco categorias, cujas necessidades variam muito e cujas características são bem distintas.

Conscientizar-se dessas diferenças é essencial, para não desenvolver programas e planos pastorais que não correspondem aos verdadeiros desafios por não refletirem a realidade diversificada e conscientizada dos fiéis aos quais se dirigem.

1.3. As cinco categorias de fiéis com as quais a nossa evangelização está lidando

Analisando a estratificação acima mencionada, as cinco categorias aludidas se apresentam da seguinte maneira:

A. Duas categorias de “assustados”

— Primeira categoria: as OVELHAS, que querem obedecer.

— Segunda categoria: os CONSUMIDORES, para os quais a Igreja é prestadora de serviços.

 B. Três categorias de “emancipados”

— Terceira categoria: os EMANCIPADOS PROPRIAMENTE DITOS. Amam a Igreja, mas são autônomos, conscientes das suas capacidades, e querem assumir plena corresponsabilidade também dentro da sua Igreja.

— Quarta categoria: os DECEPCIONADOS. Fizeram experiências de tutela que os decepcionaram. Por causa disso, começam a emigrar silenciosamente da Igreja.

— Quinta categoria: os REVOLTADOS. Já não acreditam que a Igreja realmente queira mudar as suas atitudes autoritárias. Por causa disso, já emigraram e se engajam em outras atividades.

 

2. O novo desafio para a Igreja: emancipados que já não querem ser ovelhas e assustados que buscam desesperadamente manter o status de ovelhas

Nesse contexto, a Igreja é desafiada de maneira totalmente nova, pois conta com um contingente cada vez maior de integrantes adaptados à nova mentalidade da época pós-moderna. Estes se sentem emancipados,assumindo a nova autonomia do homem e da mulher urbana, e, em escala crescente, rejeitam ser tratados como súditos imaturos que devem curvar-se diante de uma autoridade religiosa. Eles e elas querem ser considerados sujeitos críticos, autônomos e inteligentes, capazes de discernir e opinar.

Tal é a nova situação que se apresenta para a Igreja. Diante desse quadro, é grande a tentação de desqualificar toda e qualquer nova mentalidade emergente, reputando-a “secularizada”, e dirigir a atenção primordialmente àqueles que ainda correspondem à imagem tradicional do “bom cristão” e da “boa cristã”. Trata-se das ovelhas mansas e obedientes que seguem sem hesitação o seu pastor.

Essas pessoas ainda existem e, hoje, formam até uma categoria especial dentro do processo da aceleração evolutiva. São aquelas que, de uma ou de outra maneira, se tornaram assustadas diante das mudanças em curso. Numa situação em que tudo muda, em que nada mais transmite segurança, os integrantes dessa categoria de fiéis buscam, desesperadamente, alguma segurança; eles buscam “ilhas do passado”, onde nada muda e nada mudou, mas tudo permaneceu como era na época dos pais ou dos avós.

Essa categoria dos assustados representa, em termos percentuais, uma parcela pequena da população urbana. Mas, em termos numéricos, é bastante grande para encher as nossas igrejas. É exatamente na Igreja que muitos assustados buscam abrigo contra a mudança social acelerada. Por isso fazem de tudo para que, pelo menos nela, nada mude; e, caso algo mude, eles às vezes chegam a reclamar de maneira agressiva, exigindo a volta à tradição. A Igreja torna-se, para os assustados, aquela “ilha do passado” que promete segurança num mundo onde nada mais parece seguro.

Eis agora o dilema da nossa Igreja: se ela quer realmente ser aquilo para o qual foi chamada — fermento num mundo a ser transformado conforme os critérios do reino de Deus —, não pode ficar parada. Não pode tornar-se “ilha do passado”. Ocorre que, quando ela rejeita ser essa ilha, os assustados reclamam em alta voz, exigindo a volta à religiosidade de outrora.

Se a Igreja cede a essa exigência, ela não cumpre a vocação formulada pelo seu Senhor, Jesus Cristo. Além disso, perde em escala cada vez maior os seus membros emancipados. Estes a abandonam de maneira silenciosa, buscando outros lugares e outras atividades. Tal emigração silenciosa na atualidade já se tornou um problema, que aumentará sobretudo nos grandes centros urbanos. Cada vez mais pessoas emancipadas emigram para fora da Igreja, porque têm a impressão de que ela já não corresponde aos seus anseios, necessidades e expectativas. À medida, porém, que essa Igreja se deixa iludir pela grande quantidade de fiéis que ainda enchem os seus templos, não reconhece o problema. Problema, aliás, já vivido por tantos casais engajados na Igreja, cujos filhos, a partir de certo momento, rejeitam categoricamente qualquer envolvimento com ela.

Na atitude deles revela-se o perigo de, com o passar do tempo, chegarmos a uma situação similar àquela atualmente encontrada na Europa. Para que, daqui a 20 anos, não tenhamos também em nosso país igrejas vazias, sacerdotes frustrados e fiéis decepcionados, devemos começar a agir desde já.

O primeiro passo é exatamente a conscientização sobre a situação. Com base nessa tomada de consciência, somos chamados a buscar novos caminhos para responder ao problema. Devemos ter a coragem de buscar novos horizontes e formar novas estruturas, confiantes no agir de Deus, que sempre guia a sua Igreja.

3. Novos caminhos para responder aos novos sinais dos tempos

Diante do acima exposto, reconhece-se a urgência de encontrar novos caminhos. E para tanto nem precisamos começar da estaca zero! Os primeiros passos rumo a nova maneira de ser da nossa Igreja já foram dados e são muito promissores.

A Igreja latino-americana, já em 1992, por ocasião da 4ª Conferência Episcopal em Santo Domingo, formulou um projeto capaz de responder aos problemas acima mencionados. A 5ª Conferência de 2007 em Aparecida não só confirmou, mas ampliou muito essa perspectiva. No seu centro, encontramos o modelo de uma estrutura nova, que se abre aos desafios do futuro. Essa nova estrutura eclesial gira em torno da concepção de um assim chamado protagonismo do leigo e da leiga.

A ideia por trás desse programa é tão revolucionária e, ao mesmo tempo, tão antiga, que, desde o início, muitos se deixaram assustar. Outros, até dentro da própria Igreja, gostariam que essa ideia tivesse caído no esquecimento.

Mas ela foi para a frente. Cresce a consciência de que o protagonismo do leigo é uma resposta adequada ante a nova realidade social em meio à qual a Igreja deve viver e agir.

Para esse vinho, precisa-se de odres novos. Toda tentativa de colocá-lo em odres velhos somente destruirá os odres. Sobre essa profunda verdade, o próprio Jesus Cristo já nos advertiu. A verdade por ele formulada não agradou muito aos representantes do sistema religioso estabelecido daquela época e, às vezes, nem agrada aos representantes dos sistemas estabelecidos de hoje.

Mas, independentemente disso, a Igreja já erigiu as bases para nova estrutura eclesial, apesar das dificuldades e não obstante as hesitações de muitos dos seus representantes.

A realidade da Igreja é assim: contraditória e dinâmica — e, portanto, sempre de novo fascinante. O Espírito de Deus sopra nela, e ele sopra onde quer.

A ideia do protagonismo do leigo foi assumida também pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. No seu documento número 56, podemos ler o seguinte:

Todo esse projeto tem a sua base na ampla visão de uma Igreja aberta ao mundo assumida pelo Concílio Vaticano II — visão, aliás, que encontra o seu reflexo até no Código de Direito Canônico de 1983 (cân. 212, § 13) e continua de maneira explícita no projeto da evangelização missionária enunciado pela 5ª Conferência do Celam em Aparecida.

Começando com os textos conciliares, passando por declarações papais e episcopais e terminando no Código de Direito Canônico, encontramos sempre o mesmo teor: os leigos devem assumir um papel ativo dentro e fora da Igreja, da mesma maneira que o fizeram nos primeiros séculos de nossa história.

No nível da teoria, o projeto chamado de “protagonismo do leigo” apresenta, assim, fundamentos muito sólidos das mais diversas proveniências. Todos têm o mesmo objetivo: o bem da Igreja e a preocupação com a sua tarefa de evangelização.

Mas, não obstante, constatamos que até hoje não existe aceitação unânime e calorosa do projeto. Há hesitações e dificuldades em encontrar caminhos práticos para a sua realização. Ademais, existem também tentativas de trivializar o modelo ou deixá-lo cair no esquecimento. Às vezes, até se verifica aberta rejeição.

Assim se impõe a grande pergunta acerca do porquê de tais reações antagônicas a uma intenção claramente formulada e bem fundamentada.

A análise em nível estrutural das tendências opostas mostra basicamente três obstáculos psíquicos e estruturais diante dos quais um verdadeiro protagonismo do leigo encontra dificuldades para ser realizado. É deles que vamos tratar em seguida.

4. Três obstáculos estruturais que se opõem a um verdadeiro protagonismo do leigo e da leiga

1) Os leigos e as leigas, por causa de uma educação secular, acostumaram-se a ser ovelhas. Interiorizaram de tal maneira a mentalidade de ovelhas passivas e obedientes, que muitos perderam totalmente a sua confiança em ser AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO DA IGREJA E DA SOCIEDADE, RUMO AO REINO DE DEUS.

O grande desafio diante dessa situação é que esses leigos e essas leigas recuperem a consciência de ser aquilo que o autor da carta de Pedro formula em 1Pd 2,9-10: “Vós sois a raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo de sua particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa…”.

Para essa nova mentalidade sobre a concepção do papel dos leigos, o Concílio Vaticano II já abriu o caminho. Na sua Constituição Apostolicam Actuositatem, a Igreja claramente chama os leigos a compartilhar da missão de todo o povo de Deus, baseada no fato de todos os batizados serem “participantes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo” (nº 2, 1.335; cf. também nº 5, 1.350).

2) Contra a abertura rumo a uma Igreja de comunhão e participação de todos, formula-se muitas vezes, no meio dos fiéis emancipados, uma segunda objeção. Ela diz basicamente o seguinte: “Uma estrutura hierárquica rígida dificulta a abertura rumo a uma Igreja de comunhão e participação de todos”.

Essa objeção, de fato, pode ter certa coerência. É verdade que, diferentemente da euforia do tempo após o Concílio Vaticano II, se observa na atualidade uma onda centralizadora e neoconservadora em muitos meios eclesiais. Esse neoconservadorismo em muito é motivado pelo medo do novo. Os seus promotores pertencem, em grande parte, à categoria dos assustados, e isso apesar de muitos deles veementemente rejeitarem semelhante qualificação.

Mas todas as tentativas de voltar ao passado não impedirão que os novos tempos continuem mudando a mentalidade dos fiéis com a mesma velocidade com que se dão atualmente as mudanças sociais. Em vez de se assustar diante da situação, é melhor lembrar que a nossa Igreja sempre é guiada pelo Espírito Santo. Este, porém, é Espírito de inovação e de transformação. Contra todos os clamores dos guardiões de estruturas anárquicas e superadas, foi ele que fez os Padres do Vaticano II formularem o projeto de uma Igreja de comunhão e participação de todos, uma Igreja do povo, uma Igreja pobre e dos pobres, uma Igreja toda ministerial. Nessa Igreja, a missão de evangelizar é dada a todos (cf. LG 37).

3) O medo, em parte inconsciente, de perder privilégios e poder impede a abertura para verdadeira comunhão e participação.

Apesar dos muitos documentos mencionados e da imensa boa vontade que marca a mentalidade da maioria dos integrantes da nossa Igreja, permanece uma experiência relatada por muitos leigos e leigas que querem engajar-se de maneira corresponsável no trabalho da evangelização: a partir do momento em que o seu engajamento ultrapassa a colaboração no bazar da comunidade, o cuidado em torno das finanças da paróquia ou a execução obediente de ordens, muitos dizem encontrar aquilo que pode ser chamado de “barreira de borracha”. Ninguém admite a sua existência e, apesar disso, ela funciona, afastando esses leigos sutilmente de todas as decisões que poderiam afetar questões de supostos privilégios ou de poder.

Encontramos aí mais um obstáculo ao estabelecimento de verdadeira comunhão e participação de todos dentro da Igreja.

Diante dessa situação, vale a pena lembrar aquilo que Jesus Cristo demonstrou ser o grande desafio para todos os que pretendem engajar-se na sua obra: assumir a vocação de servir, e não a de dominar.

“Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os seus grandes as tiranizam. ENTRE VÓS NÃO DEVERÁ SER ASSIM! Ao contrário, aquele que dentre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o servo de todos” (Mc 10,42-43).

5. Recuperar o grande objetivo de uma Igreja que serve em vez de mandar

O que se exige, nas palavras de Jesus citadas acima, é a realização de uma comunidade fraternal e toda ministerial. Esta é chamada a se tornar a grande alternativa a todas as atitudes de poder e de dominação que marcam tanto a sociedade atual. Em vez de imitar essas megatendências, os seguidores de Jesus Cristo são chamados a viver de outra maneira. Sendo a Igreja a grande comunidade desses seguidores, é ela que, de maneira específica, tem a tarefa de concretizar uma atitude alternativa de vida. O Concílio Vaticano II formula tal tarefa muito claramente, dizendo que a Igreja deve estar a serviço do mundo e das pessoas. À medida que realmente se põe a serviço, realiza o chamado de Jesus. Essa consciência se formou de maneira cada vez mais acentuada, sobretudo na Igreja da América Latina e, especialmente, do Brasil.

Apesar de todos os obstáculos pessoais e estruturais ainda existentes, cresce nessa Igreja a convicção de que a sua atitude deve ser marcada, em todos os níveis, pelo espírito de servir. Ela põe-se a serviço do povo. É compreendida como servidora, chamada a dedicar-se humildemente às pessoas, sobretudo as mais necessitadas. Nessa perspectiva é que a última conferência do episcopado latino-americano renovou a opção preferencial pelos pobres como grande opção ministerial. Nessa mesma perspectiva é que a Igreja entrou também num processo de transformação das suas estruturas. Tal processo está em andamento. Ele continua, apesar de todas as resistências ainda existentes e contra todas as tentativas de voltar às antigas atitudes de um centralismo do poder. A Igreja está no caminho, e a direção da sua caminhada está claramente marcada pelas palavras de Jesus: “Aquele que dentre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor” (Mc 10,43). A maneira pela qual ela supera passo a passo as hesitações existentes dentro das suas próprias estruturas é mais um sinal visível da presença do Espírito Santo que a conduz. No decorrer da sua caminhada, já superou a absolutização de uma estrutura hierárquica do poder; apesar de muitas hesitações, vai superar também a dicotomia entre a classe dos ordenados e a dos não ordenados. Ela, sobretudo na América Latina, aproxima-se cada vez mais do ideal de uma Igreja de comunhão e participação de todos, não obstante ainda permanecerem tendências talvez inconscientes de manter privilégios de status e de poder. Assim, concretiza de forma cada vez mais direta a corresponsabilidade e a igualdade de todos os membros da comunidade eclesial.

6. Propostas para que a Igreja se torne ainda a grande luz para o século XXI

Continuando no caminho rumo a uma comunidade toda ministerial, a Igreja mostra ser capaz de superar as antigas estruturas de poder e abrir-se para novas propostas. É por meio dessa abertura que responde de maneira concreta ao desafio de um Deus que sempre de novo a chama à conversão, para que ela transforme todas as suas estruturas que ainda não correspondem à vontade de Jesus Cristo. Este, como todos sabemos, proclamou como dever primordial de seus seguidores o servir, e não o dominar.

É nesse espírito de serviço que a Igreja, na atual época pós-moderna e pós-industrial, se dirige de maneira especial aos leigos e às leigas, para que sejam os protagonistas de nova evangelização missionária. Essa evangelização visa ao mundo fora da Igreja, mas, ao mesmo tempo, implica a sua própria transformação.

Para que, nesse processo, a nossa Igreja se aproxime cada vez mais do grande ideal de ser a servidora das pessoas, sem mecanismos de dominação e sem tutela, permito-me formular, em seguida, algumas propostas. Sua realização poderia contribuir para fazer da Igreja, também no século XXI, aquela grande luz acima da montanha de que as pessoas tanto precisam e que tanto buscam.

•   Os ministros exercem as suas funções em comunhão e participação, conforme os respectivos carismas.

•   Os Conselhos de Pastoral assumem o seu verdadeiro papel de ser lugares de discussão e decisão a respeito de todas as questões.

•   O esquema das paróquias deve ser reestruturado conforme o princípio de que hoje a Igreja deve correr atrás das pessoas, e não as pessoas atrás da Igreja.

•   A presença da Igreja na sociedade deve realizar-se muito mais por meio de pequenas células vivas e entrelaçadas, em vez de realizar-se por meio de macroestruturas.

•   A imagem e o papel do padre devem ser repensados, para que ele possa voltar a viver, em primeiro lugar, o seu carisma de sacerdote e pastor, em vez de ser obrigado a tornar-se gerente, administrador, jurista, arquiteto e outras coisas mais.

•   Devemos ter a coragem de enfrentar as questões estruturais com espírito inovador, que não se contenta em pintar os velhos odres com nova cor.

•   Devemos exigir e garantir o direito de toda comunidade à celebração da Eucaristia.

•   Precisamos de espaço e de coragem para fazer experiências.

•   O único critério na avaliação e transformação das estruturas da Igreja deve questionar se tais estruturas correspondem ou não às intenções de Jesus Cristo.

•   A Igreja deve apresentar-se aos homens e às mulheres de hoje de maneira nova, na qual predomine a atitude de servir.

•   A Igreja deve perder o medo de buscar caminhos totalmente novos, porque é guiada pelo Espírito inovador e transformador de Deus.

•   A Igreja deve acentuar, com ardor renovado, a opção preferencial pelos pobres e por todos aqueles que, de uma ou outra maneira, são excluídos.

•   Devemos recuperar o papel do profeta também dentro da própria Igreja.

Prof. Renold Blank