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Padres da caminhada pedem ao Papa rever a escolha dos bispos e Francisco responde

A sinodalidade deve ser o modo de ser Igreja no século XXI, uma ideia muito presente no ministério do Papa Francisco. Una Igreja que escuta, dialoga, discerne, e não tem medo de assumir novos caminhos, se eles são fruto da comunhão. Francisco é um Papa que gosta de interagir, que sempre tem tempo para pegar o telefone e ligar para alguém, ou para responder às cartas que diariamente ele recebe.

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

Numa breve mensagem, escrita a punho, com data de 9 de setembro, o Papa Francisco respondeu à carta enviada pelos Padres e Bispos da Caminhada em 19 de junho de 2020, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus e Dia de Oração Pela Santificação do Clero. A carta, assinada por 83 padres, do clero secular e religiosos, e 5 bispos, no contexto do assassinato de George Floyd, refletia sobre o racismo, uma situação presente no Brasil, o segundo país com maior população negra do mundo, com 110 milhões de afro-brasileiros.

A carta de 19 de junho denunciava que nos seminários brasileiros, os seminaristas negros tem sido “caçoados, inferiorizados, ridicularizados, percorremos calados e engasgados o caminho formativo, temerosos de não sermos aceitos para as sagradas ordens”.

Junto com isso, a carta fazia um pedido ao Papa Francisco, para que ele “chame nossos Pastores a uma sincera conversão!”, e também “mude o modus operandi da Nunciatura Apostólica naquilo que tange a escolha dos Bispos. A Nunciatura age sem consultar devidamente as Igrejas locais, nem sequer o bispo a ser substituído por causa da idade, nem o Regional da CNBB ou a própria CNBB”. Os Padres da Caminhada dizem estar “cansados de diplomatas vaidosos e carreiristas, ansiosos por poder!”

Em suas palavras, os Padres e Bispos da Caminhada mostravam a necessidade de “Pastores que estejam afinados ao Evangelho”. Ao mesmo tempo, denunciavam o pouco número de bispos negros entre o episcopado brasileiro, que não responde à porcentagem da população e do número de padres negros entre o clero brasileiro, dentre eles “muitos padres, teólogos, mestres e doutores negros”

A resposta do Papa Francisco tem sido mais uma prova do seu modo de agir, agradecendo por duas vezes por ter escrito para ele. O bispo de Roma diz ter em conta o que os Padres e Bispos da Caminhada pedem, e que para isso ele vai falar com o Cardeal Oullet, Prefeito da Congregação para os Bispos, e o novo Núncio no Brasil, Dom Giambattista Diquattro, nomeado no último 29 de agosto e que deve chegar nas próximas semanas no país.

Francisco escreve que “entendo o que dizem sobre a Nunciatura e o modo de escolher os candidatos ao Episcopado”. As palavras do Papa podem ser interpretadas como uma tentativa de mudança que pode influenciar decisivamente na vida da Igreja. Não podemos esquecer que, na estrutura atual da Igreja, não deveria ser assim na medida em que a sinodalidade seja assumida como caminho eclesial, os bispos têm um peso decisivo e sua escolha deveria responder, segundo a carta dos Padres e Bispos da Caminhada, a critérios diferentes.

Eis a Mensagem do Papa Francisco aos Padres da Caminhada

Vaticano 09 de setembro de 2020

Queridos irmãos sacerdotes,

Hoje recebi a carta de vocês do passado 19 de junho trazida por Mons. Michele di Tolve.

Obrigado, obrigado por me escrever, e começar a carta com os versos de Castro Alves “Navio Negreiro“.

Tenho em conta o que vocês me dizem na carta, os acompanho e estou próximo de vocês. Falarei do assunto com o cardeal Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os Bispos.

Entendo o que dizem sobre a Nunciatura e o modo de escolher os candidatos ao Episcopado. Agora irá um Núncio novo e também falarei com ele.

Obrigado pelo testemunho sacerdotal que dão. Rezo por vocês; por favor façam-no por mim.

Que Jesus os abençoe, a Virgem Santa cuide de vocês.

Fraternalmente

Francisco

Carta ao Papa Francisco dos Padres da Caminhada

“Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje… o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar…
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar…”

Navio NegreiroCastro Alves.

Santo Padre, nosso querido Papa Francisco.

Os versos acima são um trecho da poesia Navio Negreiro de Castro Alves. Escrita em 1870, na cidade de São Paulo, a poesia relata a situação sofrida pelos africanos vítimas do tráfico de escravos, trazidos em navios negreiros, na sua atormentada travessia, sem retorno, da África para o Brasil.
 
Vítimas, Santo Padre, o somos, “tuttora”, em terra firme.

Somos padres brasileiros, descendentes da Mãe África, homens de coração gentil, alegres por natureza, cheios de vida, enriquecidos pela herança recebida dos nossos ancestrais e pela graça de termos sido chamados, também nós, pelo Cristo, para trabalhar na construção do Reino de Deus. Somos mais de 110 milhões de afro-brasileiros, população só superada pela da Nigéria, na África.

A morte violenta de George Floyd nos Estados Unidos desencadeou mundo afora uma onda de manifestações que puseram em evidência um fato incontornável: VIDAS NEGRAS TEM VALOR!

Em nossa brasilidade, fortemente marcada pela escravidão, sentimos na própria pele que, muitas vezes, esse Valor e riqueza não são reconhecidos.

Indo direto ao ponto, nós padres negros, para respondermos ao chamado de nosso Senhor Jesus Cristo, como operários da Sua Messe, sentimos, em nossa formação, o joelho dos nossos formadores comprimindo o nosso pescoço. Sabemos o que significa o grito: NÃO POSSO RESPIRAR!

Caçoados, inferiorizados, ridicularizados, percorremos calados e engasgados o caminho formativo, temerosos de não sermos aceitos para as sagradas ordens.

No dia 03 de junho, na Audiência Geral, o Senhor disse: “Não podemos tolerar, nem fechar os olhos diante de nenhuma forma de racismo ou de exclusão e pretendemos defender o caráter sagrado da vida humana…”.

Diante dessas palavras, Santo Padre, sentimo-nos encorajados para fazer chegar-lhe a nossa voz.

Sabemos Santo Padre, que o Senhor é um Homem de Deus! Seu coração é HUMANO! E tem buscado colocar a Santa Igreja no caminho da Vida, da Esperança, da Justiça e da Paz!

Tem combatido com coragem o clericalismo e todos os arcaísmos que elitizam e fossilizam a Igreja e a fazem desumana, mundana e distante das maiorias empobrecidas.

É justamente por essas tantas iniciativas, que nos sentimos encorajados a gritar para que, como Pai e Pastor do rebanho, nos veja, nos ouça e venha em nosso auxílio.

Chame nossos Pastores a uma sincera conversão!

Mude o modus operandi da Nunciatura Apostólica naquilo que tange a escolha dos Bispos. A Nunciatura age sem consultar devidamente as Igrejas locais, nem sequer o bispo a ser substituído por causa da idade, nem o Regional da CNBB ou a própria CNBB.

Precisamos de Pastores que estejam afinados ao Evangelho. Precisamos de Pastores que busquem de fato ter o cheiro das ovelhas e que se preocupem em formar um presbitério fiel ao Evangelho de Jesus: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua Justiça…” (Mt 6, 33).

Num País de maioria Negra possamos ter mais Bispos Negros. Por que um padre negro no Brasil não pode ser Bispo? Ou será que a escolha está vinculada à supremacia Branca?

Estamos cansados de diplomatas vaidosos e carreiristas, ansiosos por poder! Isso não nos diferencia em nada do poder estabelecido, que submete a vis condições de vida os homens e mulheres desta terra, principalmente os menos favorecidos, pobres, negros, índios e todos os que vivem e morrem abandonados nas periferias territoriais e existenciais.

Temos muitos padres, teólogos, mestres e doutores negros que correspondem certamente ao desejo do Santo Padre de ter na Igreja pastores capazes de empatia e sinergia com a vida do povo sofrido e fiel, agora duramente atingido pela epidemia do Covid-19.

Fica aqui o nosso grito, Santo Padre, na certeza de sermos ouvidos no nosso clamor!

Com simplicidade e parresia e na adesão sincera ao que nos veio ensinando na Evangelii GaudiumLaudato Si’Amoris LaetitiaQuerida Amazônia e, sobretudo, por suas atitudes e gestos corajosos, assinam os padres e bispos da caminhada, um grupo numeroso de ministros consagrados, que se apoia mutuamente, para melhor seguir os passos de Jesus no seu amor e cuidado para com os pobres e pequenos, anunciados com vigor profético, tanto na sinagoga de Nazaré (Lc 4, 14-21), como no Sermão da Montanha (Mt 5, 3-10).

Pe. Alex José Kloppenburg – Diocese de Bagé – RS
Pe. Adamor Lima – Paróquia das Ilhas – Diocese de Abaetetuba – PA
Dom Adriano Ciocca Vasino – Prelazia de São Feliz do Araguaia – MT
Pe. Altair Manieri – Arquidiocese de Londrina – PR
Pe. Antônio Carlos Fernandes, SDN – Espera Feliz – Diocese de Caratinga – MG
Pe. Antônio De Jesus Sardinha – Vigário Geral – Diocese de Jales/SP

Pe. Antônio José de Almeida – Diocese de Apucarana – PR
Pe. Antonio Lopes de Lima – Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Pe. Antonio Manzatto – Arquidiocese de São Paulo Pe. Basilio Vidal Vileci – Diocese de Crato – CE

Pe. Benedito Ferraro – Arquidiocese de Campinas – SP
Pe. Brasílio Alves de Assis – Diocese de Registro – SP
Pe. Celso Carlos Puttkammer dos Santos – Prelazia do Marajó – Soure/PA
Pe. Danilo Lago Severiano – São Félixdo Xingu – Prelazia de São Félix – PA
Pe. Danilo Vitor Pena – Diocese de Jacarezinho – PR
Pe. Dennis Koltz – PIME – Macapá
Pe. Diego Giuseppe Pelizzari – Diocese de Londrina – Conselho Indigenista Missionario – CIMI
Pe. Dirceu Luiz Fumagalli – Arquidiocese de Londrina – PR
Pe. Domingos Rodrigues – Paróquia Arcanjo Gabriel – Diocese de Bagé – RS
Pe. Edegard Silva Junior – Missionário Saletino – Diocese de Pemba – Moçambique
Pe. Edmar Augusto Costa – Arquidiocese do Rio de Janeiro – RJ
Pe. Edson André Cunha Thomassim –
Pe. Edson Zamiro da Silva – Diocese de Apucarana – PR
Pe. Elauterio Conrado da Silva Junior – Diocese de Bagé – RS
Dom Erwin Käutler – Bispo Prelado Emérito da Diocese do Xingu – Altamira – PA
Pe. Ezael Juliatto – Arquidiocese de São Paulo – SP
Pe. Flávio Corrêa de Lima – Diocese de Novo Hamburgo – RS.
Dom Flávio Giovenale, SDB – Diocese de Cruzeiro do Sul – AC
Pe. Francisco de Aquino Junior – Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Pe. Francisco Gecivam Garcia – Arquidiocese de Maringá – PR
Pe. Geraldino Rodrigues de Proênça – Diocese de Apucarana – PR
Pe. Gilberto Tomazi – Vigário Geral – Diocese de Caçador-SC
Pe. Hermes Antonio Tonini – Diocese de Lages – SC
Pe. Ivanil Pereira da Silva – Paróquia Santa Rita de Cássia – Cianorte – Diocese de Umuarama – PR

Pe. Jean Fabio Santana, SJ – Arquidiocese de São Paulo – SP
Pe. Jorge Corsini – Diocese de Registro – SP
Pe. Jorge Luiz A. Souza – Arquidiocese de São Paulo – SP diácono
Pe. Jorge Pereira de Melo – Arquidiocese de Londrina – Paróquia Santo Antonio – Londrina.
Pe. José Amaro Lopes de Sousa – Diocese de Xingú – Altamira – PA
Pe. José Cristiano Bento dos Santos – Arquidiocese de Lonbrina – PR
Pe. José Geraldo Magela Vidal – Arquidiocese de Mariana – MG
Dom José Luiz Ferreira Salles, CSsR – Diocese de Pesqueira – PE
Dom José Mário Stroeher – Bispo Emérito do Rio Grande – RS
Pe. José Oscar Beozzo – Diocese de Lins – SP
Pe. José Roberto Moreira – Paróquia Nsa. Sra. Da Boa Viagem – Bocaina do Sul – Diocese de Lages – SC
Pe. Lazaro Gabriel Lourenço – Diocese de Miimeira – SP
Pe. Leandro de Mello – Arquidiocese de Passo Fundo – RS
Pe. Leomar Antonio Montagna – Arquidiocese de Maringá – PR
Pe. Lino Mayer – Diocese de Rio Grande – RS
Pe. Luciano da Paixão – Arquidiocese de Londrina – PR
Pe. Luis Miguel Modino – Missionário Fidei Donum – Arquidiocese de Manaus – AM
Pe. Luiz Carlos Palhares – Diocese de Apucarana – PR
Pe. Luiz Roberto Sandini – Diocese de Chapecó – SC
Dom Manoel João Francisco – Bispo da Diocese de Cornélio Procópio – PR
Pe. Manoel José de Godoy – Paróquia São Tarcísio – Arquidiocese de Belo Horizonte – MG
Pe. Marcos Roberto Almeida dos Santos – Arquidiocese de Maringá – PR
Pe. Mauro Batista Pedrinelli. Arquidiocese de Londrina – PR
Pe. Medoro de Oliveira Souza Neto – Diocese de Valença – RJ
Pe. Nadir Luiz Zanchet – Diocese de Balsas – MA
Pe. Nelito Dornelas – Governador Valadares – MG
Pe. Pascal Atumissi B., SX. CIMI – Redenção – PA
Pe. Paulo Humberto Rodrigues Cruz – Arquidiocese de Belém do Pará – Área Missionária São Clemente – PA
Pe. Paulo Joanil da Silva, OMI – Diocese de Belém – PA
Pe. Paulo Sérgio Bezerra – Paróquia N. Sra. do Carmo – Itaquera – Diocese de São Miguel Paulista – SP
Pe. Pedro Curran, OMI – Arquidiocese de Manaus – AM
Pe. Roberto Valicourt, OMI – Arquidiocese de Manaus – AM
Pe. Rui Fernando de Oliveira Santos -Diocese de Apucarana – PR
Pe. Sebastião Rodrigues da Silva – Paróquia São Francisco de Assis CP – Diocese de Cornélio Procópio – PR
Pe. Sérgio Eduardo Mariucci, SJ –
Pe. Sérgio Lima Pereira – Arquidiocese de Pelotas – RS
Pe. Severino Leite Diniz – Paróquia Nsa. Sra. Aparecida – Promissão – Diocese de Lins – SP
Pe. Sisto Magro – PIME – Macapa – AP
Pe. Vilmar Gazaniga – Diocese de Caçador – SC
Pe. Vilson Groh – Florianópolis – SC
Pe. Vitor Galdino Feller – Vigário Geral – Arquidiocese de Florianópolis- SC.
Pe. Wilfrido Mosquer, OSFS – Arquidiocese de Pelotas – RS
Frei Wilmar Villalba Ortiz, OFM Conv – Paróquia Exaltação da Santa Cruz – Ubatuba – SP
Pe. Wilner Charles, OSFS

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