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QUANTO VALE A VIDA NO BRASIL?

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

A política brasileira mostrou sua verdadeira cara de forma escancarada: com apoio tácito ou explícito de órgãos oficiais, orientados estes pelo ocupante da cadeira presidencial e seus lacaios, o País está sendo entregue a quadrilhas assassinas e criminosos ambientais. O que os e as defensores/as de direitos humanos e do Planeta já sabiam, sentiam e viviam na pele, ficou agora nítido e evidente internacionalmente. O crime bárbaro contra Dominic Phillips e Bruno Pereira mobiliza, escandaliza, provoca indignação mundialmente. Várias entidades, organizações, órgãos de imprensa, articulações expressaram seus sentimentos de revolta e de inconformidade, demais notas e moções para serem enumeradas neste momento. Mas destacam-se as fortes reações das organizações indígenas, que tinham com Bruno e Dom íntimos laços de amizade.

Foram os indígenas[1] que fizeram o maior trabalho investigativo para encontrar os suspeitos, o local de embarque, os pertences e finalmente a cova rasa dos restos mortais de Bruno e Dom[2]. As instituições fizeram de tudo para atrasar as investigações. E enquanto a Polícia Federal se apressa em encerrar o caso, afirmando não ter mandantes, os indígenas contrariam a posição da PF[3] e junto com muitas entidades e organismos até estrangeiros exigem uma apuração isenta, aprofundada. Parece que os órgãos governamentais estão fazendo o jogo dos criminosos que estão assumindo o controle da Amazônia: narcotraficantes, garimpeiros ilegais, madeireiros, pescadores predatórios, traficantes de animais silvestres e outros. É um dos legados que o atual governo irá deixar para a posteridade, que seja o próximo governo, que seja as futuras gerações de brasileiros.

Infelizmente, não será o único legado negativo para a população. Com a cumplicidade do Congresso, o governo está acabando com a educação pública. Apesar dos reitores das universidades federais serem indicados pelo presidente da República, dentro de listas tríplices ou fora delas, estes agora se veem colocados diante de uma realidade complicada: com os cortes nos seus orçamentos que afetam não apenas as despesas correntes como pagamento de energia, mas sobretudo comprometem o prosseguimento de importantes pesquisas. A redução no orçamento supera um bilhão de reais[4]. Nunca devemos esquecer que a irmã de Paulo Guedes, Elisabeth, está ligada ao lobby das universidades particulares, apesar de agora ela se queixar que o governo não prioriza a educação[5].

O sub-financiamento dos cuidados à saúde está sendo tratado no processo de conferências sobre a Saúde Mental em curso. Embora a etapa nacional está previsto acontecer em novembro deste ano pelo Conselho Nacional de Saúde, não há nenhuma sinalização de que realmente acontecerá, por falta de recursos. O Ministério não está nem aí para debater a política com a sociedade. Pelo contrário, autoritariamente, através de uma simples Portaria (596/2022), o Ministério acabou com as determinações mais modernas e mundialmente adotadas para o tratamento de pessoas com distúrbios mentais[6]. O governo pretende voltar a internar as pessoas em manicômios, prática abandonada por governos anteriores desde os anos 1990 por serem associais e ineficazes[7].

Para 2023 está prevista a realização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, também hoje ameaçada. A expectativa é de que um novo governo para o próximo ano, volta a discutir com a sociedade a política de saúde e reveja a forma de financiamento da saúde primária, hoje feita através do Programa Previne Brasil, cuja implantação foi atrasada por causa pandemia. Mas a partir deste ano, esta forma de financiamento está novamente sendo implementado, com redução de recursos para os municípios em comparação com os anos anteriores quando o financiamento era feito através do Programa de Atenção Básica (PAB-Fixo, PAB variável e outros formatos de transferência de recursos federais para os Fundos Municipais de Saúde).

A privatização, a venda da Eletrobrás, é festejada pelo governo, porque vai trazer recursos para sua caixa e aumentar investimentos para as empresas. Mas é um engodo, uma mentira grosseira apresentada à população de que a privatização reduzirá o preço da energia[8]. Aliás, foi este o argumento utilizado para a privatização dos serviços de telefonia, a quebra do monopólio estatal e a definição de tarifas acima dos índices de inflação[9]. Quem viveu à época os impactos desta privatização no final do governo de FHC, lembra dos aumentos das tarifas, que consomem ainda boa parte do orçamento das famílias. Para ter acesso à telecomunicação, é preciso hoje uma boa conexão na Internet e um aparelho que também não sai barato.

Em 1995, a tarifa residencial média no Brasil era de R$ 76/MWh. Sem as bandeiras amarela ou vermelha, o preço aumento para R$ 666,00/MWh, ou seja, aumentou 876%. A inflação só subiu 422%. Pagamos, portanto, mais do que o dobro do que em 1995, em valores ajustados. Usou-se o falso argumento de que a Eletrobrás seria cabide de empregos. Mentira deslavada. É o fome por lucro dos acionistas, que em nada contribuem com o processo de produção, que leva os preços à altura.

O escândalo se aprofunda, quando considerado que outros países que produzem hidroenergia, como Canadá, Índia, Estados Unidos, Suécia, Rússia, China não entregaram este setor ao capital privado[10]. O controle sobre a energia elétrica é estratégico para qualquer país, uma questão de soberania. Mais uma vez, o atual governo pratica uma política lesa-pátria, como faz também com a Petrobrás. Manipulado ou não, o Congresso, cheio de corruptos (veja por exemplo as emendas do relator e o orçamento secreto; ou ainda o orçamento bilionário para financiar as eleições), votou pela redução da alíquota do ICMS cobrada pelos Estados. O argumento é sempre o mesmo: vai baratear o preço dos combustíveis. No dia seguinte à votação, os preços já voltam a crescer, por causa do dólar! O presidente se esquiva e ameaça com uma CPI da Petrobrás, mas é ele mesmo que nomeou os presidentes da empresa e definiu a política de equiparação ao preço no mercado internacional. Pura hipocrisia.

A mesma hipocrisia que Artur Lira faz bradar contra o Banco Central, que aumentou as taxas de juros. Mas foi o próprio Lira que levou o projeto de Autonomia do Banco Central para votação no Congresso em fevereiro de 2021[11].

A Eletrobrás foi vendida por R$ 33,7 bilhões. Uma empresa americana, a Duke Energy, que a mesma capacidade de geração de energia tem valor estimada de 82 bilhões de dólares, ou seja cerca de 410 bilhões de reais. Que negócio, Congresso!

O “vagabundo que está no Planalto”[12], mais uma vez, com suas falas chulas e pouco respeitosas pretende tirar a grande parcela de culpa que lhe cabe nos desmandos que acontecem na vida cotidiana. A violência prevalece, seja na Vale do Javari, seja em territórios indígenas ou em conflitos de campo[13], seja nos subúrbios urbanos por motivos racistas ou de gênero, seja praticada por policiais (com taxa de 2,9/100.000 habitantes em 2021[14]). O incentivo presidencial à compra de armas de fogo[15], justificado até por versículos bíblicos retirados de seu contexto[16], é extremamente prejudicial para nossa sociedade.

Esta semana, pessoas próximas ao presidente, voltaram a afirmar que ele está disposto a cometer um golpe, em caso dos resultados das urnas não lhe serem favoráveis[17]. Arruaças, marchas, grupos armados pressionando eleitores e mesários, inclusive com apoio de forças policiais e militares não podem ser de antemão descartadas. Os defensores da democracia, da república e de eleições livres sem constrangimentos terão que ficar de olhos abertos e se organizarem para apagar desde o começo qualquer sinal de irregularidade e violência no período eleitoral.


[1] https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/06/5015737-dom-e-bruno-buscas-contaram-com-mais-de-100-indigenas-saiba-como-e-a-regiao.html (Acesso em 2022.06.18)

[2] https://jc.ne10.uol.com.br/brasil/2022/06/15025416-dom-e-bruno-a-trabalhosa-busca-dos-indigenas-por-pistas-do-jornalista-e-do-indigenista-na-amazonia.html (Acesso em 2022.06.18)

[3] https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2022/06/18/interna_nacional,1374270/indigenas-contrariam-pf-e-afirmam-que-morte-de-dom-e-bruno-teve-mandante.shtml

[4] https://educacao.uol.com.br/noticias/2022/06/09/mec-corta-verba-institutos-universidades-federais.htm (Acesso em 2022.06.18)

[5] https://educacao.uol.com.br/noticias/2022/04/20/irma-de-guedes-educacao-nao-tem-sido-prioridade-no-governo-bolsonaro.htm (Acesso em 2022.06.18)

[6] https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/5yNzSt6mBPWYvfDznLk9GMP/ (Acesso em 2022.06.18)

[7] https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/10/recentes-mudancas-politica.html (Acesso em 2022.06.18)

[8] https://fdr.com.br/2022/06/15/inflacao-vira-motivo-de-desanimo-na-campanha-de-bolsora-entenda-os-impactos/ (Acesso em 2022.06.18)

[9] https://1library.org/article/a-evolu%C3%A7%C3%A3o-das-tarifas-de-telecomunica%C3%A7%C3%B5es.zlnr44rq (Acesso em 2022.06.18)

[10] https://outraspalavras.net/crise-brasileira/a-derrota-e-a-censura/ (Acesso em 2022.06.18)

[11] http://www.ouropretoinvestimentos.com.br/blog/banco-central-agora-e-autonomo-o-que-isso-significa/ (Acesso em 2022.06.18)

[12] https://controversia.com.br/2019/10/30/um-vagabundo-no-planalto/ (Acesso em 2022.06.17)

[13] https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/04/18/conflitos-por-terra-na-era-bolsonaro-ja-superam-governos-inteiros-passados.htm (Acesso em 2022.06.17)

[14] https://especiais.g1.globo.com/monitor-da-violencia/2018/mortos-por-policiais-no-brasil/?_ga=2.110609989.1386934489.1655469035-53692131.1648834416 (Acesso em 2022.06.17)

[15] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/bolsonaro-chama-de-idiota-quem-defende-comprar-feijao-em-vez-de-fuzil-e-fala-repercute/ (Acesso em 2022.06.17)

[16] https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2022/06/15/bolsonaro-diz-que-jesus-cristo-nao-comprou-pistola-porque-nao-tinha.html (Acesso em 2022.06.17)

[17] https://www.brasil247.com/poder/integrantes-do-governo-admitem-possibilidade-de-golpe-de-bolsonaro-com-suspensao-da-eleicao (Acesso em 2022.06.18)

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