Parabéns, Dom Pedro, por noventa anos de poesia, de profecia, de rebeldia, de construção do Reino!
“Foi uma missa de amigos, uma celebração simples e muito emocionante, ali estava a presença de Deus, a presença da solidariedade, de vários povos indígenas, camponeses, movimentos, pessoas de todas as comunidades da Prelazia, de outros estados e países, representando a todo aquele que acredita na utopia, como sempre Pedro acreditou”.
Não é fácil completar 90 anos, ainda mais quem nunca duvidou em colocar sua vida em risco para defender àqueles que Eduardo Galeano chamava “los nadies”, aqueles que nunca contaram para o mundo, mas sempre foram os prediletos de Deus e de quem acredita na utopia do Reino. Se enfrentar com quem se coloca como dono de tudo, inclusive da vida alheia, viver como profeta que se torna voz dos que nunca foram escutados, dos que sempre foram desprezados, é sinônimo, graças a Deus nem sempre, de uma vida curta.
Dom Pedro Casaldáliga sempre deixou claro que suas causas valem mais que sua vida, as causas dos mais pobres, dos indígenas, dos posseiros, sempre perseguidos no Vale do Araguaia e no Brasil todo. Ele sempre teve a morte por perto, viu morrer de fome seu povo, as crianças…, mas também seus amigos, inclusive pelo fato de ser confundidos com ele mesmo.
Pouco depois de ser assassinado o Padre João Bosco Burnier, no dia 12 de outubro de 1976, vítima de uma bala que pretendia matar Dom Pedro, ele diz que quem deveria ter morrido era ele mesmo. Mas uma mulher lhe respondeu que ele iria viver muitos anos. Já se passaram mais de quarenta, tempo de luta, de resistência, de testemunho de uma vida doada.
Tudo isso precisa ser celebrado, como sinal de agradecimento a esse Deus que coloca no meio da gente pessoas que são sinal de sua presença no meio de nós. Dom Pedro chegou em 1968 no Vale do Araguaia e lá fez realidade seu velho desejo de ser missionário no meio dos mais pobres. Hoje a festa foi bonita, cheia de vida, de esperança. Dom Pedro, dentro das limitações que o irmão Parkinson lhe impõe, encontra-se bem, como nos diz o amigo Tony Cálices, artista plástico, sempre próximo do poeta do Araguaia, e uma das almas das últimas Romarias dos Mártires e dinamizador da Irmandade dos Mártires da Caminhada.
Na festa se fizeram presentes alguns dos membros da equipe de pastoral nos primeiros anos da Prelazia, que traz para Dom Pedro boas lembranças e se torna motivo de alegria, gente que ao longo de muito tempo trabalhou junto e foi construindo a utopia do Reino. Mas também está lá seu povo, muitos dando testemunho da importância do bispo Pedro para o desenvolvimento da região. Tinha gente que já tinha estado na ordenação episcopal e muitos lembraram que o Pedro sempre foi povo, humano e sensível às causas pelas quais ele deu a vida: os pobres, os camponeses, os negros, os indígenas, as lutas pela terra, pela preservação do Araguaia… Eles continuam considerando-o seu bispo, sua voz, seu grande defensor, mesmo que poucas palavras possam sair hoje da sua boca. Mas eles sabem que seu bispo sempre falou com a vida, com sua postura, com seu jeito de enfrentar sem medo os poderosos.
Mas também estiveram presentes muitos outros, na distância, pessoas que têm enviado suas mensagens para o amigo, para alguém a quem tantos admiram, chegados de todos os cantos do planeta, pois sua figura e sua vida chegou até os confins do mundo. Também não podemos esquecer quem desde a glória eterna contempla esse momento impar.
Na celebração também estavam presentes dois irmãos bispos – muito pouco -, Dom Adriano Ciocca, bispo titular da Prelazia de São Félix do Araguaia, e Dom Eugênio Rixen, que sucedeu na diocese de Goiás a um dos grandes amigos de Dom Pedro, seu companheiro nos primeiros passos da CPT, Comissão Pastoral da Terra, e do CIMI, Conselho Indigenista Missionário, Dom Tomás Balduíno.
Hoje é um dia de memória, de lembranças, devem ter passado muitas imagens na mente de Dom Pedro, muitos rostos. Desde aqueles que fizeram parte de sua infância na distante Catalunha, aquele lugar para onde nunca voltou, mas que não saiu do seu pensamento. Mas também os homens e mulheres com quem caminhou nessa periferia do Brasil, que é a Prelazia de São Félix.
A festa aconteceu num local que sempre foi importante na vida daquele que quis fazer realidade uma Igreja onde todos e todas sejam protagonistas, uma Igreja nascida do Vaticano II e de Medellín, o Centro de Pastoral da Prelazia, que hoje leva o nome de uma das mais estreitas colaboradoras, a Tia Irene, o local onde junto com sua equipe foi marcando a pauta para fazer realidade uma Igreja pobre e para os pobres.
Para Douglas Mansur, um dos fotógrafos mais destacados do país, sempre comprometido com as causas sociais, “foi uma missa de amigos, uma celebração simples e muito emocionante”. Ele ressaltava que “ali estava a presença de Deus, a presença da solidariedade, de vários povos indígenas, camponeses, movimentos, pessoas de todas as comunidades da Prelazia, de outros estados e países, representando a todo aquele que acredita na utopia, como sempre Pedro acreditou”.
Mercedes de Budallés Díaz, catalana de nascimento igual Dom Pedro, mas com o coração em São Félix desde que chegou ao Vale do Araguaia, Assessora Nacional das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), destacava que a celebração foi muito bem preparada e ao mesmo tempo muito simples, ideia repetida por um dos agentes de pastoral da Prelazia, que reconhecia que foi um “momento de espiritualidade que trouxe uma mística para poder continuar a caminhada da Prelazia em defesa dos pobres e oprimidos de nossa região”.
Têm sido muitos os testemunhos dos presentes, homens e mulheres que vivem sua fé na Prelazia e sempre tiveram em Dom Pedro uma referência, pessoas que reconhecem que foi uma celebração “marcada pela emoção e de verdadeiro testemunho de tudo o que Dom Pedro viveu desde que chegou na região do Araguaia e que luta pela justiça em favor dos pobres, dos oprimidos e sempre carregando consigo a esperança, seguindo os passos de Jesus no Evangelho”.
“Um momento festivo, de muita gratidão por ter Pedro ainda no meio de nós, mesmo com a debilidade de sua saúde”. Para os presentes é importante “ver o povo feliz pelo encontro e reencontro para festejar os noventa anos de Pedro, ajudando a fazer memória e olhar para frente com esperança”. A festa foi, enfim, uma mostra de “uma comunidade unida e em comunhão, a exemplo das primeiras comunidades, o que demonstra o grande número de pessoas presentes para rezar com Pedro e celebrar este momento”, afirmando que “Pedro é exemplo de pessoa que se entregou nos braços de Jesus e se tornou exemplo de fidelidade ao projeto de Deus apresentado por Jesus”.
Parabéns, Dom Pedro, por noventa anos de poesia, de profecia, de rebeldia, de construção do Reino!
Por Luis Miguel Modino-Comunicação das CEBs do Brasil.
Fotos: Junio Souza, CEBs São Félix do Araguaia (MT), e mídia local.
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