Shadow

Em tempos de politicalha, a necropolítica, acima de tudo, é anticristã.

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

Foto: Arquivo MST

Em 1945, a FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura) foi instituída no dia 16 de outubro e essa data começou a ser considerada, desde 1981, como Dia Mundial da Alimentação[1]. No Brasil, há cerca de 20 anos que estão sendo realizadas as Semanas Nacionais da Alimentação[2]. Evito a usar a palavra “celebrar ou comemorar”, porque realmente, neste ano de 2021, há pouco para se festejar. O Brasil e o mundo estão fazendo um caminho de volta ao passado, em que a fome e a insegurança alimentar retomam dimensões alarmantes. E não é só por causa da pandemia. Relatório da ONU afirma que desde 2016, a fome começou a aumentar, disparando mais a partir de 2020[3]. Sobretudo mulheres e crianças tornaram-se vítimas do aumento da desnutrição aguda ou leve. A alimentação saudável permanece inacessível para três bilhões de pessoas no mundo, devido a seu alto preço, afirma a ONU. Também o desperdício de alimentos é muito alto, que chega a um terço de toda a alimentação produzida no mundo[4], ou seja, um valor de 750 bilhões de dólares anuais. No Brasil, a maior parte do desperdício acontece já desde a colheita (10% de perda). O transporte e o armazenamento são responsáveis por mais 30% de desperdício, e nas famílias, outros 10% dos alimentos vão para o lixo.

Enquanto algumas figuras da elite mundial gastam milhões de dólares para fazer um passeio de alguns minutos no espaço[5], não há recursos disponíveis para saciar a fome de um número crescente de pessoas no mundo. Cerca de 50 países, sobretudo africanos, não irão conseguir atingir a meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e erradicar, até 2030, a fome de sua população. Como causas deste retrocesso, são apontadas, entre outras, conflitos armados e as alterações climáticas[6]. No Maranhão, por exemplo,  relatórios do governo estadual apontam como a produção da agricultura familiar recuou mais de 70% nos últimos anos. A incorporação de grandes áreas de terra para cultivo de commodities (soja, milho, algodão…para exportação), trouxe um aumento dos conflitos agrários que chegam aos patamares das sombrias décadas de 1970/80. Os programas de incentivo à agricultura familiar (p.ex. PAA e PNAE) do governo federal estão contando com menos recursos ano a ano; a maioria dos municípios não está dando a atenção necessária às políticas de combate à fome. O governo do Estado investe no Programa Comida na Mesa, que inclui, entre outras ações, o PROCAF, que compra produtos das quebradeiras de coco, os restaurantes populares, banco de alimentos, que combate o desperdício de alimentos na CEASA. Mas ainda é insuficiente para tirar os cerca de 1milhão de maranhenses do mapa da fome.

Em sinal de protesto contra a política que fomenta a fome no Brasil, o MST ocupou esta semana as sedes da APROSOJA (Associação dos Produtores de Soja) e da ABRAMILHO (Associação dos Produtores de Milho) em ação simbólica. O protesto teve como foco principal o veto presidencial contra o Projeto de Lei Assis de Carvalho II (PL n. 823/2021 aprovado no Senado em agosto), que visava instituir um programa de auxílio emergencial para a Agricultura Familiar[7]. Também a liberação indiscriminada de venenos agrotóxicos, que já chega a 411 tipos diferentes liberados por este governo só neste ano de 2021, foi pauta do protesto.

O tema da fome e da insegurança alimentar carece de muita reflexão e de muita luta – econômica e política – para que seja revertida a tendência de retrocesso na política de universalização do Direito Humano a uma Alimentação Adequada e Saudável.

Fomos testemunhas de mais um episódio de uso ideológico e político da religião. Em busca desesperada de votos, de apoio político e procurando diminuir os índices negativos de seu governo, o presidente negacionista compareceu inesperadamente a uma celebração do dia da padroeira do Brasil em Aparecida-SP. A presença de Bolsonaro em Aparecida incomodou a muitos católicos e fez levantar diversas manifestações de repúdio contra os administradores do Santuário. Mais de 400 “Padres da Caminhada & Padres Contra o Fascismo” e 10 bispos católicos emitiram manifesto que acusa o presidente Jair Bolsonaro de ter profanado o Santuário de Nossa Senhora Aparecida no último dia 12, dia da padroeira do Brasil. Na ocasião, o presidente da República foi recepcionado pelos fiéis com vaias e alguns aplausos. Segundo o manifesto, o presidente da República “usa e abusa da fé como palanque político e tenta reverter suas seguidas derrotas políticas apelando à religião”[8]. Ninguém duvide das intenções de Bolsonaro: mais uma vez, queria aparecer. Desde a candidatura à Presidência do Brasil, continua usando de muitas igrejas, evangélicas, neopentecostais e também setores da igreja católica, para conquistar, ou reconquistar uma popularidade que não tem mais. Sua necropolítica, acima de tudo, é anticristã. Lembrando: por causa das suas decisões políticas irracionais, suas criminosas omissões sanitárias na má gestão do enfrentamento da pandemia do Covid-19, o País chora as mais de 603.000 vidas perdidas.

Na sexta feira, 15/10, foi celebrado o dia do professor. Convenhamos, a política educacional do governo Bolsonaro está tão desastrosa quanto as demais políticas sociais. O que foi o 1º ministro de educação, Ricardo Rodriguez, nascido em Bogotá, e professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, permaneceu pouco mais de três meses. Conservador liberal e anticomunista desde a época do regime militar, ameaçou fazer uma revisão total dos livros de história e implantar a ideologia da Escola sem Partido. Queria obrigar as crianças a citar diariamente o slogan eleitoral de Bolsonaro e cantar o Hino Nacional, como era costume no tempo da ditadura.

Abraham Weintraub ficou pouco mais de um ano à frente do Ministério. Fez cortes nas verbas para as universidades federais, mas teve que recuar posteriormente por causa de reiterados protestos. O ministro incentivou alunos e professores a fazerem denúncias de colegas que se pronunciassem contra a sua ideologia, até filmagem de professores em sala de aula. O que derrubou o Ministro foram as inverdades/mentiras que divulgava sobre seu currículo acadêmico e os frequentes erros crassos de língua portuguesa nas suas mensagens. Carlos Decotelli, nomeado em junho de 2020, nunca foi apossado.

O atual ministro, Milton Ribeiro, se mostra igualmente uma personalidade questionável. Pastor presbiteriano, recebeu muitas críticas por alguns de seus insanos pronunciamentos. Afirmou que o ensino do existencialismo – escola filosófica – incentiva os alunos a relações sociais. Já defendeu castigos físicos em crianças: a educação delas “não vai ser obtido por meios justos e métodos suaves” e que as crianças “devem sentir dor”[9]. Criança com deficiência, para o ministro, atrapalha as demais crianças e os professores. Os problemas na área da educação são de índole político-ideológica. Diz que o ECA é usado para justificar homicídios cometidos por menores.

Para alguns especialistas, Ribeiro deixa o MEC mais bolsonarista do que Weintraub. A mudança no método de alfabetização, o veto à diversidade no edital do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) e os erros no Fundeb (no começo do ano, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, de R$ 1,18 bilhão previsto, foram repassados R$ 766 milhões equivocadamente ao fundo) são alguns exemplos de que a “boiada está passando” na educação[10]. Os cortes nas verbas das universidades federais “têm sido uma doença crônica da educação brasileira”. Sua declaração de que “Hoje ser um professor é ser quase que uma declaração que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”[11]. Suas críticas infundadas ao maior filósofo educacional do Brasil, Paulo Freire, admirado e reconhecido no mundo inteiro, justo no ano do seu centenário, mostram com mais clareza sua tendência antipedagógica.

Há poucos dias, o governo cortou em 90% os recursos destinados à ciência e pesquisa[12], mostrando o quão pouco interesse tem pela soberania científica do país e confessando comportar-se como vassalo do neocolonialismo, sobretudo estadunidense. E o corte de 80% no orçamento para a cultura em 2021[13] é justificado por ser a cultura brasileira “degenerada”[14]. Quanta imbecilidade confessada publicamente por um Ministro da Educação!

Educação, Ciência e Cultura: três áreas essenciais para o desenvolvimento de uma nação, foram simplesmente esvaziadas e abandonadas por este governo federal. Nos próximos anos, com certeza, o Brasil terá árduo trabalho para recuperar o abandono idiótico destas políticas básicas. Sua reconstrução demandará um bom tempo e merece toda a nossa atenção nas próximas eleições, com muita responsabilidade escolhendo deputados, senadores, governadores e presidente. O voto mal dado pode trazer consequências desastrosas… é o que estamos sofrendo hoje.


[1] https://mundoeducacao.uol.com.br/datas-comemorativas/16-outubro-dia-mundial-alimentacao.htm (Acesso em 2021/10/15)

[2] https://sites.google.com/view/semanadaalimentacaors (Acesso em 2021/10/15)

[3] https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/relatorio-da-onu-ano-pandemico-marcado-por-aumento-da-fome-no-mundo (Acesso em 2021/10/15)

[4] https://www.ecycle.com.br/desperdicio-de-alimentos/ (Acesso em 2021/10/15)

[5] https://www.publico.pt/2021/07/20/ciencia/noticia/milionario-jeff-bezos-partiu-espaco-longe-rapido-1971077 (Acesso em 2021/10/15)

[6] https://www.alentejohoje.com/2021/10/15/ha-um-retrocesso-na-luta-contra-a-fome-alerta-indice-global-da-fome-2021/ (Acesso em 2021/10/15)

[7] https://mst.org.br/2021/10/14/via-campesina-brasil-ocupa-aprosoja-em-brasilia-nesta-quinta-feira-14/ (Acesso em 2021/10/15)

[8] https://www.extraclasse.org.br/politica/2021/10/400-padres-e-10-bispos-acusam-bolsonaro-de-profanar-santuario-de-aparecida/ (Acesso em: 16/10/21

[9] https://pt.wikipedia.org/wiki/Milton_Ribeiro_(pastor) (Acesso em 2021/10/15)

[10] https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/05/16/milton-ribeiro-mec-mais-bolsonarista-weintraub.htm (Acesso em 2021/10/15)

[11] https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/milton-ribeiro-paulo-freire-marxismo-ensino/ (Acesso em 2021/10/15)

[12] https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2021/10/entidades-se-manifestam-contra-corte-de-90-nos-recursos-da-ciencia.html Acesso em 2021/10/15)

[13] https://farofafa.com.br/2020/08/31/bolsonaro-corta-78-da-verba-para-a-cultura-em-2021/ (Acesso em 2021/10/15)

[14] https://www.causaoperaria.org.br/rede/uzwela/para-governo-bolsonaro-a-cultura-brasileira-e-degenerada/ (Acesso em 2021/10/15)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.