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Pacto das Catacumbas: padre pede graça e sabedoria para abrir olhos, mente e coração

Paulo Barausse é padre jesuíta e diretor do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – Sares)/Fotos de Luis Miguel Modino

Padre Paulo foi um dos signatários da renovação do Pacto das Catacumbas, cuja cerimônia e assinatura ocorreram neste domingo (20), com a participação de bispos e padres que estão no Sínodo da Pan-Amazônia, em Roma. O primeiro pacto foi em 1965, durante o Concílio Vaticano II, e destacou a opção preferencial da igreja pelos pobres. Confira o relato.

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 Poder pisar o chão sagrado da catacumba de Santa Domitila (em Roma) foi um momento de profunda emoção. Quando era menino lembro que assiduamente meu pai estava lendo sobre os mártires dos primeiros séculos. Confesso que o local irradia uma atmosfera de luz de muita consolação.

Existem causas para as quais podemos gastar a vida. Reconhecer que não somos donos da mãe terra, mas seus filhos e filhas, formados do pó da terra (Gn 2, 7-8), hóspedes e peregrinos (1 Pd 1, 17b e 1 Pd 2, 11), chamados a ser seus zelosos cuidadores e cuidadoras (Gn 1, 26). Para tanto, comprometemo-nos com uma ecologia integral, na qual tudo está interligado, o gênero humano e toda a criação, porque a totalidade dos seres são filhas e filhos da terra e sobre eles paira o Espírito de Deus (Gn 1, 2) (cf. Cláusulas, 2).

Padre Oscar Bezzo fez a memória: “Foi na Catacumba de Santa Domitila que em 1965 cerca de quarente bispos, na sua maioria da América Latina, assinaram o Pacto das Catacumbas, se comprometendo em levar uma vida simples e sem posse”. O texto era composto de treze cláusulas.

 

Pacto ampliado

Recordou que o Pacto foi assinado somente por bispos. “Nossa grande alegria é que hoje estão ampliando o Pacto com presbíteros, religiosas (as), agentes de pastorais, Leigos (as), lideranças indígenas, quilombolas e ribeirinhas etc”. Ao mesmo tempo fazemos lembrança dos que nos antecederam, nos sentimos inspirados em levar adiante o seu testemunho e legado, entregando a vida pelo Reino.

 

Memória viva

Alguns símbolos expressam esta dinâmica, este movimento. A estola que dom Cláudio Hummens (cardeal brasileiro) estava usando na celebração era de dom Hélder Câmara e também a túnica que era usada por dom Adriano Ciocca (bispo da prelazia de São Félix do Araguaia (MT) pertencia a dom Hélder. O cálice usado na celebração era do padre Ezequiel Ramin (italiano que atuou no Brasil, defendeu pequenos agricultores e foi assassinado em 1985). Isto me tocou profundamente e me vez refletir como estou vivendo meu Batismo. Como tenho pecado por omissão! Percebi que estes símbolos tocaram as mentes e os corações dos que estavam presentes.

“Vidas pela vida, Vida pelo Reino, como a vida d’Ele, do mártir Jesus. Foram nas catacumbas que os primeiros cristão derramaram seu sangue. Nesta catacumba está enterrada Santa Flávia Domitila (que foi uma romana da dinastia flaviana, neta do imperador Vespasiano (r. 69–79) no século IX) e assim como tantos outros.

 

Igreja com rosto amazônico

No início da celebração tivemos um momento profundamente significativo no qual os padres sinodais selaram o sangue com o polegar em um pano. Compromisso selado com uma Igreja com Rosto Amazônico. A gesto foi partilhado como os mais de 200 participantes que ali se encontravam.

Em sua homilia o cardeal Hummes nos recordou do compromisso assumido pelos primeiros cristãos. Este também deve ser nosso compromisso no atual contexto em que vivemos. Denunciou a cultura da morte e a idolatria ao dinheiro. A viúva do evangelho de hoje são os Povos Originários, os Pobres, a Mãe-terra, e eles não podem mais esperar.

Os que se opõem ao Sínodo são movidos pelas forças das trevas. Devemos caminhar juntos, em sinolalidade, em toda nossa missão, misterialidade, nos voltando para os mais vulneráveis e excluídos. A mim tocou profundamente suas palavras: “Até que certo ponto nossos projetos/obras da Companhia de Jesus (jesuítas) vêm cumprindo este mandato? Quais são realmente nossas preferências? Qual a proximidade que vivemos com os mais vulneráveis e excluídos? “.

 

“Ali, sentado em frente ao documento, com a caneta para assinar, pedi a Deus graça e sabedoria. Que Ele possa abrir meus olhos, minha mente e meu coração para escolher o que o vosso Espírito diz à Igreja na Amazônia”

 

Concluindo sua fala, ele enfatizou a importância da oração. Falou que a oração é que dá vida, que nos move para a construção do bem comum, do cuidado com a Casa Comum. Pois de nada adianta elaborarmos belos documentos se não formos pessoas de oração.

No final  da celebração o cardeal Hummes ofereceu a estola de dom Hélder para dom Erwin Kräutler (bispo emérito da prelazia do Xingu-PA). O gesto foi seguido por uma longa salva de palmas por todos os participantes. Percebi que foi um gesto de reconhecimento por tudo que dom Erwin tem feito em prol da nossa Amazônia.

 

Pacto com os povos originários

Após a Missa, dando continuidade ao Pacto de 1965 (Concilio Vaticano II), reassumimos o compromisso renovando-o com os pobres, atualmente representados pelos povos originários, chamados a “ser protagonistas da sociedade e da Igreja”. Rejeitando o projeto de morte, e uma economia que mata, que persiste em gerar tantas vítimas, optando por um projeto de vida, de humanização que o mártir Jesus nos chama a viver e a testemunhar. Projeto de vida que se coloca a serviço dos povos indígenas, sua identidade, seus territórios e seus modos de vida.

Nunca imaginei que um dia presenciaria um momento tão significativo como este. Também me considero uma pessoa que ao longo da vida lutou bastante para sobreviver. Ali, sentado em frente ao documento, com a caneta para assinar, pedi a Deus graça e sabedoria. Que Ele possa abrir meus olhos, minha mente e meu coração para escolher o que o vosso Espírito diz à Igreja na Amazônia.

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