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Rede de enfrentamento ao tráfico humano ganha núcleo em Cuiabá (MT); CEBs integram coordenação

Novo núcleo da “Rede Um Grito Pela Vida” tem primeira reunião em outubro.

Cuiabá (MT) agora tem um núcleo da “Rede Um Grito pela Vida”, cujo objetivo é enfrentar e acabar com o tráfico humano. O despertar da iniciativa ocorreu neste domingo (23), e coincide com o Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas e a chegada da primavera. Bons sinais!

A criação do núcleo foi uma das decisões tomadas durante um encontro de formação sobre a rede promovido pela Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), na Inspetoria Nossa Senhora da Paz, das Filhas de Maria Auxiliadora/Irmãs Salesianas, entre os dias 21 e 23. (Confira galeria de fotos ao final da matéria)

Houve apresentação da situação no país e no mundo, trabalho em grupo, debate e proposições. Destaque para a transmissão do filme “Anjos do sol”, que mostra a dura realidade do tráfico de crianças e adolescentes, e a cartilha “O sumiço de Carolina”, pelo caráter didático.

 

Onde mais acontece tráfico de pessoas em Mato Grosso é na fronteira internacional (com a Bolívia) e  divisas estaduais (com Goiás, Mato Grosso do Sul e Tocantins)

 

Um grande esforço deve ser feito, pois o tráfico humano afeta mais de 20 milhões de pessoas no mundo. Cerca de 75% das vítimas são mulheres e meninas para exploração sexual. Trata-se de um negócio nefasto, que gera 32 bilhões de dólares por ano (em torno de R$ 130 bilhões). Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Esse tipo de violência é a escravidão do século XXI. Sequestra a dignidade da pessoa, deixa marcas no corpo e na alma. Um crime hediondo”, comenta Roselei Bertoldo, 50 anos. Ela contribui com a articulação da rede da região Norte e foi uma das formadoras do encontro em Cuiabá.

“Na raiz do tráfico humano está o sistema capitalista, que trata as pessoas como mercadorias e aumenta as desigualdades sociais. Tem o machismo bastante presente na nossa cultura, a história da colonização do Brasil, a escravidão”, pontua Roselei, que é da congregação Irmãs do Imaculado Coração de Maria.

Val integra a coordenação nacional da “Rede Um Grito Pela Vida”.

“Teve uma vez que cheguei em casa, fui pra debaixo do chuveiro e passei uma hora chorando. Deu vontade de gritar. É um trabalho muito difícil, mas necessário”, conta Valmi Bohn, 53 anos. Ela viu inúmeras situações assustadoras, de um menino que era abusado pelo pai desde os dois anos, passando pela venda de meninas para garantir o sustento da família, até o envolvimento de autoridades no tráfico de pessoas.

Val, como é chamada, é Irmã da Divina Providência, integra a coordenação nacional da rede e ajudou a conduzir a formação.

 

Modalidades

Além da exploração sexual, o tráfico de pessoas engloba: trabalho escravo; exploração do trabalho infantil; adoção ilegal; servidão doméstica; tráfico de órgãos; tráfico de drogas, pequenos furtos e mendicância.

Conforme dados governamentais e da rede nacional, os locais onde mais acontece o registro de tráfico de pessoas em Mato Grosso estão espalhados pela fronteira internacional (com a Bolívia) e as divisas estaduais (com Goiás, Mato Grosso do Sul e Tocantins).

No estado, as modalidades mais frequentes são: trabalho escravo; exploração sexual; tráfico de drogas e atividades ilícitas; desaparecimento de crianças e adolescentes (três por dia, de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública). 

 

Rede de apoio

Com o núcleo, Mato Grosso se une a uma teia de proteção que envolve no Brasil 27 unidades, presentes em outros 23 estados e no Distrito Federal. A “Rede Um Grito pela Vida” tem dez anos, possui coordenações regionais e uma nacional e se concentra nos eixos: sensibilização e informação; organização de grupos de reflexão e estudo; capacitação de multiplicadores; participação e mobilização social e política.

As iniciativas do Brasil se integram a redes continentais e a uma instância mundial existente em 70 países, chamada Talitha Kum, que é uma organização de superioras gerais de congregações religiosas católicas. A padroeira das pessoas sequestradas e escravizadas é Santa Bakhita, que viveu de 1869 a 1947. Ela foi escravizada e vendida por diversas vezes no Sudão.

 

Thalita Kum significa “Menina, eu te digo, levanta-te”. Vem do aramaico e está em Mc 5, 41. As palavras são ditas por Jesus à filha de Jairo, que parece morta. Após dizer isso, ele pega a mão da garota, que se levanta e começa a andar

 

A coordenação do núcleo em Cuiabá é formada por religiosas, leigas e leigos. Integram o grupo irmãs salesianas, da Divina Providência, Missionárias do Bom Jesus e Irmãzinhas da Imaculada Conceição, membros de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM), Economia Solidária e movimento da Consciência Negra.

Também auxiliam a equipe integrantes das Irmãs Azuis, comunicadores populares e a Associação de Haitianos em Cuiabá. Uma das ações é ampliar o número de entidades e voluntários.

Isso inclui contato com o poder público, empresas e iniciativas da sociedade civil organizada em níveis municipal, estadual, nacional e internacional. Algumas delas são Ministério Público, secretarias de Segurança Pública e demais áreas, universidades, escolas, Cáritas, pastorais sociais, outras igrejas, grupos LGBTs, conselhos tutelares, OIT, embaixadas.

A “Rede Um Grito Pela Vida/MT” começa a ser tecida.

Regina Lúcia Campos da Silva Santos, 44 anos, coordena a PMM em Cuiabá e veio somar forças com a iniciativa do CRB. Conforme ela, muitas mulheres começam a se  prostituir por falta de dinheiro e pelo apelo consumista da mídia, e a maioria quer deixar esta vida. “Já estou querendo saber quando nós vamos fazer as abordagens com as adolescentes e mulheres nas boates, trevos, feiras, postos de combustíveis”, menciona, entusiasmada.

A primeira reunião do núcleo vai ocorrer no dia 17 de outubro e uma pessoa será escolhida para representar o novo núcleo num encontro nacional, em São Paulo, entre 18 e 20 do mês que vem. Em breve a equipe vai realizar um estudo aprofundado sobre conceito, formas de exploração e atores sociais que participam do tráfico humano.

 

O núcleo pretende integrar o Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas

 

Aos poucos as formações podem incorporar novos aspectos, como questão de gênero, feminismo, patriarcalismo, direito sobre o próprio corpo, corrupção, novo modelo de desenvolvimento e políticas públicas.

Aberides Alves da Silva, 68 anos, atua na rádio comunitária Alternativa, em Várzea Grande (vizinha à Cuiabá). Ele ressalta a importância da criação do núcleo. “Tem que tocar na ferida. A gente que está de fora não vê o que acontece. Mas Cuiabá, por ser capital, precisa de atenção especial. Assim a gente consegue vigiar e difundir informações para a população”.

Leitura e debate auxiliaram no estudo do tema.

O grupo pretende, ainda, integrar o Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Cetrap/MT).

A irmã salesiana Maria de Nazaré Gonçalves de Lima, 65 anos, foi uma das organizadoras do encontro de formação. Ela é coordenadora de Comunicação da Inspetoria Nossa Senhora da Paz/Cuiabá, assessora as CEBs e ficou satisfeita com o resultado. Foi acompanhada na organização por Cleofa Marlisa Flach, da Divina Providência, e Maria Tereza Alves da Silva, das Irmãs Azuis. A iniciativa teve apoio institucional da congregação Divina Providência e do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora/FMA – Irmãs Salesianas em Mato Grosso.

“Agradeço a quem veio pra começar a tecer essa rede, a quem ouviu esse grito. Com o núcleo vamos entender melhor a situação e ajudar a enfrentar o tráfico humano. Vamos contribuir para que essas pessoas voltem a ter dignidade”, assinala irmã Nazaré.

Texto e imagens: Gibran Lachowski e Ana Paula Carnahiba, assessores do Regional Oeste 2 das CEBs/MT

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