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Roraima, uma Igreja samaritana com os imigrantes venezuelanos

Dom Mário Antônio da Silva, que não hesitou em colocar a Igreja local a serviço de quem muitos rejeitam, mostrando que a Igreja deve e deve ser misericordiosa, samaritana e curadora das feridas daqueles que mais sofrem.

O Papa Francisco faz continuamente um apelo a ser uma Igreja Samaritana, que cura as feridas daqueles que mais sofrem. Podemos dizer que a Igreja de Roraima está fazendo realidade o desejo do bispo de Roma, realizando um trabalho, por meio de pastorais, organismos, paróquias e áreas missionárias, que permite de algum modo diminuir o sofrimento dos imigrantes venezuelanos.

Só na capital do estado de Roraima, Boa Vista, estima-se que existam cerca de trinta mil venezuelanos, o que representa quase dez por cento da população total. Destes, cerca de seis mil estão em abrigos gerenciados pelo governo federal, sendo os únicos números oficiais reconhecidos, cerca de vinte mil amontoados em quartos alugados a preços abusivos, e pelo menos três mil percorrem as ruas e dormem nos parques e praças da cidade, no meio a uma tensão que aumenta a cada dia, alimentada pelo discurso político xenófobo, que de cara à eleição de outubro garante um elevado número de votos.

Entre os organismos e pastorais que trabalham no acompanhamento dos imigrantes cabe destacar o trabalho do Centro de Migração e Direitos Humanos – CMDH, administrado pela diocese, o Instituto para as Migrações e Direitos Humanos – IMDH, que depende das irmãs scalibrinianas, o Serviço Jesuíta para os Migrantes e os Refugiados – SJMR e a Pastoral da Criança, do Migrante e a Caritas.

Uma das grandes dificuldades encontradas pelos venezuelanos é obter documentos que lhes permitam estar no país e poder trabalhar. Até a semana passada só eram atendidas 40 pessoas por dia na Polícia Federal para emitir documentos. O número foi aumentado para 80 nos últimos dias, mas ainda é insuficiente para as mais de 500 pessoas que chegam todos os dias em Boa Vista.

Como reconhece Ronildo Rodrigues, do escritório do IMDH, eles tentam acompanhar os processos para que as crianças possam ter acesso a saúde e educação, destacando nas suas palavras o alto índice de crianças desnutridas, um aspecto que também aponta a irmã Telma Lage do CMDH, especialmente os indígenas warao. Outro problema é a presença de adolescentes e jovens sem documentos sozinhos nas ruas da cidade, o que favorece as várias formas de exploração e não torna possível encontrar trabalho de cateira assinada.

Desde o Serviço Jesuíta para os Migrantes e os Refugiados, onde também funciona Fé e Alegria, que acompanha diariamente 120 crianças imigrantes, o Padre Agnaldo Júnior diz que precisamos de um primeiro trabalho de escuta, aconselhamento e banir os mitos que acompanham os imigrantes e que criam um clima de medo entre eles. Após esse primeiro momento, desde o  SJMR estão sendo realizados vários cursos de garçom, vigia, manicure, pedicure e português, entre outros, que podem incentivar a integração no mercado de trabalho.

Nesse sentido, os jesuítas fazem um trabalho de intermediação entre os empresários de todo o Brasil e imigrantes em busca de emprego, auxiliando no desenvolvimento do currículo ou entrevistas via Skype, sempre com quem tem carteira de trabalho para impedir a exploração, uma prática muito comum no estado de Roraima, onde muitos aproveitam a necessidade dos outros, chegando a pagar dez reais por um dia de trabalho ou apenas um prato de comida. Recentemente, o coordenador do escritório do SJMR foi ameaçado de morte por seu trabalho com os imigrantes e teve que deixar a cidade.

A cada dia aumenta o número de venezuelanos que querem voltar para a Venezuela, motivados por situações de extremo sofrimento, mães com filhos pequenos que passaram meses vivendo nas ruas por falta de espaço nos abrigos. Aqueles que vivem nas ruas cada dia sentem mais medo da reação da população local, pois a tensão cresce a cada dia, até o ponto de ter medo de falar espanhol na rua. Muitos deles se reúnem em barracos improvisados nas proximidades dos albergues, onde vivem em condições degradantes, esperando por uma vaga que dificilmente aparece.

A Pastoral do Migrante, formada por um grupo de umas dez pessoas, iniciou nos últimos meses um trabalho mais aprofundado diante da avalanche de imigrantes. A Irmã Valdiza Carvalho, insiste na necessidade de capacitação para o trabalho dentro das próprias comunidades católicas, onde nem todo mundo tem uma atitude de acolhimento aos imigrantes e existe xenofobia. É importante saber acolher o irmão que chega.

A religiosa scalibriniana diz que há um esforço conjunto com a Polícia Federal e o Exército para facilitar a carteira de trabalho, especialmente dos imigrantes que vivem fora da capital e muitas vezes têm que percorrer longas distâncias para chegar, que por outro lado supõe um alto custo. Por outro lado, estão realizando, em parceria com diferentes instituições, cursos de português, o que facilita o processo de integração dos imigrantes. Também destaca as celebrações da Eucaristia em espanhol em algumas paróquias e comunidades.

O trabalho da Caritas está mais relacionado com o processo de interiorização no país, junto com outras Caritas de diferentes dioceses e com o apoio da Caritas brasileira, dos Estados Unidos e da Caritas Internacional. Este processo de interiorização acontece em três eixos, o primeiro seria o contato com a Igreja da Venezuela, o segundo o envio de imigrantes para diferentes partes do Brasil, onde são acolhidos e acompanhados pelas Caritas diocesana e a geração de renda no próprio Estado de Roraima. Até agora, mais de uma centena de pessoas foram enviados com recursos da diocese, uma tarefa necessária dado o excesso de burocracia do projeto de interiorização desenvolvido pelo governo brasileiro e cujo objetivo principal é tirar os mais vulneráveis de Roraima.

Outro problema que é sugerido pela Caritas é o de mulheres com crianças pequenas deambulando nas ruas. Um trabalho de abordagem está sendo realizado para favorecer um diálogo que possibilite a busca de alternativas. Nesse sentido, reconhece-se que um dos principais problemas sofridos pelos imigrantes é a falta de informação. Junto com isso, especialmente nas comunidades da Igreja Católica, é necessário realizar um trabalho de aproximação, criar laços e ajudar a uma integração mais rápida da população imigrante.

Estes são apenas alguns exemplos das muitas ações realizadas pela Igreja de Roraima, muitas emergenciais, como acontece na Paróquia de Nossa Senhora da Consolata onde são distribuídos diariamente mais de 1.500 cafés da manhã e o mesmo número de almoços. Não podemos esquecer a presença e incentivo constante neste trabalho louvável feito por tantas pessoas, sacerdotes, religiosos e leigos, muitas vezes voluntários, de Dom Mário Antônio da Silva, que não hesitou em colocar a Igreja local a serviço de quem muitos rejeitam, mostrando que a Igreja deve e deve ser misericordiosa, samaritana e curadora das feridas daqueles que mais sofrem. Sem dúvida, um exemplo a seguir neste tempo, quando o Sínodo da Amazônia nos chama a procurar novos caminhos para a Igreja.

Por Luis Miguel Modino

 

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