Shadow

Uma Igreja pascal e a construção de um Brasil mais justo. Considerações sobre a 57° Assembléia Geral da CNBB. Marcelo Barros

De vários irmãos e irmãs, me chegam pedidos para comentar a assembleia da CNBB que está se encerrando agora (a 57ª) e como avalio as eleições para a presidência e as diversas instâncias de coordenação da conferência dos bispos. Não acompanhei de perto os trabalhos, não segui todas as informações sobre o andamento da assembleia e preferi não emitir juízo de valor sobre os bispos eleitos para a presidência da CNBB nesses quatro anos.

Concordo que, no momento atual brasileiro, a CNBB e sua presidência têm um papel importante em relação ao povo e aos poderes constituídos. Desde os tempos da ditadura e pela ação de bispos profetas dos quais temos muita saudade, a CNBB cumpriu importante papel social e político. Muitas vezes e em momentos determinantes da nossa história recente, soube ajudar o conjunto da Igreja Católica no Brasil a viver sua missão de serviço ao povo e testemunho do projeto divino no mundo. Além disso, se constituiu como força representativa no diálogo com toda a sociedade e com os poderes constituídos para avançarmos mais no caminho de uma verdadeira e consolidada democracia. Não somente democracia constitucional, garantida por eleições formais, mas a luta para conquistarmos justiça e democracia econômica, sem a qual não existe verdadeira liberdade e cidadania para todos.

Essa 57ª assembleia geral da CNBB publicou uma Mensagem ao Povo Brasileiro. Sem dúvida, foi importante serviço às forças democráticas, denunciar que “a opção por um liberalismo exacerbado e perverso (qual liberalismo não é exacerbado e peverso?) vai contra as políticas sociais e favorece mais ainda as desigualdades”. Os bispos chamaram atenção para que as tais reformas já em andamento como a trabalhista e a da previdência têm aumentado o desemprego, (13 milhões de desempregados e 29 em trabalhos precários e provisórios). Denunciaram as ameaças que pesam sobre os povos indígenas e o agravamento da crise ética, política e econômica (e a ecológica???).

Para o momento atual brasileiro, foram palavras movidas por verdadeiro amor pastoral e que só podemos agradecer a Deus. O que desejamos é que essas palavras de nossos pastores se traduzam em compromisso efetivo de cada bispo e do clero de suas dioceses no apoio aos movimentos sociais que trabalham por essas causas que os bispos defenderam nesse documento.

Como é sempre bom manter nossa vocação profética, sem ceder ao pessimismo, gostaria de confessar uma impressão na qual posso estar enganado (Deus queira). A impressão que me dá ao ler a excelente mensagem dos bispos é que ela é para o mundo de fora das paróquias, conventos e grupos católicos predominantes na nossa Igreja. Ao mundo da imprensa, dos analistas sociais, essa mensagem vem como luva na mão. Excelente.

Mas, o desafio é que os bispos insistam e formem as comunidades e os padres de suas dioceses na linha dessa mensagem. Não sei em quantas paróquias essa mensagem será lida e apreciada. Nem sei quantos padres a lerão. Quanto mais fica difícil saber quantos a divulgarão entre os seus fieis que acham que Igreja não tem nada a ver com o compromisso social e a cidadania. Será que o não pequeno grupo de padres e mesmo bispos que votaram em Bolsonaro e continuam convictos de serem cristãos optando pelo ódio e pela intolerância se reconhecem nessa mensagem e essa palavra do episcopado em seu conjunto mudará alguma coisa nessa imensa parte da Igreja aprisionada ao modelo de Cristandade medieval e autorreferente adorando um Deus narcisista, pouco amoroso e praticamente indiferente à vida do povo?

Os bispos que assinaram essa mensagem não são responsáveis por qual padre escolhem para formar seus seminaristas? Não têm critérios sobre quem escolhem para dar conferência aos padres, quem prega retiros para os padres e quem fala nas reuniões do clero? Ou uma coisa nada tem a ver com a outra e sou eu que estou enganado?

Não gostaria que algum irmão ao ler isso aplicasse a nossos pastores de Igreja um pensamento frequente nos dias atuais quando se fala de Política: “temos de nos habituar a nos satisfazer com o menos pior”.

Deus nos ajude a que, ao se tratar de Igreja, o horizonte seja maior e mais profundo e a expectativa que nos move seja de uma Igreja pascal e em saída, como propõe o papa Francisco. Oremos para que essa sociedade mais justa e igualitária que os bispos pedem possa começar nos próprios ambientes eclesiais e, como propunha um dos santos padres do século IV, possamos viver a Igreja como ensaio da nova sociedade e do mundo como Deus deseja que esses sejam.

Marcelo Barros

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.