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Vida e Morte da teologia da Libertação. Fernando Altemeyer Júnior

A tarefa da teologia é produzir remos para que o barco da Igreja se lance ao mar e, submetida ao Espírito Santo, acuda os náufragos que confiam suas frágeis existências àqueles que conduzem os instrumentos de salvação guiados pelo Pai de Jesus Cristo.

Os teólogos da América Latina e Caribe assumiram a chave interpretativa proposta por Simone Weil: “a plenitude do amor ao próximo é simplesmente ser capaz de perguntar: qual a tua aflição?”. A Teologia da Libertação quer pensar a fé cristã respondendo às perguntas dos aflitos. A Teologia da Libertação continua viva ao preocupar-se com os novos pobres do continente e assumir-se como uma teologia da compaixão.

Uma primeira Instrução Vaticana condenara, em 1984, o uso do marxismo na teologia católica e muitos disseram que fora a certidão de óbito dessa teologia. Uma carta do papa João Paulo II dirigida ao episcopado brasileiro, de 9 de abril de 1986, pede, entretanto, que não se abandone a tarefa necessária desse fazer teológico: “…estamos convencidos, nós e os senhores, de que a Teologia da Libertação é não só oportuna, mas útil e necessária. Ela deve constituir uma nova etapa – em estreita conexão com as anteriores – daquela reflexão teológica iniciada com a tradição apostólica e continuada com os grandes padres e doutores, com o magistério ordinário e extraordinário e, na época mais recente, com o rico patrimônio da doutrina social da Igreja expressa em documentos que vão da Rerum Novarum a Laborem Exercens”. E insiste: “Os pobres deste país, que tem nos senhores os seus pastores, os pobres deste continente são os primeiros a sentir urgente necessidade deste evangelho da libertação radical e integral. Sonegá-lo seria defraudá-los e desiludi-los”.

A certeza básica de qualquer teólogo “é a de que só é teologia aquela reflexão sobre a fé em que o ‘lumen fidei’ da revelação divina é o princípio último e o critério da verdade (padre Félix Pastor, sj)”. O teólogo é movido pela palavra de Deus. Produz teologia sob o manto do Espírito de Deus na rigorosa disciplina mental auscultando os desígnios de Deus e confrontando-os com a realidade. A Teologia da Libertação não morreu, pois é um caminho místico: “Aquilo mesmo mediante o qual a teologia é ciência é aquilo pelo qual ela é mística (Marie-Dominique Chenu)”.

Essa escola espiritual é feita de larga tradição de muitos patriarcas e matriarcas: Bartolomeu de las Casas, São Pedro Claver, São Martinho de Lima, Francisco Solano, Toribio de Mongrovejo, Santa Rosa de Lima, Santo Antonio Maria Claret, José Antônio Pereira Ibiapina, Juventude Universitária Católica, Comunidades Eclesiais de Base, Paulo Freire, Candido Padim, Richard Shaull, Rubem Alves, Hugo Assmann, Leonardo Boff, Carlos Mesters, Clodovis Boff, João Batista Libanio, Jurgen Moltmann, Johan Baptist Metz, Karl Rahner, Edward Schillebeckx, Jean-Yves Congar, Fernando Gomes, Manuel Larrain, Ivone Gebara, Milton Schwantes, Orestes Stragliotto, Frei Betto, Elza Tamez, Antonio Cecchin, Ronaldo Munhoz, Raul Vidales, Enrique Dussel, Franz Hinkelammert, Enrique Angelelli e Gustavo Gutiérrez entre tantos outros.

E neste largo peregrinar da fé dos pequeninos assume os versos de Drummond: “Como vencer o oceano se é livre a navegação, mas proibido fazer barcos?”.

A tarefa da teologia é produzir remos para que o barco da Igreja se lance ao mar e, submetida ao Espírito Santo, acuda os náufragos que confiam suas frágeis existências àqueles que conduzem os instrumentos de salvação guiados pelo Pai de Jesus Cristo.

Testemunhas fiéis dessa ação de amor preferencial aos pobres são os mártires que tombaram na luta contra a injustiça. São os filhos amados da Igreja que oferecem o óbolo de suas vidas: Santo Dias da Silva, Adelaide Molinari, Cleusa Nascimento, Dorothy Stang, Josimo Moraes Tavares, Ezequiel Ramin, Rodolpho Lunkenbein, João Bosco Penido Burnier, Oscar Romero, Enrique Angelelli, Antonio Pereira Neto, Francisco de Pancas, Purinha de Linhares, Paulo Vinhas de Vitória, Verino Sossai de Nova Venécia e Gabriel Felix Roger Maire. Leigas, religiosas e sacerdotes que sofrem perseguição ao viver na carne o amor aos aflitos. Há hoje quem censure bispos como d. Luciano Mendes de Almeida, d. Ivo Lorscheiter, d. Adriano Hypolito, d. Pedro Casaldáliga e o próprio cardeal Paulo Evaristo Arns por misturarem o vinho forte da sabedoria de Deus com a água do compromisso social. Eis a resposta de Santo Tomás: “Para o teólogo que faz bem seu trabalho, o vinho não é enfraquecido com a água, é antes a água que se transforma em vinho”. Ou parafraseando Blaise Pascal: “Todas as teologias não valem um gesto autêntico de solidariedade com os pequeninos”.

 

Fernando Altemeyer Júnior
Teólogo, doutor em ciências sociais, professor nas Faculdades Claretianas, na UNISAL, na EDT e na PUC-SP
Fonte: Site Teologia da Libertação.

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