Uma das realidades a ser incorporada na construção do Sínodo da Amazônia é o esforço que populações marginalizadas e entidades de apoio desempenham para superar a violência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no campo em Mato Grosso.
Esse sinal foi dado durante o 2º Seminário da Rede Eclesial Pan-amazônica (Repam)-MT, ocorrido nos dias 17 e 18 em Cuiabá, em preparação ao grande evento chamado pelo papa Francisco e marcado para outubro de 2019 em Roma.
O objetivo do Sínodo é a busca de uma espiritualidade e uma eclesialidade amazônicas. A intenção leva em conta os países da Pan-Amazônia (Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana Francesa, Guiana Inglesa, Suriname e Brasil).
Trata-se de uma área com 7,8 milhões de quilômetros quadrados, 33 milhões de pessoas, incluindo 1,5 milhão de indígenas de 385 povos.
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Condição fundamental
O objetivo do Sínodo só será atingido se houver um olhar especial para os quilombolas, pequenos produtores rurais e indígenas. É o que defende o coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT)-MT, Cristiano Apolucena Cabral, de 33 anos.
Em sua exposição durante o seminário, ele afirmou que o modelo de desenvolvimento do estado baseia-se na violência institucional.
“O progresso pelo agronegócio, hidronegócio, mineração e extração de madeira atinge áreas de quilombolas, indígenas e assentamentos. As pessoas são retiradas dos seus locais e daí ocorre a violência, o conflito”, disse Cabral. Ele também é doutorando em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“E ainda tem a concentração de terra e a grilagem dos grandes. Violência física, trabalho escravo, violência emocional, assassinatos. E tudo isso com o apoio do Executivo, Legislativo e Judiciário, direta ou indiretamente envolvidos, além do apoio da mídia. Há muitas denúncias inclusive que não viram boletins de ocorrência, e quando viram, pouca coisa é feita, porque parte da Polícia está envolvida”, completou.
O quadro da violência
Sob o título “O capitalismo vai ao campo”, o coordenador da CPT/MT apresentou uma série de dados sobre a violência em Mato Grosso. Os números são de 2014 a 2016 e apontam crescimento nos conflitos de terra, cidades envolvidas e pessoas atingidas. A violência gerou redução no número de ocupações. Confira os dados no quadro abaixo.
Os dados da CPT/MT também apontam que de 2014 a 2016 o número de manifestações populares aumentou de 24 para 38, mobilizando de 3,4 mil para 7,2 mil pessoas. A entidade mostrou, ainda, o registro de milhares de casos de trabalho escravo em Mato Grosso entre 1995 e 2016. E que entre a década de 80 e o ano de 2017 houve nove chacinas.
O que fazer?
“Não tem como desistir! Temos de fazer uma luta direta contra o Estado e contra o poder econômico do agronegócio, hidronegócio e mineração”, afirmou Cabral.
Essa luta deve ocorrer pelos caminhos político, jurídico, organização popular e ocupações. Afinal, trata-se de direito social e sobrevivência, ressaltou o coordenador.
“E denunciar sempre. Denunciar em nível estadual, nacional e internacional. As pessoas que consomem os produtos na exportação devem saber que consomem o sangue de pessoas morrendo. Devem saber que agronegócio, hidronegócio e mineração são veneno na natureza, concentração de terra, violência física e emocional, trabalho escravo e assassinatos. O lucro não pode estar acima das vidas das pessoas”.
Ação pela paz
Nesse contexto de superação da violência, ganham força ações que estimulem a cultura da paz. Apoiado no tema da Campanha da Fraternidade deste ano e na dura realidade social, a diocese de Juína vai promover um mutirão de visitas e uma caminhada pelas ruas.
A ação será feita em maio no município de Colniza, onde no ano passado nove trabalhadores rurais foram assassinados por fazendeiros a mando de jagunços. A ocorrência foi na Gleba Taquaruçu do Norte. Em Colniza também foram assassinados o prefeito e um ex-vereador em 2017.
“A Repam vai nos ajudar a fazer o trabalho de visitas às casas. Vamos levar uma mensagem de paz, diálogo, superação da violência. A caminhada terá paradas em órgãos públicos, como delegacia, prefeitura e Ministério Público. Ao final vamos ter uma grande celebração em nome da paz”, informou dom Neri José Tondello, 51 anos, bispo de Juína e referencial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)/MT.
Por Giran Luis Lachowski, Comunicação das CEBs/MT, Regional Oeste 2; fotos de Ana Paula Carhahiba, Comunicação das CEBs/MT, Regional Oeste 2