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XXIII Assembleia Geral do CIMI elege novo secretariado e divulga documento final.

“Temos de ter coragem nesse momento de aflição no país, a coragem dos povos indígenas, inclusive na espiritualidade”,

Assembleia Geral do Cimi chega ao fim com prioridades definidas e missionários e missionárias motivados

Da esquerda para a direita: dom Roque (presidente), Irmã Lúcia (vice-presidente) e Antônio Eduardo C. Oliveira (secretário executivo). Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi

POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO – CIMI

Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), foi reconduzido à missão de presidir o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) pelos próximos quatro anos. Os delegados e delegadas da XXIII Assembleia Geral da entidade, que se encerrou na manhã desta sexta-feira (13), elegeram também a nova vice-presidente, Lúcia Gianesini, e o novo secretário executivo, Antônio Eduardo C. Oliveira.

“Me coloco novamente a serviço do Cimi na perspectiva da solidariedade e do compromisso com a causa indígena”, disse dom Roque Paloschi. Para o presidente reeleito do Cimi, o testemunho deve falar mais do que as palavras. “Temos de ter coragem nesse momento de aflição no país, a coragem dos povos indígenas, inclusive na espiritualidade”, afirmou. “No processo de escuta sinodal (Sínodo da Amazônia) ouvimos muitos clamores. Façamos com que a presença do Cimi nas aldeias seja uma presença de esperança, alento e comunhão”.

“Nesses cinco dias de Assembleia fomos despertados pelo testemunho dos povos indígenas e motivados a partir das nossas lutas e sonhos”

Para a vice-presidente do Cimi, Irmã Lúcia, catequista franciscana, com atuação junto ao Cimi Regional Sul – Equipe São Paulo, a Assembleia Geral ocorre em um dos períodos mais obscuros da política nacional, com repercussões extremamente negativas aos povos indígenas, além de muitas incertezas e dor. No entanto, acredita que “é um momento também de renascimento da esperança. Os missionários e missionárias se fortalecem junto aos povos indígenas”.

O encontro foi, sobretudo, a ocasião em que os missionários e missionárias debateram o projeto de transformação social do Cimi. “Nesses cinco dias de Assembleia fomos despertados pelo testemunho dos povos indígenas e motivados a partir das nossas lutas e sonhos. O objetivo foi um só: estabelecer um projeto de vida plena para todos e todas. Saímos com muita disposição para continuar com a nossa caminhada”, afirmou o novo secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo C. Oliveira, que já coordenou o Cimi Regional Leste e atualmente trabalha na região de Itabuna.

No final da manhã desta sexta, o documento final da XXIII Assembleia Geral do Cimi foi lido e aprovado pelos presentes. Leia na íntegra:

Integrantes do Secretariado Nacional do Cimi de ontem, hoje e os eleitos nesta XXIII Assembleia Geral. Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi

Documento Final da XXIII Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário – Cimi

Tiraram nossas folhas, cortaram nossos galhos, cortaram nossos troncos, mas não arrancaram nossas raízes, por isso resistimos e estamos lutando por nossos direitos”

[Mensagem proferida por lideranças indígenas durante o evento]

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) realizou, de 09 a 13 de setembro de 2019, em Luziânia, Goiás, a sua XXIII Assembleia Geral, que teve como tema “Em defesa da Constituição, contra o roubo e devastação dos territórios indígenas” e o lema “Alto lá! Esta terra tem dono!”. Esse importante momento de encontro, espiritualidade, análise e reflexão da realidade socioeconômica, política e indigenista contou com a participação de missionárias, missionários, lideranças indígenas, bispos, superioras de congregações religiosas e representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), de entidades aliadas, movimentos sociais, pastorais do campo e Ministério Público Federal (MPF).

O Cimi avalia com imensa preocupação a realidade brasileira e denuncia que está em curso um processo de corrosão das políticas públicas, especialmente daquelas destinadas aos mais pobres e aos grupos populacionais historicamente massacrados e discriminados. O governo de extrema direita, conduzido por Jair Bolsonaro, associa-se às grandes corporações transnacionais do capital para organizar o desmantelamento da Constituição Federal de 1988 e a aniquilação de direitos conquistados por meio da luta, da mobilização e da articulação social.

As manifestações públicas do atual governo, com seus discursos de ódio, associadas às suas políticas de desmonte, têm gerado ondas de violência contra os povos, desmatamentos, queimadas, invasões de territórios e a promessa de que não se demarcará nenhum centímetro de terras para os indígenas. Combinado a isso, o governo promoveu a desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) deixando-a sem recursos orçamentários para a realização de suas ações de proteção e fiscalização dos territórios. Em pequenas áreas ou acampamentos de comunidades Guarani, Kaiowá, Kaingang e outros povos existe fome em função da paralisação de todos os programas assistenciais. Ou seja, o governo não demarcará as terras e promove a antipolítica indigenista no país.

Há também os retrocessos em relação aos direitos trabalhistas e previdenciários, de acesso à saúde e à educação. Está em curso o dilaceramento da educação universitária pública, o corte drástico no desenvolvimento de pesquisas acadêmicas e científicas, especialmente nas ciências humanas, causando um atraso irreversível do Brasil no concerto das nações. Este (des)governo tem combatido veementemente as políticas de ações afirmativas, as reservas de vagas para pobres, negros e indígenas, além do ingresso e a permanência destes nas universidades.

Essas políticas já estão causando a devastação quase irreversível da natureza, o aniquilamento de comunidades rurais, ribeirinhas, pescadoras, quilombolas, caiçaras e o genocídio de povos indígenas. A expectativa do governo e das empresas exploradoras, que com ele se aliam, é de obtenção de lucros fartos a qualquer custo, e com desastrosas consequências ambientais e humanas. Promove-se a abertura de um novo ciclo de acumulação capitalista, no qual os empresários estão desobrigados de responsabilidades sociais, como a promoção e a proteção da dignidade da pessoa humana e de todos os seres da natureza. Como estratégia, estimula-se a violência, a criminalização e encarceramento de líderes sociais, ambientalistas, indígenas, indigenistas e de políticos que fazem oposição a proposta de governo.

Os discursos e as políticas do presidente da República propagam o ódio e a falsa política associado ao enraizamento, no interior do Poder Executivo, do fundamentalismo ideológico que gera preconceitos, individualismos e alienação, colocando em curso um projeto de aniquilação de direitos individuais e coletivos dos povos originários e tradicionais, de sem terras, sem tetos, mulheres, negros, LGBTQIs e migrantes. Deflagrou-se um processo de perseguição, ameaças e criminalizações de todos os sujeitos que visam construir um mundo plural e democrático, onde os direitos humanos sejam respeitados.

O Cimi, fiel ao Evangelho, se solidariza com todas e todos que estão sendo perseguidos e que têm seus direitos desrespeitados. Se solidariza com os familiares de Maxciel Pereira dos Santos, colaborador da Funai assassinado a tiros em Tabatinga (AM), no Dia da Independência. Ele trabalhava na base de operação indigenista do Vale do Javari, atacada quatro vezes desde 2018, e fiscalizava a ação de invasores à Terra Indígena habitada, inclusive, por povos livres. Da mesma forma, repudia os sucessivos ataques sofridos pelos indígenas Guarani Kaiowá do tekoha – lugar onde se é – Nhu Vera, em Dourados, que na madrugada do dia 12 de setembro foram atacados a tiros, deixando vários feridos, inclusive com armas de fogo. Segundo informações dos indígenas, são capangas de pequenos sítios localizados próximos a retomada, que estão agindo contra a comunidade.

O Cimi se solidariza com os povos, comunidades e suas lideranças e aliados que sistematicamente sofrem ataques contra seus corpos e têm seus territórios devastados pelos agrotóxicos que envenenam as terras, rios e lagos, pela invasão de fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros, pelas hidrelétricas, pelo hidronegócio ou quando suas matas são consumidas por incêndios criminosos. As terras indígenas são bens da União e, portanto, cabe a ela protegê-las. E se há qualquer iniciativa de violação da soberania, com a entrega de terras indígenas para países ou empresas estrangeiras, essa violação é do governo e não dos povos que têm, pela Constituição Federal, o direito ao usufruto exclusivo das áreas demarcadas.

Vive-se um tempo de Kairós, depois do anúncio do Sínodo da Amazônia, momento profícuo de profunda reflexão acerca da defesa dos povos, das culturas e da natureza de toda aquela vasta região e que se constitui num patrimônio do mundo. Em encontro recente com líderes das comunidades amazônicas, o papa Francisco os lembrou: “se, para alguns, sois considerados um obstáculo ou um estorvo, a verdade é que vós, com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência de um estilo de vida que não consegue medir seus custos. Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum” (Papa Francisco, dia 19/01/2018, em Puerto Maldonado).

Na XXIII Assembleia Geral se reafirmou o compromisso com as lutas dos povos indígenas pela garantia de seus territórios, a Pacha Mama, e no apoio às suas estratégias de resistência, através de autodemarcações e autoproteção para a manutenção de seus direitos originários, do indigenato, que não foi revogado ao longo dos séculos. Há comprometimento do Cimi com a defesa de suas culturas, línguas, crenças, tradições e organizações sociais.  E, nesse sentido, aprovou como prioridades de ação para os próximos dois anos: terra, água e território; a defesa da Constituição Federal de 1988, com particular atenção à defesa dos direitos originários dos povos indígenas; e apoio aos povos e comunidades que vivem em contextos urbanos.

No entender do Cimi é imperioso que se promovam campanhas no sentido de responsabilizar o governo brasileiro pelas violências que promoveu ao longo dos últimos meses contra os povos indígenas, mas de modo gravíssimo coloca em risco a existência de grupos que vivem em situação de isolamento, numa dolorosa realidade de que povos venham a ser exterminados, configurando-se prática de genocídio. O governo brasileiro incorre em crimes contra a humanidade e contra o meio ambiente, comumente chamado de “ecocídio”. Por tudo isso, o Cimi apoia as iniciativas, em âmbito internacional, no sentido de que se façam sanções aos produtos brasileiros quando produzidos ilegalmente em terras indígenas e a base de práticas criminosas como as queimadas, invasões, arrendamentos e grilagens.

Apesar de todas as violências praticadas contra os povos indígenas, vivemos tempos de discernimento e esperança. Apesar da política de corrosão de direitos e territórios, haverá o tempo de sua retomada e consolidação. Apesar das cinzas da devastação, os povos hão de regar a terra, plantar e colher os seus frutos.

Pela demarcação, proteção e fiscalização dos territórios indígenas, pela titulação dos territórios quilombolas e reforma agrária, por uma agricultura camponesa, em defesa da Constituição Federal e da Vida, seguiremos em marcha, proclamando a Boa Nova da Justiça e Solidariedade universal.

“Somos sementes teimosas” (Rosa Guarasugwe)

Luziânia, Goiás, 13 de setembro de 2019

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