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AS MINAS QUE SÃO COVAS DE MORTE

por Dom Beto Breis, Bispo de Juazeiro (BA)

Naquele dia, nascerá uma haste do tronco de Jessé e, a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor; sobre ele repousará o Espírito do Senhor: trará justiça para os humildes e uma ordem justa para os homens pacíficos… Não haverá danos nem mortes por todo o meu santo monte” (Isaías 11,1.4.9)

Movido pela Esperança celebrada e reavivada pela Liturgia nestes dias de Advento e comovido pela dor de tantos irmãos atingidos e ameaçados por empresas ligadas à mineração nestas terras da Bahia escrevo estas palavras, pra que ao grito das vítimas de Mariana e Brumadinho ressoe também o clamor de tantas pessoas e comunidades atingidas e ameaçadas por tais empreendimentos e suas ilusórias  promessas de progresso. Nem sempre a morte semeada e cultivada pelos que colocam no centro o lucro e seus interesses se manifesta abrupta, como nas Minas Gerais, mas muitas vezes vem em conta-gotas, aos poucos, gerando não menos dor e indignação.

Na segunda metade do século XVII, as populações indígenas nativas destas margens do São Francisco viviam e sobreviviam ameaçadas por ávidos exploradores e aventureiros de toda espécie em busca de ouro e pelos que se diziam proprietários das terras, “doadas” como sesmarias.  Passados mais de três séculos, a situação de injustiça e de desrespeito aos direitos e à vida das populações locais nestas terras são franciscanas persiste, com vestes imorais de legalidade que cobrem os gananciosos por minérios e terras. Mineradoras e pretensos proprietários (grileiros) ferem a qualidade de vida e ameaçam famílias que há gerações convivem com o semiárido e aproveitam das benesses de um rio generoso e perene.

Moradores de diversas comunidades, não apenas no âmbito de nossa Igreja Particular de Juazeiro, vem sofrendo os efeitos da presença de mineradoras e da chegada de outras dessas empresas. Trago aqui, por exemplo, o drama vivido desde 2005 pelas mais de trezentas famílias que formam a população de Angico dos Dias, no município de Campo Alegre de Lourdes. O ar poluído pela poeira tóxica expelida no processamento de fosfato em uma pequena serra junto à comunidade (por vezes formando densas nuvens) tem gerado enfermidades respiratórias e dermatológicas das mais diversas. A lagoa, até então portadora da irmã água “útil, preciosa e casta” (como decantava São Francisco), está morta. Em visita recente à comunidade pude ouvir os lamentos de habitantes, muitos deles idosos, que sofrem também com os impactos de explosões provocados por empresa mineradora (comprometendo estruturas de casas e de indispensáveis cisternas) e as ameaças de grileiros que chegam com “documentos” negando o direito à terra de quem vive em espaços sacralizados pelos firmes passos dos seus antepassados.

Em Sento Sé, comunidades às margens do Velho Chico, ainda com feridas não cicatrizadas desde os tempos da construção da Barragem de Sobradinho (nos anos 70), afirmam serem desrespeitadas por empresas mineradoras, que se instalam na proximidade da Serra da Bicuda como se toda a área vizinha fosse “terra de ninguém”. E aí moram aproximadamente mil e trezentas famílias! Afirmam peremptoriamente que a instalação da mineradora foi autorizada e anunciada por órgãos competentes sem que fossem ouvidos aqueles que sofrerão seus impactos em suas vidas e na natureza com a qual tem uma relação de interdependência, a começar pelas águas do Velho Chico.  Em encontro há algumas semanas com moradores dessas comunidades saí impressionado com seus relatos angustiantes e com sua indignação. Certa moradora, relembrando as dores persistentes desde os anos 70, fala do progresso prometido com a Barragem de Sobradinho, que “ainda não chegou”, e se pergunta: “o que fizemos para merecer tanto castigo?”. Outra jovem senhora, por sua vez, porta também os sentimentos dos demais afirmando que “Deus está ao nosso lado, pois ele é o dono de tudo”. Alegramo-nos, por outro lado, com a presença da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) junto às populações, que assim se sentem fortalecidas e apoiadas em sua luta e na defesa dos seus direitos inalienáveis. A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – já compôs uma Comissão Episcopal Pastoral Especial sobre Ecologia Integral e Mineração (CEEM), para focar atenção especial nos graves e preocupantes reflexos da mineração em todo o território nacional.

Cremos firmemente que as autoridades constituídas em todas as esferas, no seu dever de atuarem no “campo da caridade mais ampla, a caridade política” (Papa Pio XI, em 1927) têm a tarefa de ouvir as populações em questão e tomarem a defesa dos seus interesses. Bem afirma o Papa Francisco em sua mais recente Encíclica:  “além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das finanças, devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas sociais alternativas de que precisamos” ( Fratelli Tutti, 168).

Neste dia em que finalizo este texto, recordamos o Beato Charles de Foucauld (+ 1916), o “Irmão Universal”, que em correspondência ao bispo Monsenhor Guérin, escreveu: “Eu aprendi a mesma coisa, a defender os inocentes, os fracos, desde que sejam atacados…  e isto é um dever evidente da caridade fraterna”. Faço minhas as suas palavras, pedindo ao Senhor que sustente essas populações em suas lutas e anseios. Que o tempo novo que Ele anunciou pelo Profeta Isaías, tempo que “trará justiça para os humildes e uma ordem justa para os homens pacíficos”, logo se faça plenamente presente entre nós.

Fonte: Site da CNBB

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