O migrante é um sujeito de direitos. O Brasil é um país de migrantes.
A onda de xenofobia praticada contra os migrantes da Venezuela tem crescido muito na Amazônia nos últimos tempos. Vale esclarecer que muitos migrantes que saem da Venezuela para outros países, incluindo o Brasil, não são venezuelanos. Há muitas ocorrências de processos de “múltiplas migrações” de cubanos, colombianos, haitianos e até mesmo brasileiros que viviam na Venezuela e agora encontram em processo migratório.
Isso revela que a Venezuela, até bem pouco tempo, representava um país de acolhida a migrantes de diversas nacionalidades. O que ocorre atualmente na Venezuela é um processo de crise econômica e política sem precedentes que tem empurrado muita gente para a migração como alternativa de sobrevivência.
Os venezuelanos, por sua vez, não possuem histórico de emigração em grandes proporções como urge ocorrer em muitos países da América Latina, inclusive o Brasil, em tempos de crise e recessão.
Somente nas décadas de 1980 e 1990, mais de um milhão de brasileiros se deslocaram para outros países em busca de trabalho e melhores condições de vida. Depois de sucessivas crises econômicas e políticas resultantes do longo período da ditadura militar e da difícil transição política, milhares de brasileiros migraram para outros países, principalmente Estados Unidos, Paraguai, Japão e Portugal, para escapar do desemprego, da fome e da miséria.
Se contabilizarmos as migrações internas no Brasil, é difícil encontrar alguém que não tenha se deslocado ao menos uma vez na vida de seu lugar de origem para estudar, trabalhar, cuidar da saúde ou escapar de diversos tipos de conflitos e violência, tendo que se mudar para outras localidades. As estatísticas migratórias, considerando as migrações internas e internacionais, apontam para o Brasil como um país em completo movimento migratório, o que nos leva a concluir que de alguma forma, todos e todas somos migrantes!
A migração é um direito. Faz parte do conjunto dos Direitos Humanos garantidos a toda e qualquer pessoa. O migrante é um sujeito de direitos. Não pode ser desrespeitado, humilhado ou rechaçado por sua condição migrante. O Brasil é um país de migrantes. Boa parte de nossa economia e das nossas riquezas foram construídas com o trabalho dos migrantes que chegam nesse chão brasileiro desde os primórdios da colonização.
Os migrantes que chegam da Venezuela são sujeitos de direitos e não perderam sua dignidade humana por causa da migração. Migram para escapar da fome e da miséria que vem tomando conta do seu país. Aliás, um país muito amado e respeitado pelos venezuelanos que mesmo em processo de deslocamento, não deixam de cultivar a esperança do retorno. Talvez por isso muitos não querem ir para muito longe. Preferem ficar na Amazônia à espera de um retorno rápido. Isso significa que boa parte dos migrantes não traçou um projeto migratório. Ou seja, não planejaram a migração. Por mais que essa seja um direito, para muitos foi a única alternativa de sobrevivência. Por conta da fome e do processo empobrecimento vertiginoso, muitos se viram impelidos à migração.
Os migrantes venezuelanos vêm sofrendo muitas formas de xenofobia na Amazônia e isso nos envergonha. O rechaço tem se manifestado de diversas formas que vão desde ofensas e injúrias pessoais até movimentos coletivos de brasileiros exigindo a expulsão dos migrantes. Ataques a abrigos espontâneos e acampamentos improvisados, formados na sua grande maioria por mulheres e crianças, tem se tornado algo recorrente em Roraima.
Movimentos anti-migração têm ganhado força nas campanhas políticas e aparece nas promessas de muitos candidatos. Essas práticas inescrupulosas instigam a xenofobia e representam uma grande irresponsabilidade por parte de pessoas que ocupam ou pretendem ocupar cargos públicos. A estes e a todas as pessoas que embarcam na onda das práticas xenofóbicas, vale ressaltar que xenofobia é crime!
A palavra xenofobia significa aversão ao estrangeiro, no caso, ao migrante. Entretanto, quando a aversão se torna agressão, a Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, em seu artigo 1º (com a redação determinada pela Lei nº 9.459, de 13 de março de 1997), determina que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Desta forma, xenofobia materializada em práticas de violência, configura-se como delito inafiançável e imprescritível de acordo com a Constituição da República, artigo 5º, inciso XLII).
Xenofobia rima com violência e com racismo. Nossa legislação em vigor, a Lei nº 134/99, de 28 de Agosto e o Decreto-Lei nº 111/2000, de 4 de Julho, proíbe e define punições a quem praticar qualquer tipo de discriminação no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
Os venezuelanos têm sofrido diversos tipos de ofensas com destaque para a acentuada e recorrente ofensa verbal, com referências pejorativas e preconceituosas que ofendem a sua dignidade. Isso é crime de injúria qualificada prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal: “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro” a penas prevista para esse tipo de crime é a detenção, de um a seis meses, ou multa”. Além disso, “se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa”.
Aos incitadores da xenofobia, a Lei a Lei nº 7.716, em seu artigo 20 define: que é crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”.
Portanto, xenofobia é crime que precisa ser combatido e banido de nossas relações sociais e culturais. E, enquanto crime, a xenofobia precisa ser denunciada tanto pelo migrante, vítima direta, como pelas testemunhas que não comungam com esse tipo de comportamento que deveria nos envergonhar a todos e todas num país e numa Amazônia eminentemente constituído por migrantes. Para denunciar disque 100 ou procure a delegacia mais próxima e exija o direito de registrar o Boletim de Ocorrência.
Márcia Oliveira é socióloga, professora na Universidade Federal de Roraima. Estuda o fenômeno das migrações e do tráfico humano e assessora do Sínodo da Amazônia.
Parabéns pelo excelente texto!