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Advento: Esperar o Que e Como?

“Quantas vezes, somos tentados a pensar que as coisas são assim mesmo e não há alternativas. Devo me rever e, seja como for, combater em mim essa perspectiva de desamor como como proclamação de anti-fé.”

Na tradição latina, as Igrejas mais antigas (católica, episcopal, luterana e outras) começam nesse domingo o tempo do Advento.

A finalidade dessas quatro semanas é ajudar a intensificar em nós a expectativa da vinda do Senhor. Na espiritualidade cristã, desde o começo, Advento significa “a manifestação da vinda de Jesus no mundo. E antigamente, em algumas tradições litúrgicas, na vigília da festa do Natal, lia-se o evangelho que as Igrejas leem hoje (Lucas 21, ). Até hoje, quem abrir o livro da Liturgia das Horas, lerá no ofício das 1as vésperas do Natal, na tarde do 24 de dezembro, a antífona tirada do evangelho de hoje: “Ergam a cabeça, levantem do chão, já se aproxima a Libertação”. Na noite de Natal, se lia o evangelho da manifestação definitiva da vinda de Jesus como Senhor e Meta da história.

Com o decorrer dos séculos, à medida que o tempo do Advento foi organizado em quatro semanas, a Igreja latina dedicou mais as duas primeiras semanas à expectativa da vinda do Senhor e nas duas últimas, principalmente, a partir do 17 de dezembro, se concentrou na preparação da memória do nascimento de Jesus. No entanto, essa memória do nascimento de Jesus em Belém é vivida para acentuar a confiança na manifestação de Jesus (parusia) na renovação final do mundo. Não devemos esquecer que a tradição dos presépios, imagens do Menino Jesus e as devoções ligadas à Noite Feliz, podem nos enternecer e, em parte, são legítimas. No entanto, só surgiram no século XIII com São Francisco de Assis. Antes, não havia. Era um Cristianismo mais fiel às suas origens. As antigas comunidades cristãs viviam fortemente essa expectativa. Cada celebração terminava com a invocação: Marana-tha, o Senhor vem…

Até hoje, essa forma de crer que podemos chamar de “escatológica ou apocalíptica” (ligada à expectativa do tempo final), é comum nas Igrejas e grupos de espiritualidade pentecostal.

Há alguns anos, fui a um culto em uma Assembleia de Deus. Ali o pastor encerrou o trabalho da noite afirmando: Irmãos, até a próxima 4ª feira, se até lá, o Senhor não tiver chegado!

Nós, cristãos, ligados a Igrejas históricas e com uma reflexão teológica mais crítica não costumamos fazer esse tipo de leitura dos textos bíblicos que anunciam a próxima vinda do Senhor. Não lemos a Bíblia ao pé da letra, ao menos nesse tipo de passagens (em outras, lemos sim e deveríamos rever isso). Por isso, corremos o risco de não esperar mais a vinda do Senhor. Ou ao menos não manifestamos isso em nossa forma de viver a fé.

Todos nós temos expectativas que nos fazem vibrar. Vivemos esperando ou sonhando com coisas que desejamos e queremos ver acontecer. Mas, será que alguma vez nos surpreendemos sonhando com a vinda do Senhor no mundo, aquela manifestação que os textos antigos chamavam de vinda no final dos tempos? Nas nossas orações e devoções, oramos e cantamos “Senhor, tem piedade de nós” e tantas outras invocações. Alguma vez, veio aos nossos lábios a invocação dos primeiros cristãos: “Marana-tha”, O Senhor vem? Ou aquela invocação com a qual se conclui o livro do Apocalipse: Vem, Senhor Jesus?

Ao fazer essas perguntas, eu me coloco como primeiro questionado e me respondo que, de fato, eu não tenho mantido essa expectativa vibrante. Parece que por dois motivos: o primeiro pode ser que eu tenha cedido ao pragmatismo ou ceticismo de um mundo sem perspectiva. Quantas vezes, somos tentados a pensar que as coisas são assim mesmo e não há alternativas. Devo me rever e, seja como for, combater em mim essa perspectiva de desamor como como proclamação de anti-fé.

Há outro motivo ligado à cultura religiosa. O Cristianismo mais histórico parece ter esquecido essa perspectiva da esperança no reino. À medida que se torna mais devocional e menos inserida no concreto da vida do mundo, a esperança do projeto divino (do reino) vai se apagando. E é mais fácil celebrar o Advento como mera recordação do Natal histórico de Jesus. No entanto, essa devoção que pensa fazer o Natal como se o menino Jesus fosse nascer de novo (Jesus nasce a cada ano?) acaba se tornando uma espécie de regressão, não psicológica, mas da fé.

Mas, sem dúvida, há outro motivo para o esquecimento da expectativa do reino. Somos pessoas da cultura contemporânea e de uma leitura histórica da vida. Sabemos que toda essa expectativa da vinda do Senhor foi elaborada em uma linguagem mítica que não é mais a nossa. Nem sempre conseguimos substituir essa expressão da fé (linguagem) por outra que mantenha bem o conteúdo da fé, embora mude de invólucro explicativo ou nocional. Em outras palavras: como viver hoje uma fé que, em termos mais atuais e históricos, corresponda à expectativa que as primeiras gerações cristãs viviam sobre a iminência da vinda do Senhor?

A única resposta que tenho para isso é no sentido de reforçar a fé de que Deus tem um projeto de salvação (justiça e amor) para o mundo e nós somos testemunhas disso. Damos esse testemunho à medida que o vivemos desde agora, juntos e não só de modo individual.

Sem dúvida, quero respeitar as pessoas que vivem sua fé de outro modo, ou a partir de outro modelo. No entanto, pessoalmente, estou convencido de que, hoje, a expectativa da vinda do Senhor se expressa no que chamamos de “mística do reino” e ela só pode hoje ser vivida através de uma espiritualidade sócio-política libertadora. Isso é vivido não em uma espiritualidade ligada ao templo e a uma Igreja para dentro. Isso faz parte do que no evangelho de hoje, Jesus anuncia que não ficará pedra sobre pedra. O que ficará é a visão do Filho do Homem. Vereis…. e o que significa isso hoje? É a divinização do humano. É que Deus assume nossas lutas concretas para mudar esse mundo. E é na pele dos pequeninos que o Filho do Homem vem a nós. (No evangelho de Mateus, na parábola do juízo final, fica claro: O que fizestes a um desses pequeninos foi a mim que fizestes). Há dois dias, um casal de irmãos nossos vinha de carro por uma estrada perigosa e os dois viram um homem que tinha caído da bicicleta no meio da pista. Pararam para socorrer. O homem era um pobre que tinha bebido e tentava voltar para casa com alguma coisa para a família comer. Morava longe (quilômetros) e não conseguia ir a pé, nem conseguia montar na bicicleta bêbado. O irmão correu até em sua casa, colocou o apoio para bicicleta sobre o carro, voltou na estrada, colocou a bicicleta no teto, colocou no seu carro o pobre que ele nunca tinha visto na vida e o levou até sua casa, são e salvo.

Esse soube responder à expectativa da vinda do Senhor e reconhecer o momento no qual o Senhor o visitou.
O evangelho de hoje nos adverte: “Quando vocês virem essas coisas acontecerem, ergam a cabeça, levantem-se porque se aproxima a libertação”. Amém.

Marcelo Barros

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