No dia 3 de dezembro na Universidad Centro-americana José Simeón Canãs (UCA) de San Salvador (El Salvador) celebrou-se os 80 anos do teólogo Jon Sobrino, nascido em 27 de dezembro de 1938. É um evento que, como o de nosso colega e amigo Leonardo Boff, da mesma idade, que recebeu homenagem em 28 de novembro no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis, devemos comemorar aqueles que percorrem com eles o longo caminho da Teologia da Libertação, não isento de perseguições, censuras e condenações.

São muitos os laços que me unem a Jon Sobrino desde que, em 1982, o convidamos na Associação de teólogos e teólogas João XXIII para participar do II Congresso de Teologia sobre “Esperança para os pobres, esperança cristã”. Desde então, até agora, houve muitas reuniões que realizamos e nas quais participamos na Espanha, em El Salvador e em outros países da América Latina. Hoje quero me juntar à celebração da UCA com este breve perfil de sua personalidade e seu pensamento.

Jon Sobrino é um dos mais qualificados teólogos latino-americanos da libertação, que transcende as fronteiras da América Latina e goza de reconhecimento mundial. Sua principal contribuição é historicizar os principais conteúdos teológicos, libertando-os do universalismo abstrato e repensar os grandes temas do cristianismo no contexto dos oprimidos. Entre suas contribuições mais relevantes merecem destaque: o método teológico, a cristologia, a eclesiologia, a espiritualidade e a imagem de Deus.

A teologia de Sobrino parte de um lugar eclesial preferencial, da Igreja dos pobres e de um lugar social privilegiado: o mundo dos pobres, das maiorias populares da América Latina, e especialmente de El Salvador, um pequeno país vem sendo sangrado por uma guerra que já dura mais de 12 anos, com mais de 80.000 mortos e centenas de milhares de deslocados e exilados. O mundo dos pobres, afirma, nos dá o que pensar, nos capacita para pensar e nos ensina a pensar.

O horizonte da sua reflexão é o princípio-misericórdia. A misericórdia informa todas as dimensões do ser humano, também do pensamento e da existência cristã, também da teologia. Esta não pode se limitar a ser uma inteligência fria da fé que, diante do sofrimento dos seres humanos, assume uma postura distante como a do sacerdote e do levita da parábola do bom samaritano. Deve, antes, entender-se como inteligência do amor e da misericórdia, que cuida da dor das vítimas desde a compaixão, denuncia aqueles que a provocam e toma partido das pessoas empobrecidas e dos povos crucificados.

Juntamente com outros teólogos da libertação, como Leonardo Boff e Juan Luis Segundo, Sobrino contribuiu decisivamente para o desenvolvimento de uma cristologia latino-americana elaborada a partir do mundo dos pobres como um lugar socioteológico, que conduz a Jesus de Nazaré, o Cristo Libertador. Sua cristologia é guiada pela parcialidade em favor dos excluídos, a esperança e a práxis. Seu objetivo é recuperar o Jesus histórico e o mais histórico de Jesus de Nazaré: sua prática libertadora. Isso ressalta o caráter relacional de Jesus com Deus e seu Reino. Coloca o acento na cruz e na ressurreição. Sua reflexão sobre a ressurreição se centra no Deus de Jesus que faz justiça às vítimas, colocando-se ao seu lado, reabilitando-as em sua dignidade e devolvendo-lhes a vida.

Sobrino desenvolveu uma reflexão criativa sobre a Igreja, articulada em torno dos pobres. Estes constituem o horizonte referencial da comunidade cristã e seu princípio de constituição, organização e estruturação. A nova forma de ser comunidade é a de ser Igreja dos pobres no seguimento de Jesus e em continuação de sua causa de libertação, em continuidade com o movimento igualitário de homens e mulheres que Jesus pôs em marcha.

A espiritualidade é outro dos campos em que Jon Sobrino brilha com luz própria. Ele a tira do marco estreito da ascética, onde esteve encerrada há séculos, e a coloca no horizonte da história e no centro dos processos de libertação. A espiritualidade é constitutiva do ser humano, assim como a corporalidade, a sociabilidade, a praticidade e se converte em uma dimensão necessária do ser cristão como a liberação.

Sobrinho destaca a conexão entre espírito e prática, libertação e seguimento de Jesus. A libertação precisa tanto da práxis, quanto do espírito. A santidade não pode permanecer na esfera privada, mas tem que influenciar na transformação das estruturas. O encontro entre espiritualidade e libertação resulta em “santidade política”.

Em sua reflexão sobre Deus, ele parte da experiência latino-americana. Em um continente, onde a vida das maiorias oprimidas é ameaçada diariamente, Deus aparece como um gerador, defensor e garantidor da vida, e é experimentado como último protesto contra a morte. A afirmação do Deus da vida leva diretamente a optar pela vida dos pobres e a dar a própria vida nesta opção. Jon Sobrino frequentemente se refere à declaração de Santo Irineu de Lyon: “gloria Dei, homo vivens“, que se traduz da seguinte forma: “a glória de Deus é que os pobres vivam”. Esta interpretação foi citada por monsenhor Romero – hoje São Romero – no discurso de recepção do título de Doctor Honoris Causa lhe conferido pela Universidade de Lovaina.

O assassinato de seis companheiros jesuítas e duas mulheres na fatídica madrugada de 16 de novembro de 1989, na UCA, pelas mãos do Batalhão Atlacatl, o mais sanguinário do Exército salvadorenho, estabeleceu um antes e um depois na vida, na obra, na mente e no coração de Jon Sobrino, marcados desde então pelo selo do martírio. Na ocasião daquele violento assassinato coletivo, ele disse: “Eu experimentei um corte real em minha vida e um vazio que não foi preenchido com nada”.

Depois de trinta anos de suspeitas de detetive sobre sua cristologia pela Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo cardeal Joseph A. Ratzinger, o Vaticano, sendo já o papa Bento XVI, censurou seus livros Jesus Cristo libertador. Leitura histórico-teológica de Jesus de Nazaré e Fé em Jesus Cristo. Ensaio das vítimas – duas das cristologias mais importantes do século XX -, e acusou a Jon Sobrino de oferecer uma imagem distorcida de Jesus Cristo, uma vez que ele sublinhou a humanidade de Cristo e não afirmou com clareza suficiente sua divindade. A Notificação do Vaticano afirma ter encontrado nesses livros “várias proposições errôneas ou perigosas que podem causar danos aos fiéis”.

A censura provocou uma calorosa corrente de solidariedade para com Sobrino e uma justificada indignação em todo o mundo, bem como uma crítica severa de não poucos colegas para quem a Notificação do Vaticano não levou em conta os avanços teológicos dos últimos cinquenta anos, recorrendo a uma argumentação dedutiva e alheia à fé dos pobres e à opção por eles, como foi assumida pela Igreja Latino-americana em Medellín.

Enquanto sobre ele choviam testemunhos de solidariedade de todo o mundo, Sobrino guardou silêncio, um silêncio muito eloquente, que talvez fosse a melhor resposta a essa tamanha e infundada censura contra uma das testemunhas privilegiadas dos mártires salvadorenhos. É possível que ele se lembrasse de Atahualpa Yupanqui: “A voz não a necessito. Sei cantar no silêncio”. Essa censura deixou menos traços em sua vida e em seu trabalho intelectual do que o martírio dos profetas salvadorenhos, desde Rutilio Grande, passando por monsenhor Romero, até os companheiros e as duas mulheres da UCA.

Juan José Tamayo

Teólogo vinculado a Teologia da Libertação. É o diretor da cátedra de Teologia e Ciências das Religiões “Ignacio Ellacuría”, da Universidade Carlos III, em Madri, e é o secretário geral da Associação de teólogas e teólogos João XXXIII. Conferencista internacional e autor de mais de 70 livros.

Fonte:

(Texto publicado no blog Teologías del Sur e compartilhado por http://www.amerindiaenlared.org. Tradução para Observatório da Evangelização Edward Guimarães)