Os povos indígenas nos mostram uma visão diferente daquela capitalista que “considera a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados sem ter em conta seus habitantes”, como disse o Papa Francisco.
Os ciclos de destruição na Amazônia seguem uma série de passos, que tem como consequência a destruição de um bioma de extrema importância na sobrevivência do Planeta. Os efeitos são cada vez mais visíveis, mesmo que muitos, inclusive com cargos de relevância em organismos que deveriam garantir o cuidado da região, se empenhem em negar as evidências.
Frente a essa realidade o Sínodo para a Amazônia nos faz um chamado a procurar novos caminhos para uma ecologia integral. O Papa Francisco, em seu encontro com os povos originários em Puerto Maldonado, disse que “é justo reconhecer que existem iniciativas encorajadoras que surgem de suas bases e de suas organizações, e incentivam os próprios povos indígenas e comunidades a serem os guardiões das florestas”.
Os povos indígenas nos mostram uma visão diferente daquela capitalista que “considera a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados sem ter em conta seus habitantes”, como disse o Papa Francisco. Ele insistia em Puerto Maldonado que “a Amazônia é terra disputada desde várias frentes”, enumerando diferentes realidades de neo-extrativismo, dentre elas a madeira.
Como acontece em muitas regiões da Pan-Amazônia, a fronteira entre o Peru e o Brasil, na região da cabeceira do Rio Acre está sendo devastada pela ação das madeireiras, que estão arrasando o território peruano. Além de povos em isolamento voluntário, especialmente os mashcopiros, a região é habitada tradicionalmente pelos povos yaminawa e manchineri.
Essa prática dos madeireiros do lado peruano não é nova, como reconhecem lideranças indígenas do lado brasileiro, afirmando que “desde há muito tempo atrás os madeireiros peruanos vem retirando a madeira do lado do Peru”. Naquela região a divisa é o rio, que está sendo utilizado pelos madeireiros como via de comunicação, subindo e descendo, levando o material e os alimentos para eles, segundo essas lideranças.
Junto com isso, está acontecendo desde o início de 2019 uma situação que agrava ainda mais o problema, que é que “tem se aberto caminhos por onde as máquinas estão passando, já passaram em frente da nossa comunidade”, denunciam com preocupação os indígenas. Eles reconhecem que os mais atingidos por essa situação são sobretudo os indígenas não contatados. É por isso que os próprios indígenas afirmam que “um dia eles podem vir e nos atacar, esse é o problema”.
O fato de ter aberto ramais, que facilitam a entrada e saída, pode trazer outras consequências negativas para os indígenas que moram na Terra Indígena Cabeceira do Rio Acre. Eles afirmam, “quem sabe com o tempo, como já tem ramal, possam entrar os mineiros, eles vão começar trabalhar tirando ouro e outras coisas, e aí o rio vai estar poluído, e nós consumimos o peixe do rio”. Junto com isso, os indígenas denunciam que o ramal pode facilitar a chegada de “muitas pessoas que não trabalham e gostam de pegar as coisas dos outros, desconhecidos que podem invadir uma casa e levar o que nós temos, o sustento da nossa família”.
A situação é vista com grande preocupação pelos indígenas, que afirmam que para eles é difícil se defender, “a gente não tem essa força, são empresas grandes”. De fato, eles dizem que “já denunciamos, elaboramos um documento, mas a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), a Polícia Federal, eles têm conhecimento, eles sabem muito bem que as madeireiras estão lá, mas nunca foram ainda”. Tempo atrás, o único órgão de fiscalização que se fazia presente era o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), “eles iam lá, sempre tínhamos contato, quando estavam em Assis Brasil, mas eles saíram e foram para Brasiléia (distante 111 quilômetros de Assis Brasil), está difícil agora para eles fazer essas viagens de fiscalização”, reconhecem os indígenas.
Os próprios indígenas assumem que “quem faz essa fiscalização somos nós, quando estamos indo para pescar, para caçar, sempre estamos olhando se tem alguma invasão nas nossas terras”. Segundo eles, “no momento não tem, mas na nossa frente já estão os madeireiros, isso é muito preocupante”.
A madeira é processada na região e de lá, seguindo a rota interoceânica, chega nos portos peruanos do Oceano Pacífico, desde onde é exportada, tendo como destinos principais a China e o México. O tráfego de carretas é constante, sem fiscalização do governo peruano, que pode ser considerado responsável final de uma situação que pode ter como consequência que, no ritmo atual, em quatro ou cinco anos a madeira da região vai ficar extinta.
O que resta da madeira é destinado às carvoarias de Iñapari, pequena cidade na fronteira com o Brasil, onde migrantes chegados de outras regiões do Peru, e alguns venezuelanos, trabalham em condições degradantes, um trabalho do qual participam homens, mulheres e inclusive crianças, com um lucro muito pequeno, pois por um saco de cem quilos de carvão ganham mais o menos 25 soles, aproximadamente 35 reais. Eles mesmos reconhecem que sentem-se escravos, mas estar lá é visto na maioria dos casos como a única fonte de renda que faça possível a sobrevivência.
Não podemos esquecer que muitas das pessoas que trabalham nas carvoarias procedem de realidades onde a extrema necessidade os leva a fazer parte de um esquema que inclusive é visto como “melhoria de vida”. Isso deve nos levar a nos perguntarmos sobre as causas dessa situação, que tem sua raiz na falta de políticas públicas, uma realidade muito presente em diferentes regiões da Amazônia, onde a exploração, disfarçada de possibilidade de sobrevivência, tem se tornado presente em todos os cantos.
Luis Miguel Modino
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