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Marcivana Sateré: “mesmo vestidos, na cidade, com curso superior, somos índios”.

“nos dias de hoje, o governo está empurrando os indígenas para as cidades, numa tentativa de esvaziar os territórios para favorecer os grandes projetos”. Junto com isso, quando chegam na cidade, “falta amparo legal, jurídico, para os indígenas”

O Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, em conjunto com o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso convocou uma Conferência Internacional sobre religiões, de 7 a 9 de março, no Vaticano. O encontro pretende ser momento de reflexão sobre “Religiões e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.

As religiões são desafiadas a contribuir na implementação dos objetivos do desenvolvimento sustentável, uma reflexão sempre presente no pensamento do Papa Francisco. Esse diálogo inter-religioso é fundamental, ainda mais se percebe que os objetivos de desenvolvimento sustentável não estão sendo implementados do jeito que deveria. Diante dessa realidade, as comunidades de fé tem um papel decisivo. A base deve estar em cinco eixos fundamentais: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parceria.

Marcivana Sateré, que faz parte da Coordenação Executiva da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno – COPIME, tem sido convidada para aportar uma perspectiva indígena sobre a Questão de Urbanização e Comunidades. Ela reconhece que na Amazônia “o desenvolvimento está muito centralizado nas cidades, o que obriga os indígenas a vir para as grandes capitais.

O modo como isso se concretiza é sair das aldeias para as sedes dos municípios, para depois ir para as capitais dos estados, onde a falta de planejamento urbano leva os indígenas a morar em ocupações, um fenómeno muito presente na cidade de Manaus. Tudo isso, tem provocado um incremento dos conflitos por terra dentro do espaço urbano, pois nos últimos anos está crescendo exponencialmente o número de indígenas que chegam nas capitais. Os dados do IBGE de 2010, dizem que um 52% da população do Estado de Amazonas vivia na capital, uma porcentagem que tudo indica tem aumentado até 2019.

As consequências disso, segundo a representante da COPIME, é “a perca de identidade indígena”. Aos poucos, os indígenas vão assumindo a cultura urbana e a invisibilidade se faz presente, o que nega direitos aos povos, se tornando uma situação cada vez mais preocupante para as organizações indígenas.

Junto com isso, o desenvolvimento da região, desde uma perspectiva governamental, está baseado em megaprojetos que beneficiam poucas pessoas, favorecendo a concentração de renda, que beneficia um pequeno grupo. A consequência é que “as comunidades indígenas são cada vez mais empobrecidas”, afirma Marcivana Sateré, sendo os programas assistencialistas o único recurso para essas comunidades.

O grande desafio está na necessidade de repensar outro modelo de desenvolvimento sustentável que faça possível que as famílias possam ficar morando em suas aldeias. Segundo diferentes estudos, em Manaus, os indígenas tem uma qualidade de vida inferior a outros coletivos sociais, o que se concretiza em baixa escolaridade, emprego precário, saúde que não contempla as diferenças indígenas, entre outros aspectos.

Um olhar histórico leva Marcivana Sateré a afirmar que “os indígenas sempre tiveram que se adaptar à cultura que vem de fora”. Segundo a liderança indígena, “nos dias de hoje, o governo está empurrando os indígenas para as cidades, numa tentativa de esvaziar os territórios para favorecer os grandes projetos”. Junto com isso, quando chegam na cidade, “falta amparo legal, jurídico, para os indígenas”.

Movida por preconceitos históricos, a sociedade ainda tem a imagem folclórica do índio, nu, no interior, selvagem. Superar tudo isso é um desafio, mas Marcivana Sateré não duvida em afirmar enfaticamente que “mesmo vestidos, na cidade, com curso superior, somos índios”. Segundo ela, “o indígena pode alcançar esses objetivos, o indígena não perde a identidade. Somos indígenas lá onde quiser que a gente esteja, até palestrando lá fora”.

Em referência ao tema da Conferência no Vaticano, a representante da COPIME, insiste em que os povos indígenas têm muito a contribuir no desenvolvimento das cidades, destacando alguns elementos como a convivência pluriétnica, o reflorestamento, o desenvolvimento cultural, que se concretiza no artesanato, culinária, bebidas típicas, roupas, músicas étnicas ou turismo ecológico, proporcionando “um outro olhar de modelo de cidade”.

Luis Miguel Modino

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