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31ª Romaria da Terra do Paraná: É Urgente a Superação da Violência no Campo

O Paraná é o quarto Estado com mais casos de violência contra o pequeno agricultor. Em Barbosa Ferraz, há mais de 12 anos, 66 famílias lutam pela posse da terra.

Esse ano, sob o contexto das ameaças sistemáticas da violência dos despejos dos acampamentos, é que celebraremos o Deus que acampou entre nós e anuncia a todos e todas a Paz na terra aos homens e mulheres por ele amados”, contextualiza a Pastoral da Terra no Paraná

Sob o lema “Com direito, justiça e paz, supera-se a violência no campo”, a 31ª Romaria do Paraná ocorrerá neste próximo domingo (19) no município de Barbosa Ferraz. O evento é organizado pela Comissão Pastoral da Terra no Paraná (CPT-PR) e pela Diocese de Campo Mourão. o contexto agrário no estado, atualmente com mais de 7 mil famílias em acampamentos, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. O lema foi proposto seguindo a direção da Campanha da Fraternidade 2018: “Com direito e justiça, a paz supera a violência no campo”.

Milhares de pessoas se reuniram no município de Barbosa Ferraz, no último dia 19 de agosto para a 31ª edição da Romaria da Terra do Paraná.”.

Romeiros, trabalhadores sem-terra, integrantes de pastorais e movimentos religiosos estivem presentes no evento que, ao longo do dia, debateu os conflitos agrários que voltaram a se desencadear no Brasil nos últimos tempos, com destaque para o Paraná.

PINHÃO 2017

O mês de dezembro, geralmente, é um mês de muitas alegrias, de espera, de partilha e de perdão. Mas para vinte e duas famílias da comunidade de Alecrim, no município de Pinhão, o primeiro dia do mês do Natal representou um verdadeiro inferno, um terror desses que quando chegam através dos pesadelos, a ânsia por acordar é o único sentimento a invadir o corpo e a alma. No dia 01 de dezembro de 2017, máquinas gigantes, vigiadas por policiais fortemente armados, além de seguranças particulares, entraram comunidade adentro, destruindo casas, posto de saúde, barracões, igreja, histórias, famílias, vidas. Era o cumprimento de um mandado de reintegração de posse emitido pela justiça federal em favor dos latifundiários que dominam a maior parte do municpípio.

A localidade de Alecrim fica a vinte e cinco quilômetros da cidade de Pinhão. Algumas famílias que foram expulsas de suas casas pelas autoridades através de mandado de reintegração de posse, viviam no local há mais trinta anos.

Conforme informações da justiça, na ocasião, a massa falida Zattar (empresa do ramo madeireiro que acumula uma das maiores dívidas em impostos no país), possui documentos da área que lhe garante a posse da terra. Durante a ação policial que destruiu as casas e benfeitorias na comunidade, muitos moradores sequer tiveram tempo de retirar seus pertence e tudo foi demolido, estraçalhado.

A tensão em todo o município só cresceu desde a ação da justiça que expulsou os moradores de Alecrim. De acordo com dados da prefeitura local, ao todo, mais de três mil famílias que vivem há várias décadas em terrenos posseiros no município e também em municípios vizinhos, podem ser alvos de despejo por ações da mesma família (Zattar). São mais de sete mil pessoas, que trabalham como pequenos produtores rurais e que estão em áreas que a massa falida alega na justiça ser de sua propriedade.

Uma semana antes da reintegração de posse, uma audiência pública na cidade de Pinhão discutia o assunto, mas não se chegou a nenhum acordo que pudesse impedir a ordem judicial.

Manifestações promovidas pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), posseiros, e moradores das regiões de faxinal no município de Pinhão tentaram sensibilizar as autoridades com uma passeata, mas não houve meios de impedir as ações da justiça.

Depois do conflito em Alecrim, houve uma trégua nas reintegrações de posse, mas ainda é grande a tensão de muitos moradores daquela região.

BARBOSA FERRAZ

O bispo da diocese de Campo Mourão, Dom Bruno Vesari disse que a Romaria da Terra é uma celebração e continuidade da Campanha da Fraternidade para a superação da violência. “E nesta oportunidade nós vamos refletir sobre a superação da violência no campo. Os agricultores, os assentados e acampados ainda sofrem com esta situação.” Dom Bruno também lembrou que o Paraná é o quarto Estado com mais casos de violência contra o pequeno agricultor.

O município de Babosa Ferraz não foi escolhido por acaso para receber a 31ª Romaria da Terra. Na cidade, há mais de 12 anos, os acampamentos Irmã Dorothy (Fazenda São Paulo) e Nossa Senhora do Carmo (Fazenda Junqueira) estão em uma luta que envolve 66 famílias ocupando uma área de terra de 500 hectares.

A 31ª Romaria da Terra faz parte do Calendário do Regional Sul 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e é promovida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A Paróquia Nossa Senhora das Graças de Barbosa Ferraz, diocese de Campo Mourão acolheu romeiros e romeiras  com muita alegria e fartura num café da manhã oferecido a todos, onde ocorreu a primeira parte da romaria.  Um acampamento simbólico foi montado por um grupo de trabalhadores. Barracos de lona, fogueira improvisada para preparo dos alimentos, cultivo da terra e vida em comunidade, símbolos que representaram as milhares de famílias que vivem acampadas.

Num segundo momento o acampamento simbólico foi destruído. Homens armados tiraram as famílias e ilustraram a violência a qual estão submetidas as famílias acampadas no Paraná, constantemente sob ameaça de despejo. Os ocupantes foram expulsos, o fogo tomou conta do acampamento simbólico e uma máquina destruiu o local. relembrando o despejo de Alecrim, em Pinhão, que nos dias 1° e 2 de dezembro de 2017 destruiu a casa de 22 famílias.  “Também temos que celebrar os momentos de sofrimento”, disse o padre Dirceu Fumagalli.: “Não no sentido de nos acomodarmos, de darmos isso como estabelecido, a celebração aponta pistas, elementos de superação dessa violência no campo”.

Em seguida  a Cruz de Cedro , símbolo da 31ª Romaria da Terra do Paraná foi carregado pela multidão até a Paróquia Nossa Senhora das Graças – cerca de 2 km. As milhares de pessoas cruzaram a cidade entoando cantos  de caminhada e profecia.  A Cruz de Cedro,  foi plantada na praça em frente a Paróquia Nossa Senhora das Graças. Encerrando as atividades da manhã o padre Dirceu Fumagalli realizou a benção dos alimentos – trazidos e partilhados pelos romeiros.

  O padre Dirceu Fumagalli, coordenador da CPT do Regional Sul 2 da CNBB, comentou que as romarias têm um sentido simbólico e ‘acham sua fonte na própria marcha da humanidade’. “Sempre houve lugares que despertaram fascínio sobre as pessoas e para os quais as pessoas foram e vão à busca de algo para suas vidas. As Romarias da Terra aconteceram na esteira do Concílio Vaticano II, que acabou com a ruptura entre povo, palavra e altar. As Romarias tradicionais essencialmente buscam o altar e o Santo, as Romarias da Terra introduziram a ‘Palavra’, a reflexão”, explicou.

Segundo ele, as Romarias da Terra têm um caráter ecumênico incorporando ritos e símbolos de outras religiões ao universo católico. “As Romarias da Terra valorizam o religioso, e não falham na sua contribuição profética. Nelas se busca mais que confortar o coração, se busca a transformação da sociedade, a construção do Reino de Deus. A romaria contribui para transformar a mística e a espiritualidade em gesto e compromisso concretos”, sublinhou.

O arcebispo de Londrina, Dom Geremias Steinmetz, afirmou que o acesso e permanência dos agricultores na terra é um problema que está longe de ser resolvido no Brasil. Disse ainda que a Igreja Católica precisa seguir as orientações de sua Doutrina Social e “lançar luz” sobre a caminhada dos pequenos agricultores do país. “Temos muitos agricultores sem a documentação da terra, sem a formação para trabalhar no campo, portanto, a gente vê que a necessidade de organização continua muito presente”, enfatizou.

Para ele, a Doutrina Social da Igreja é a chave para que o povo possa se organizar, sempre à Luz do Evangelho. “A terra deve estar a serviço, para produzir, não pode ser objeto de especulação, essa é uma mensagem da Doutrina Social da Igreja”, grifou.

O financiamento das famílias do campo é outra necessidade que deve ser suprida para promover paz e justiça no campo, conforme lembra Dom Geremias. “Muitas pessoas não conseguem produzir porque não têm como investir. O governo deveria pensar mais nisso, fazendo com que os agricultores possam ter cada vez mais tecnologia de produção”, interpelou. O arcebispo destacou, ainda, a importância do voto consciente e da participação dos católicos nas eleições. “Não podemos ficar desligados desse processo”, finalizou.

No encerramento foram celebrados os elementos fundamentais para restabelecer a paz no campo. Dentre eles a descentralização da propriedade da terra, reconhecimento das titulações dos camponeses, sobretudo de povos tradicionais (faxinalenses, indígenas, quilombolas), reforma agrária, educação no campo a partilha e a produção de elementos.

Fontes: CPT, Jornal Tribuna do Interior e Rádio Cultura FM de Guarapuava, Paróquia Santo Antônio de Pádua em Rio Bonito do Iguaçu e dioceseprocopense.org.br

Fotos: Leoni Alves Garcia

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