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Brasil, um país-pária no cenário internacional?

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

As manifestações que ocorreram no dia 1º de maio, destacaram a disputa entre os dois candidatos que estão à frente da corrida presidencial. Instituída em memória aos trabalhadores grevistas de Chicago, EEUU, em 1886, duramente reprimidos pelas forças policiais, a data virou símbolo na luta pelos direitos dos trabalhadores na maioria dos países do mundo. Em época de brutal redução salarial, a tônica só podia ser a recuperação do valor do salário mínimo e o protesto contra a alta inflação e a crescente elevação do custo de vida, em especial dos alimentos[1]. Desde o golpe de 2016, os direitos trabalhistas e os salários têm sido alvo de ataques e diminuição por parte dos legisladores, dos empresários que os apoiam e do governo federal. O resultado só podia ser o empobrecimento geral da população[2], mesmo que se aponte alguma estabilização no primeiro trimestre de 2022, e um cruel endividamento de mais de 77% das famílias brasileiras[3].

Quase diariamente estamos sendo brindados com resultados de pesquisas eleitorais para presidente e governadores, que mostram tendências semelhantes, mesmo que com números divergentes. Neste momento, a três meses do início das campanhas, os candidatos contrários ao atual governo levam vantagem. Lula mantém mais de dez pontos percentuais à frente do neonazista, e conforme pesquisa da Exame/Ideia[4], ganharia hoje em todos os Estados do Norte, Nordeste e Sudeste, o que não deixa de ser um dado importante. O Bozo lidera ainda no Sul e no Centro-Oeste. Um pequeno aumento de intensões de voto para ele nas últimas semanas devido à saída possível de Moro como candidato à presidência[5]. No dia primeiro de maio, as manifestações em apoio ao atual presidente, foram decepcionantes para ele, inclusive o comparecimento de apoiadores na motociata em Brasília[6]. No STF, Alexandre de Moraes instiga os organizadores das motociatas a apresentarem planilhas de doações e despesas, suspeitando que possam impactar no financiamento da campanha. O TSE deve acompanhar as doações. Sem transparência sobre quem está financiando – se são doadores pessoas físicas, se empresas ou ainda se foram utilizados recursos públicos – o processo democrático pode estar, mais uma vez, em risco.

É um absurdo ouvir um presidente da República afirmando e repetindo que “um povo armado jamais será escravizado”[7].Uma das funções do Estado é justamente resolver conflitos e disputas de fome civilizada, não mediante o armamento de uma minoria que, tendo dinheiro suficiente, quer impor os seus interesses – econômicos e políticos, com as armas na mão. Seria uma irresponsabilidade criminosa de quem deveria zelar pela paz, pelo direito, pela justiça social e pelo funcionamento democrático das instituições republicanas. A militarização da sociedade, em especial a juventude, foi a estratégia utilizada por Hitler na Alemanha e por Mussolini na Itália, e a história nos conta as desastrosas consequências destes regimes nazistas, fascistas e autoritárias do século passado.

Que a campanha eleitoral será dura e possivelmente violenta, é mostrado pela agressão sofrida por Lula em Campinas na quinta-feira[8], quando seu automóvel foi cercado e hostilizado por bolsonaristas. Não é a toa que a liderança da campanha de Lula intensifica as medidas de segurança. Como os neofascistas encenaram uma facada fake em 2018, um teatro ainda não totalmente esclarecido, podem repetir a dose contra Lula, agora sem teatro ou dramatização, mas realizar um verdadeiro atentado à sua integridade física.

Lula goza de uma admiração mundial, reconhecido como verdadeiro estadista. Muitos programas por seu governo instituídos, como o Bolsa Família, são avaliados positivamente e copiados em outros países, como pelo Chile, México, Indonésia, África do Sul, Turquia e Marrocos[9]. Mesmo usando apenas 0,5% do Produto Interno Bruto, o Programa, que foi uma referência internacional, conseguiu tirar milhões de famílias brasileiras do mapa da fome e da miséria. Hoje, estão voltando para esta condição deplorável por causa da destruição das políticas de defesa dos pobres. O atual governo enxerga apenas os interesses do grande capital: dos bancos, das mineradoras e do agronegócio, setores da economia que concentram riqueza, agridem o ambiente natural e condenam a maioria da população a condições sociais vividas no começo do século passado. Vivemos num Brasil que está sendo conduzido ao retrocesso. Com destaque na capa, a Revista Valor informa que está sendo mantida a pobreza em taxas elevadas, acima de 50%. “Mesmo com alguma redução frente a 2021, a parcela dos pobres no total dos brasileiros deve encerrar 2022 acima do que estava há dez anos, em 2012, indica estudo da Tendências Consultoria”, informa o jornal. O estudo prevê que a participação das classes D/E (as mais pobres) no total de domicílios deve fechar o ano em 50,7%. Isso representa um recuo frente a 2021 (quando era 51,3%), mas acima de 50%, e superior aos 48,7% de 2012. Ajunta-se a isto os altos níveis de desemprego e subemprego e os rebaixados níveis salariais, e temos um quadro completo da desgraça em que caiu a maioria da população brasileira. Isto sem falar sobre o aumento da violência no campo, da destruição ambiental e das consequências nefastas das mudanças climáticas, afetando famílias vulneráveis e suas moradias em quase todas as regiões do país.

Neste sábado, numa grande festa, foi finalmente anunciada a pré-candidatura de Lula do PT, tendo Geraldo Alckmin do PSB como vice e contando com o apoio de outros cinco partidos, alguns organizados em federações: PCdoB, PV, PSOL, Rede e Solidariedade[10].

O INESC – Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos, uma Organização Não-Governamental sediada em Brasília e fundada em 1979[11], publica anualmente estudos sobre orçamento e execução orçamentária do governo federal, especialmente olhando para os gastos com políticas sociais. Também em 2022 realizou a sua análise. E suas conclusões foram as mais óbvias possíveis: aumentou o uso do recurso dos impostos para pagar bancos através da maldita dívida pública e diminuíram as despesas com programas e políticas sociais. Entre estes se destaca o gasto com a educação, que cai sem parar desde 2016. Um país sem educação, sem escolas, sem creches, sem universidades tem pela frente um futuro sombrio. Será que o Brasil merece se tornar de novo um país-pária no cenário internacional? É para essa condição que os dois últimos governos, o de Temer e o atual, têm condenado a nossa população, salvando-se, é claro, uma minoria de famílias ricas.

Nas eleições deste ano, muitas políticas estão em jogo. Desde a distribuição de renda, o combate à inflação, a soberania do país e sua inserção como parceiro de peso em nível internacional, incluindo a volta às políticas públicas de Estado – educação, saúde, assistência social, financiamento da agricultura familiar, defesa do ambiente natural e muito mais. A entrevista que Lula deu à Revista Time no decorrer desta semana, ao mesmo tempo que testemunha o respeito de que goza em nível internacional, mostra sua habilidade e clareza que expressa sobre temas quentes: a guerra entre Rússia e Ucrânia, que avalia como erro estratégico russo, mas não isentando Ucrânia, a OTAN e os Estados Unidos de suas responsabilidades em atiçar o conflito bélico; e a questão – não moral, mas de defesa de direitos à vida – à realização de cirurgias abortivas normatizadas por lei. Defender a vida deve incluir, além dos ainda não nascidos, as mulheres e as crianças.

Sobre a perspectiva do aborto na Idade Média, a Declaração sobre o aborto provocado, da Congregação para a Doutrina da Fé (1974), afirma: “É certo que, na altura da Idade Média em que era opinião geral não estar a alma espiritual presente no corpo senão passadas as primeiras semanas, se fazia uma distinção quanto à espécie do pecado e à gravidade das sanções penais. Excelentes autores houve que admitiram, para esse primeiro período, soluções casuísticas mais suaves do que aquelas que eles davam para o concernente aos períodos seguintes da gravidez. Mas, jamais se negou, mesmo então, que o aborto provocado, mesmo nos primeiros dias da concepção fosse objetivamente falta grave. Uma tal condenação foi de fato unânime”[12]. Solução casuística é exatamente o que a Lei – eclesial ou estatal – deveria definir e normatizar, com o protagonismo das mulheres que são vítimas constantes de agressões a seus corpos e carregam por nove meses novas vidas.


[1] https://www.brasil247.com/economia/numeros-do-dieese-apontam-que-40-dos-acordos-salariais-tiveram-reajuste-abaixo-da-inflacao-no-primeiro-trimestre?utm_source=mailerlite&utm_medium=email&utm_campaign=as_principais_noticias_desta_noite_no_brasil_247&utm_term=2022-04-24 (Acesso em 2022.04.24)

[2] https://valor.globo.com/impresso/noticia/2022/04/25/pobreza-no-brasil-segue-acima-de-50.ghtml (Acesso em 2022.04.26)

[3] https://www.cnnbrasil.com.br/business/endividamento-das-familias-chega-775-maior-valor-em-12-anos-aponta-cnc/#:~:text=O%20percentual%20de%20fam%C3%ADlias%20com,apurado%20em%20mar%C3%A7o%20de%202021. (Acesso em 2022.05.07)

[4] https://exame.com/brasil/pesquisa-eleitoral-lula-vence-bolsonaro-em-tres-regioes-e-perde-em-duas/ (Acesso em 2022.05.07)

[5] https://jcconcursos.com.br/noticia/brasil/lula-lidera-nova-pesquisa-eleitoral-mas-saida-de-moro-favorece-bolsonaro-entenda-94296 (Acesso em 2022.05.07)

[6] https://www.metropoles.com/brasil/motociata-desfila-pelo-centro-de-brasilia-em-apoio-a-bolsonaro (Acesso em 2022.05.07)

[7] https://www.youtube.com/watch?v=cNTK8EUElcU

[8] https://www.istoedinheiro.com.br/lula-e-xingado-e-hostilizado-por-bolsonaristas-em-campinas-veja-o-video/ (Acesso em 2022.05.07)

[9] https://www.worldbank.org/pt/news/feature/2010/05/27/br-bolsa-familia#:~:text=O%20sucesso%20motivou%20adapta%C3%A7%C3%B5es%20em%20quase%2020%20pa%C3%ADses%2C%20como%20Chile,do%20Sul%2C%20Turquia%20e%20Marrocos. (Acesso em 2022.05.07)

[10] https://www.otempo.com.br/politica/pt-e-mais-seis-partidos-lancam-chapa-lula-alckmin-em-sao-paulo-1.2664787 (Acesso em 2022.05.07)

[11] https://www.inesc.org.br/quem-somos/sobre-o-inesc/ (Acesso em 2022.05.07)

[12] https://diocesedecrato.org/a-visao-de-sao-tomas-de-aquino-sobre-o-aborto/ (Acesso em 2022.05.07)

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