Por Quininha Fernandes Pinto – Teóloga, assessora das CEBs do Regional Leste 1.
Há pessoas que não gostam de falar sobre a morte. Há pessoas que nem pronunciam esta palavra. Há pessoas que temem morrer! É o medo do desconhecido, que para muitos a morte representa. Para alguns o medo maior é o da decomposição, medo físico, visceral; para outras, o medo de ser enterrada viva; para muitos existe um medo intelectual que é o medo de perder a razão, o medo do desconhecido… existe também o medo da separação, o separar-se dos seres que mais amam, o medo de deixá-los sozinhos. Este é o medo afetivo.
Talvez seja importante nos perguntarmos sobre alguns pontos de vista que este assunto suscita. Qual a nossa relação com a dor, com o sofrimento, com a doença, com a morte dos outros e a nossa própria morte? Quando confrontado com a iminência da morte, a pessoa pode ser levada a formular questões de ordem espiritual, tais como: qual o sentido da minha vida? Haverá uma transcendência? O que me espera – e às pessoas que amo – após a minha morte? As respostas nem sempre são encontradas, ou ouvidas, e muitas vezes não estou preparada para entendê-las. O que dizer, como proceder perante o absurdo do luto, o desgosto, o desespero? O que responder àqueles que perguntam por quê? Àquele que acamado, entrevado ou numa cadeira de rodas, em estado de deteriorização física, pergunta a si mesmo que sentido poderá ter a prolongação da sua vida? Diante desse sofrimento consideramo-nos, muitas vezes, desarmados. Chegamos até a pensar que isso ultrapassa os limites da nossa competência.Segundo Jean-Yves Leloup “Na raiz do medo da morte existe um medo de amar ou deixar-se amar”. Isto por que na memória dessa emoção que é o medo, existe de fato uma memória arcaica ligada à experiências dolorosas: perda da mãe ou pessoas muito queridas; confiamos em alguém que pensávamos ser por ele também amado e esse sentimento “morreu”, acabou… Daí o possível medo de “perdas mortais”. São João diz que o contrário do amor não é o ódio, é o medo. O verdadeiro amor exclui o temor, livra-nos dele! Somos todos habitados por um sofrimento ontológico: o de saber que somos mortais e que nada podemos contra a morte. Somos confrontados sempre, constantemente com a nossa impotência. Diante da morte que não podemos evitar; diante da degradação física do outro que desencadeia nele um sentimento de perda de identidade e de dignidade.
Por isso a morte nada mais é do que um modo difícil de aprender sobre a vida. Com certeza aprender a viver é aprender a amar e, portanto, aprender a perder. Nós não conseguimos aprender a morrer, uma vez que não há meios de exercitar-nos. Mas podemos e devemos aprender a aceitar nossos limites, assumir nossa impotência e sobretudo estar presente no desenrolar das coisas, do que é a realidade… A vida é essa aprendizagem: a aceitação do real! Aprender a amar é aprender a perder, a morrer. Morre-se todos os dias quando se ama. O que nos ensina a morte que a solidão já não nos tenha sussurrado? (Jean-Yves Leloup). Por isso a necessidade de falarmos sobre ela: “A morte deve ser acolhida no interior do projeto global da vida humana; um projeto que contempla a morte como um possível princípio hermenêutico, capaz mesmo de dar significado à vida” (Giovanni Ancona). Quem bem vive, não teme a morte.
Como e de que modo o ser humano pode enfrentar a morte? Só há uma maneira: humanamente! Humanizar a morte significa não exorcizá-la, mas reverenciá-la; significa dar-lhe status de quem era esperado e por isso acolhê-la; significa honrá-la a partir da certeza de que ela me abre as portas para o encontro definitivo com aquele que é o Senhor da Vida. Para muitos a morte é considerada como um ponto final: “tudo acabou”. Mas a resposta cristã é diferente: A vida não é tirada, mas transformada. Sabemos que as coisas não são assim tão fáceis e poéticas. Existem as mortes prematuras, as mortes matadas, as mortes provocadas por todas as espécies de males que o mundo e o ser humano são capazes. Mas o cristão é um ser de esperança. Acredita na ressurreição! Isso significa que a morte do ponto de vista cristão é a pedra de toque da nossa vida. Dá seriedade à vida. Valoriza na vida, o que ultrapassa os limites da matéria. Abre-se a porta para o que é realmente criativo e supera o nosso dado natural. Acreditamos na verdadeira vida que elimina as nossas dores e os nossos sofrimentos. O tempo da vida, o tempo do nosso corpo físico talvez seja o casulo no qual se prepara a borboleta que somos… A morte é a nossa confirmação na mão de Deus, é ressurreição.
A esperança é o único caminho que pode ajudar na luta contra o mal, contra a morte. Mas, por outro lado, só o amor mantém e produz esta esperança. É necessário, portanto, amar! Pode-se viver sem saber porque se ama; mas não se pode viver sem saber quem se ama. Nós cristãos sabemos quem amamos: Jesus de Nazaré, o amor crucificado! O amor ressuscitado!
Para um maior aprofundamento ver:
- “A Arte de Morrer” – Marie de Hennezel e Jean-Yves Leloup
- “Sobre a Morte e o Morrer” – Elisabeth Hübler-Ross
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