“O primeiro serviço que alguém deve ao outro na comunidade é ouvi-lo. Assim como o amor a Deus começa com o ouvir a sua Palavra, assim também o amor ao irmão começa com aprender a escutá-lo. É prova do amor de Deus para conosco que não apenas nos dá sua Palavra, mas também nos empresta o ouvido.”
Há 74 anos, no dia 09 de abril de 1945, as tropas inglesas e americanas invadiam a Alemanha nazista pelo norte e os russos atacavam pelo leste. Era o fim da 2ª guerra mundial. No entanto, no campo de concentração de Flossenburg, naquele dia 09 de abril, os nazistas enforcaram um pastor luterano de 39 anos. Tratava-se de Dietrich Bonhoeffer, um dos maiores teólogos cristãos do século XX e que se tornou uma espécie de antecipador do que tantos anos depois seria a Teologia da Libertação.
Dietrich Bonhoeffer era um homem, apaixonado por Deus, que lia a Bíblia diariamente e gostava de orar e cantar os salmos. Ele compreendia a Bíblia como uma carta que Deus havia mandado para ele e para todos os cristãos. Pertencia ao ramo mais devocional e religioso de sua Igreja. Passou uns meses nos Estados Unidos e o que mais o espantou foi encontrar uma religião civil, na qual todo mundo falava de Deus, mas na realidade parecia que Deus não existia. Uma sociedade racista e estruturalmente injusta.
Ele dizia só ter encontrado fé nas comunidades de Igrejas de negros e se encantava com os cânticos bem cadenciados e dançados (blues e negro espirituais). Bonhoeffer voltou à Alemanha e encontrou uma Igreja luterana que, como religião maioritária, foi se adaptando ao novo regime (nazista) e obedecia o que o governo lhe mandava. Bonhoeffer pregava a desobediência e a volta à fé do evangelho. Ele fazia questão de ligar a fé com a vida concreta. E ensinava que não se pode compreender o Novo Testamento (a graça de Deus) se antes não se procura viver o Antigo (a justiça). Não se valoriza o reino dos céus se não se ama tanto a terra que tudo parece estar perdido essa essa está ameaçada. Era um homem que adorava música, tocava vários instrumentos, frequentava teatros e tinha um bom diálogo com poetas apaixonados e jovens amantes de aventuras.
Para Bonhoeffer, nada de uma religião fora do mundo. Como dizia um autor do século III, ao cristão, nada do que é humano, pode ser estranho. Bonhoeffer denunciava a fé em um deus tapa buraco que servia para resolver os problemas que os humanos pensam não poder resolver. Deus não é para isso. O salmo diz: O céu é o céu de Deus, mas a terra, ele entregou aos humanos (Sl 115). Nada de “se Deus quiser” ou “esse carro foi Deus quem me deu”.
A nossa fé tem de ser histórica e séria e não um sentimento mágico e providencialista. Pregava a autonomia do mundo e da realidade social e política que deveria ser ética e justa por ser humana e não por ser religiosa. Ele dizia aos cristãos: “No mundo atual, temos de viver com Deus e em Deus, mas como se Deus não existisse”.
Acabou sendo preso por ter colaborado com a fuga de alguns judeus da Alemanha. Depois de preso, os nazistas receberam informações de que aquele pastor tão santo e tão místico, tinha participado de um atentado contra Hitler. Ele explicou aos seus parentes e amigos: Se vocês virem um ônibus dirigido por um motorista assassino que vai jogar o ônibus contra um grupo de crianças pequenas que brincam na calçada e você só puder evitar que o ônibus esmague as crianças se você atirar uma pedra no motorista que o desvie do caminho, mesmo sabendo que assim ele cairá no abismo… Você faria isso e provocaria a morte do tal motorista ou você deixaria ele matar as crianças inocentes?
Quando eu era jovem religioso, me deliciei com os livros que me parecem ter sido os mais importantes e atuais de Bonhoeffer. No sul do Brasil, os luteranos têm traduzido O Discipulado e também o Seguimento de Jesus, os dois editados pela editora Sinodal (São Leopoldo, RS). Também vale a pena ver “A Vida em Comunidade”. E depois a coleção de cartas à sua esposa e a amigos foi publicada com o título de “Resistência e Submissão” (Ed. Sinodal).
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