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A GUERRA RÚSSIA NA UCRÂNIA: O QUE SE ESCONDE NO CONFLITO?

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

A guerra começou, ou melhor dito, a guerra continua. A principal notícia na maioria dos canais de comunicação é a “invasão” da Rússia na Ucrânia. É preciso desvendar o que pode estar escondido no conflito e que a mídia tradicional do mundo ocidental não destaca nem comenta.

A Ucrânia é o segundo maior país da Europa com mais de 600 mil km2 e ocupando a 43ª posição no ranking mundial. O seu tamanho se iguala a Espanha e Portugal juntos e é maior do que o Estado de Minas Gerais. A Rússia é o maior país do mundo com 17 milhões de km2. Só para lembrar: seguem o Canadá (quase 10 milhões de km2), China e Estados Unidos (com 9,5 milhões de km2) e o Brasil em quinto lugar (com 8,5 milhões de km2)[1].

Podemos resumir que o que faz a Ucrânia ocupar um lugar especial na Europa, não é seu tamanho apenas. O país é estratégico sob vários pontos de vista. É considerado celeiro da Europa. Com terras férteis, banhadas por grandes rios e gozando de um clima moderado. Historicamente, é considerada a região onde a humanidade aprendeu a domesticar cavalos e usá-los como meio de transporte. Produz e exporta trigo e milho (não transgênicos), dos quais é um dos principais produtores mundiais. Com a eclosão da guerra, o preço do trigo no mercado internacional já subiu para 344 euros[2] (R$ 1.860,00) a tonelada. Com o fechamento do Mar de Azov pelos russos, os navios carregados de commodities podem sair do porto de Odessa, no entanto as embarcações que estão à espera não podem atracar e novos carregamentos foram suspensos. O funcionamento das ferrovias que levam as mercadorias até o porto, foi suspenso pelo governo ucraniano[3]. Cargill e Bunge, duas empresas gigantes estadunidenses, têm grandes interesses na produção agrícola ucraniana, especialmente o milho e o girassol.

O País é produtor e exportador importante de matérias-primas requeridas na indústria, entre as quais se destacam minério de ferro, carvão, manganês, gás natural, petróleo, sal, enxofre, grafite, titânio, magnésio, caulim, níquel e mercúrio[4]. Na região de Donetsk e Luhansk, onde prevalece a indústria, a população tem tendência pró-Rússia. Foi no período soviético que a indústria pesada se desenvolveu fortemente – máquinas, carros, indústria bélica e aeroespacial.

Em 2018, Ucrânia foi o nono produtor de urânio e detém 2% das reservas mundiais deste minério usado na indústria nuclear[5]. Não é por acaso que Chernobyl hospedava uma usina nuclear, que causou um grave acidente em 1986, cujas consequências serão sentidas por pelo menos 20 milênios[6]!

Para a política russa é de fundamental importância que a Ucrânia não seja integrada na Organização do Tratado do Atlântico-Norte (OTAN), Organização criada após a segunda guerra mundial contra a Rússia. Os Estados Unidos tem um histórico de intervenções e invasões em outros países do mundo, distantes de seu território. Espalhou perto de 800 bases militares em 80 países para consagrar a sua hegemonia bélico-militar pelo mundo afora. Interveio militarmente de forma direta ou de forma indireta armando rebeldes e opositores nos países onde tem interesses econômicos sob a falsa argumentação de defender a autonomia de cada nação e a democracia, a sua visão sobre democracia, que geralmente não leva em conta a vontade e as necessidades das populações locais. Como Dilma no Brasil, o presidente Yanukovitch foi afastado em 2013, com ajuda americana, por se recusar a assinar um acordo com a União europeia. O terrorismo urbano que se instalou a partir daí, resultou num golpe em 2014, que levou Zelenski ao poder em 2019. A suspensão unilateral dos acordos de Minsk e do START contribuiu com a decisão russa de intervir na Ucrânia militarmente. Os dois acordos são de 1991. O START foi um acordo histórico em que EUA e Rússia concordaram em reduzir suas armas estratégicas[7]. O Acordo de Minsk criou a Comunidade das Estados Independentes, entre estes a Ucrânia[8], que não se vinculariam à União Europeia. Depois de um golpe apoiado pelos EUA, Ucrânia decidiu violar este acordo.

Não se pode, como faz a mídia tradicional, simplesmente olhar o conflito na Ucrânia como uma disputa entre o bandido e o mocinho, em que o nada “democrático” Ocidente se contrapõe ao “despótico” Oriente russo-chinesa. Interesses de poder político-militar e econômico predominam nos dois lados. “Em geral, a mídia não só é subserviente ao “release único” escrito em Washington, como também é indigente e desonesta. Além de omitir aspectos étnicos, históricos e culturais dos povos eslavos, a mídia do mundo ocidental (Europa, Américas) também mente, estigmatiza Putin e falsifica a história” comenta Jeferson Miola, que foi um dos coordenadores do 5º Fórum Social Mundial (em Porto Alegre, 2005)[9]. Quem sofre as consequências são as populações, os trabalhadores, que irão pagar com suas vidas e seu empobrecimento. Ganham as empresas de material bélico em primeira instância, mas também o setor financeiro costuma sair ileso, até fortalecido de uma guerra que ele financiou.

Precisamos condenar a forma com que Putin atingiu a Ucrânia? Certamente. Concordar com as posições intransigentes dos Estados Unidos? Nunca. E lembramos: a primeira arma usada numa guerra é a comunicação com a população. Divulgar notícias parciais, incompletas e até mentirosas é estratégia de guerra que visa ganhar a adesão da opinião pública.

Nos Estados Unidos, a posição do governo Biden no conflito tornou-se moeda política, depois de o ex-presidente Trump declarar apoio a Putin e afirmar que se ele fosse presidente, esta guerra não teria acontecido. Há suspeitas de que Putin teria apoiado Trump na sua tentativa de se reeleger nas eleições passadas.

Além da guerra na Ucrânia, de longe o assunto principal da conjuntura semanal, os repetidos desastres climáticos devem ser lembrados. Centenas de pessoas morreram em consequência de falta de políticas públicas preventivas. Por um lado, as mudanças climáticas nunca receberam atenção suficiente por parte da maioria dos governos e economias, que sempre olham apenas para o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) e do crescimento dos lucros das empresas particulares. Por outro lado, mesmo com avisos frequentes e estudos sobre riscos de deslizamentos e enchentes[10], há muitas falhas na política de prevenção[11]. Limpeza urbana, remoção de residências em áreas de risco, proteção de encostas, restituição de cursos d´água naturais e ampliação da calha de drenagem urbana são medidas que recebem recursos insuficientes por parte dos governos.

A fim de recuperar eleitores, o presidente propaga algumas medidas para atrair sobretudo os mais pobres que tendem a votar em Lula no primeiro turno. Embarcando na campanha do atual presidente, a Folha de São Paulo tem dado espaço a Flávio 01 para divulgar mais uma vez notícias falsas e mentirosas sobre a soltura de Lula. Uma dessas medidas politiqueiras publicadas trata da liberação do FGTS Emergencial, que pode beneficiar até 40 milhões de trabalhadores. Para Paulo Guedes, os R$ 20 bilhões de reais liberados podem ser usados para a quitação de dívidas[12]. Outra medida é o anúncio do Banco Central de que as pessoas que tiveram contas “esquecidas” nos bancos – que seriam cerca de 38 milhões de pessoas e empresas – teriam possibilidade de recuperar algum dinheiro[13]. O aumento do subsídio para o Programa Casa Verde Amarela[14], anunciado no dia 23 deste mês de fevereiro, parece ter o mesmo objetivo. E a diminuição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em 25%, decretado em Edição Extra do Diário Oficial da União (Decreto 10.979 de 25/02/2022)[15] pode ser interpretada da mesma forma. Fato é que houve nos últimos dias um pequeno crescimento dos votos para JB, em detrimento principalmente de seu rival Sérgio Moro. Convém ainda lembrar que esses benefícios têm também um caráter de oportunismo político, visando as eleições, e que tem prazo de validade talvez bem limitado. Não são políticas de Estado, que são mais duradouras e permanentes.

Para a campanha de Lula se deve aconselhar o máximo de atenção, primeiro pela preservação da integridade física do candidato, que já mudou de endereço por questões de segurança[16], mas também pelas estratégias do gabinete do ódio e do governo com a compra indireta de votos e a divulgação de fake News, de notícias falsas e mentirosas, cujos autores e/ou responsáveis precisam ser punidos com presteza e severidade. Cabe a nós cidadãos aumentar a nossa capacidade de compreensão e de análise crítica e não nos deixarmos iludir por essas práticas insanas e criminosas.


[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_e_territ%C3%B3rios_por_%C3%A1rea (Acesso em 2022.02.26)

[2] https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/02/4988182-trigo-aluminio-e-titanio-materias-primas-estrategicas-no-conflito-entre-ucrania-e-russia.html (Acesso em 2022.02.26)

[3] https://www.bloomberglinea.com.br/2022/02/25/ucrania-invasao-isola-pais-e-retem-alimentos-e-metais/ (Acesso em 2022.02.26)

[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ucr%C3%A2nia (Acesso em 2022.02.26)

[5] https://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_da_Ucr%C3%A2nia (Acesso em 2022.02.26)

[6] https://brasilescola.uol.com.br/historia/chernobyl-acidente-nuclear.htm (Acesso em 2022.02.26)

[7] https://www.dw.com/pt-br/1991-eua-e-urss-assinam-acordo-hist%C3%B3rico-para-reduzir-armas/a-600714 (Acesso em 2022.02.27)

[8] https://brasilescola.uol.com.br/geografia/ceicomunidade-dos-estados-independentes.htm (Acesso em 2022.02.27)

[9] https://www.brasil247.com/blog/a-russofobia-da-midia-hegemonica-na-crise-da-ucrania?utm_source=mailerlite&utm_medium=email&utm_campaign=as_principais_noticias_desta_noite_no_brasil_247&utm_term=2022-02-25 (Acesso em 20022.02.26)

[10] Veja por exemplo: Celso Santos Carvalho e Thiago Galvão, Prevenção de riscos de deslizamentos em encostas em áreas urbanas. Disponível em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9613/1/Preven%C3%A7%C3%A3o%20de%20riscos.pdf (Acesso em 2022.02.26)

[11] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/02/12/o-que-foi-feito-e-o-que-falta-fazer-para-evitar-mais-tragedias-causadas-por-chuva.ghtml (Acesso em 2022.02.26)

[12] https://www.ultrajano.com.br/grande-imprensa-namora-bolsonaro/ (Acesso em 2022.02.26)

[13] https://www.istoedinheiro.com.br/dinheiro-esquecido-58-milhoes-ainda-nao-consultaram-sistema-veja-como-fazer/ (Acesso em 2022.02.26)

[14] https://extra.globo.com/economia-e-financas/suas-contas/castelar/governo-aumenta-subsidio-do-casa-verde-amarela-para-aquecer-mercado-imobiliario-especialistas-analisam-mudanca-rv1-1-25407354.html  (Acesso em 2022.02.26)

[15] https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=601&pagina=1&data=25/02/2022&totalArquivos=1 (Acesso em 2022.02.26)

[16] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-muda-de-cidade-e-reforca-seguranca/ (Acesso em 2022.02.26

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