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CARNAVAL, TEMPO PARA EVANGELIZAR? porpeLuis Miguel Modino

CARNAVAL, TEMPO PARA EVANGELIZAR?

Carnaval é a alegria popular que diz Dom Helder. O povo se envolve de muitos jeitos, participa, se diverte, é momento em que ninguém fica indiferente. Muitos sonham em desfilar na Marquês de Sapucaí ou  Sambódromo do Anhembi… e se não der para desfilar, no mínimo poder assistir, mesmo que  na  TV.  Naqueles espaços, acontecimentos e personagens são homenageados e, de vez em quando, são  denunciadas situações injustas que fazem parte do panorama nacional. Críticas sociais acontecem  cada vez menos, pois o dinheiro manda e ninguém pode mexer com o Deus capital.

Tradicionalmente a Igreja católica tem se mostrado distante ou  diretamente tem se oposto a algumas manifestações carnavalescas. Muitos tem sido os momentos de enfrentamento, mas nem sempre a Igreja saiu bem do embate.

Nesse Carnaval de 2017, duas escolas de samba, uma paulistana e outra carioca, foram  motivo de reação por parte da Igreja católica. Desta vez, o intuito foi defender o que seria  apresentado. Em São Paulo, a Escola Unidos de Vila Maria homenageou a Rainha do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, a Virgem Negra, que está completando 300 anos da sua aparição nas redes de uns pescadores, no Rio Paraíba do Sul.

No Rio de Janeiro, a escola Imperatriz Leopoldinense apresentou o enredo “Xingu, o clamor que vem da floresta”, defendendo assim os povos indígenas do Xingú , vítimas do agronegócio, das mineradoras, da pecuária e das grandes hidroelétricas, que estão acabando com esse pedaço da nossa Amazônia.

Bem antes das duas escolas colocarem os pés na avenida, a polêmica tomou conta da mídia, das redes sociais e da sociedade brasileira. Católicos conservadores não duvidaram em atacar com duras palavras a escola de samba paulistana e, sobretudo, ao Cardeal Dom Odilo Scherer, de quem dizem ser defensor “da horrenda e sacrílega profanação pública da imagem da Santíssima Virgem Imaculada de Aparecida”, e que sua atitude é uma “criminosa cumplicidade com o pecado, que destrói a fé e mata a alma das ovelhas que a ele foram confiadas”.

Diante desses e outros ataques dos herdeiros dos escribas e fariseus do Evangelho, os mesmo que criticaram, atacaram e mataram Jesus, só pelo fato de fazer realidade um novo jeito de entender e se relacionar com Deus, o cardeal de São Paulo emitiu uma nota pública onde explica com detalhes qual foi o processo desta homenagem, que começou em março de 2015, quando os responsáveis pela escola de samba lhe apresentaram o projeto de fazer uma homenagem à Padroeira do Brasil, por ocasião do seu Terceiro Centenário.

 Na referida nota, o arcebispo paulistano, mostra como, desde o primeiro momento, foi pedido o conselho e acompanhamento da Igreja Católica, na pessoa da Arquidiocese de São Paulo e do Conselho Pro-Santuario Nacional de Aparecida, quem “por unanimidade, deu parecer favorável à iniciativa, mas, recomendou que fossem observados alguns critérios”, que “a agremiação aceitou sem reservas”, para depois, a cada passo dado,  tudo ser apresentado para receber sugestões.

Dom Odilo defende que “tudo depende da intenção e da forma como as coisas são feitas”, se perguntando, “Mas será que Maria não gostaria de chegar lá, onde mais se faz necessária a sua presença?”. Todo cristão é chamado a levar a presença de Deus em todo lugar, a anunciar o Evangelho até os confins do mundo. Por isso, “os católicos não poderiam honrar o nome de Deus, professar sua fé e prestar homenagem a Nossa Senhora também no sambódromo?”

As reações após o desfile tem sido muito favoráveis, inclusive da grande maioria dos católicos brasileiros, tanto pelo enredo como pelo respeito pela figura da Virgem Negra Aparecida. Diante disso, só posso dizer, para aqueles que se empenham em se guardar dentro da fumaça do incenso e das velas, que cada dia estão mais longe do espírito de Jesus de Nazaré e não tem capacidade de lhe fazer presente do lado de fora da sacristia, no meio do povo. Devem saber que não são donos de Deus e que muita gente, também os integrantes dessa escola de samba, são cristãos, tanto ou mais do que eles, e que o que  fizeram surgiu de um sentimento de fé e reconhecimento pela figura de Nossa Senhora Aparecida, companheira de caminhada do povo brasileiro no dia a dia.

Quando vamos assumir que a Igreja, para ser fiel ao seu chamado, tem que ser missionária, em saída, se fazer presente fora dos “espaços sagrados”? Quando vamos superar as barreiras que nos impedem de sermos presentes na vida da maioria do povo? Quando vamos entender que cada cristão evangeliza a partir da realidade em que vive? Quando os que se acham donos da verdade, católicos verdadeiros, herdeiros mor do Evangelho, condenadores de hereges (aqueles que não pensam igual eles), vão entrar na dinâmica do Crucificado?

A outra escola, que não  se pode  deixar de fazer referência, é a Imperatriz Leopoldinense, que, numa atitude profética e corajosa, decidiu homenagear os povos indígenas do Xingú, denunciando um dos poderes fáticos brasileiros, o agronegócio, grandemente representado no Congreso e Senado, com grande influência na grande mídia, sobretudo a Rede Globo e aliados.

A homenagem para essa  região amazônica, onde o estrago perpetrado pelo agronegócio, pela pecuária, pelas  mineradoras e pelas grandes hidrelétricas, tem deixado feridas marcantes. Um território  de mártires, onde muitos entregaram a vida pela terra e seus moradores, como fez Irmã Dorothy, assassinada doze anos atrás, ou Dom Erwin Kräutler, bispo por mais de quarenta anos no Xingú, ameaçado de morte e vítima de repetidos atentados, só pelo fato de escolher ficar do lado dos descartáveis.

O agronegócio reagiu qualificando de inaceitáveis as críticas aos que se intitulam responsáveis por boa parte fatia do PIB e da geração de “emprego” no país. O que eles não dizem é o preço que está sendo pago. Por isso, consideram agressivo e inadmissível que a escola tenha mostrado o poder mortífero dos agrotóxicos, do veneno que acaba com a Vida dos povos e  a Casa Comum. Produtos esses  que em sua grande maioria são proibidos em outros países.

O carnavalesco Cahê Rodrigues, diz que “tudo que agride a floresta, o meio ambiente e, diretamente o índio, nós precisamos citar. Porque o enredo não é um conto de fadas. É uma história real”, acrescentando que “a Imperatriz não está inventando nada, faz parte da história do Brasil”.

Como denunciam a Comissão Pastoral de Terra (CPT), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e o Serviço Pastoral do Migrante (SPM), em nota pública de 22 de fevereiro de 2017, os indígenas, quilombolas e comunidades pobres do campo, “têm sido até hoje sistematicamente invisibilizados, como se não existissem”. Que um desfile de carnaval, assistido em todos os cantos do planeta, mostre essa trágica realidade, isso nunca vai ser aceito pelo povo da Casa Grande, pois deixa em evidência suas perversas artimanhas.

 A partir daí, as pastorais do campo consideram que “a escola de samba Imperatriz Leopoldinense já se pode considerar vencedora do carnaval carioca de 2017, por estar resgatando da invisibilidade histórica os povos indígenas do Brasil e denunciando as agressões constantes que sofrem seus territórios, em seus modos de vida e cultura”.

Como cristãos, como Igreja, como gente da caminhada, somos desafiados a levar a mensagem do Evangelho em todo canto e situação, também no sambódromo em tempo de carnaval, anunciando e denunciando, dando apoio àqueles que os poderosos querem destruir. O clamor dos povos indígenas brasileiros tem que ser conhecido. Não podemos permitir que aqueles que sempre cuidaram do pulmão do Planeta sejam massacrados por um poder econômico que não se preocupa com a sustentabilidade do meio ambiente, cada vez mais fragilizado. Nos calarmos nos faz cúmplices e nos afasta do Espírito do Criador.

Por PeLuis Miguel Modino

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