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Francisco, o Papa que carrega a Amazônia no Coração

“a Amazônia é para todos nós uma prova decisiva para verificar se nossa sociedade, quase sempre reduzida ao materialismo e pragmatismo, tem condição de custodiar o que tem recebido gratuitamente, não para desvalorizá-lo, e sim para fazê-lo fecundo”  Papa Francisco 

Os discursos do Papa Francisco não deixam ninguém indiferente, sempre levam a refletir sobre elementos que muitos ignoram, num mundo e numa Igreja em que manda o espírito do mercado, que nos faz valorizar as coisas a partir dos números, do valor material, do lucro que cada coisa ou pessoa produz.
Em seu discurso aos bispos colombianos, dentre os muitos e importantes aspectos abordados, tocou no tema da Amazônia. Ele o fez no último momento. Sou daqueles que pensam que quando alguém fala, o que diz  no final é aquilo que não quer que ninguém esqueça.

Coloco minha atenção nas palavras sobre a Amazônia a partir do local onde moro, no coração desta região, bem na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, reconhecendo que as palavras do bispo de Roma podem ir alem das fronteiras numa terra onde seus moradores originários não entendem dessas divisões que os europeus e seus descendentes os impuseram.

No coração do Papa Francisco a Amazônia ocupa um lugar privilegiado. Desde sempre tem se interessado pelo que acontece nestas águas e florestas, no meio destes povos que aqui vivem tradicionalmente e que com suas atitudes nos mostram que outro mundo e outro jeito de entender a vida são possíveis.

Foi desde o Vaticano que se deu o maior impulso para o nascimento da REPAM, Rede Eclesial Pan Amazônica. Do mesmo modo, a Encíclica Laudato Si, um dos instrumentos mais decisivos no pontificado do Papa Bergoglio, tem como pano de fundo elementos que estão muito presentes na vida e espiritualidade dos povos amazônidas.


Numa atitude que entendo como uma tentativa de combater o espírito mercantilista que falava no início, o Papa Francisco não duvidou em nos fazer refletir, desde o meu ponto de vista também como cristão e como Igreja, sobre nosso olhar para com aquilo que é de todos e, sobretudo, de Deus.

Ao dizer aos bispos colombianos que “a Amazônia é para todos nós uma prova decisiva para verificar se nossa sociedade, quase sempre reduzida ao materialismo e pragmatismo, tem condição de custodiar o que tem recebido gratuitamente, não para desvalorizá-lo, e sim para fazê-lo fecundo”, quer nos fazer pensar no valor das coisas em si mesmas, em que o respeito pela Criação vai fazer que nem só nossa vida, como a das gerações futuras, seja melhor, que viver com mais bens materiais nem sempre é sinônimo de maior bem estar e felicidade. Sou testemunha de que em muitos cantos da Amazônia o povo vive com pouca coisa e é feliz.

Nem tudo aquilo que nos faz sábios é aquilo que aparece nos livros. O conhecimento não se reduz a elementos técnicos, vai além e abrange os sentimentos e atitudes que nos ajudam a lidar com a vida desde perspectivas diferentes. Uma maneira de entender a realidade que nos conduz à Sabedoria bíblica, que nasce desse Deus que se faz presente em nossa história e que também se manifesta “na arcana sabedoria dos povos indígenas amazônicos”, e de tantos outros, e de quem, como faz o Papa, também “me pergunto se ainda temos capacidade de aprender deles a sacralidade da vida, o respeito pela natureza, a consciência de que nem só a razão instrumental é suficiente para encher a vida do homem e responder aos seus mais inquietantes questionamentos”.

Se queremos continuar sendo presença de Deus no século XXI, somos desafiados a deixar transparecer  em nossas atitudes os mesmo sentimentos de Cristo, quem nunca abandonou àqueles que pela sua pequenez e insignificância não têm importância para o mundo. Ser Igreja tem que nos levar a todos, nem só à Igreja colombiana “a não abandonar em si mesma a Igreja da Amazônia”, onde faltam pessoas e recursos para acompanhar e defender a vida de quem vive em locais isolados, abandonados pelo poder público, que muitas vezes só os olham igual aves de rapinha que pretendem acabar com seus recursos naturais e com sua vida.

Por isso, somos chamados a sermos amigos da Amazônia e de seus povos, a sermos “o outro braço da Amazônia”, a não largar a Amazônia e seus moradores, sobretudo quem vive nos cantos mais remotos, a estar presentes como aquele que caminha de mãos dadas e ajuda a se levantar quem está no chão, pois do contrário a Igreja pode ser “mutilada no seu rosto e em sua alma”.


Mais uma vez o Papa insiste na necessidade de afiançar uma Igreja com “rosto amazônico”, deixando ver que as visões monolíticas, que pretendem instaurar elementos uniformes em todos os cantos do mundo partindo de visões ocidentais, não condizem com aquilo que o Evangelho nos propõe, pois não é a mesma coisa evangelizar a Amazônia do que a velha Europa.

A Amazônia é orgulho para Colômbia, dizia o bispo de Roma, mas também deveria ser para o planeta e todos seus moradores, pois na medida em que todos, também quem vive sua fé dentro da Igreja católica, cuide de sua diversidade e de seus povos, isso vai preservar o que nunca pode faltar, vida em plenitude para toda a humanidade.

Por Luis Miguel Modino

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