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MEIO MILHÃO DE MORTOS POR COVID-19

Por Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V)

Em março passado, pesquisadores alertaram que o Brasil poderia chegar a meio milhão de mortos por Covid-19 no mês de julho. Essa meta macabra foi alcançada este fim de semana, 15 dias antes do que se temia. E não há sinais de melhora imediata à vista. A média móvel de vítimas fatais da doença pulou novamente para acima dos 2.000 por dia[1]. Ainda nesta semana, o Presidente da República defendia a proteção por infecção generalizada como meio mais eficaz para a imunização da população, e não a vacinação em massa, contra todas as evidências científicas e de bom senso. Idiotice demais! O Brasil está em 7º lugar na lista dos países com maior número de mortos por um milhão de habitantes, atrás do Peru (com 5.760/milhão) na América Latina e outros cinco países na Europa Oriental (Hungria, Bósnia-Herzegovina, República Checa, Macedônia e Bulgária). São 2.345 brasileiras e brasileiros por milhão que foram sacrificados no altar do descuido, da irresponsabilidade e do descaso políticos[2]. Em termos de novas mortes por dia e por milhão (média dos últimos sete dias em 18/06), América Latina está em situação complicada. O Brasil contabiliza 9,6 mortes em cada milhão de habitante e está em 5º lugar no mundo, atrás do Paraguai (17 por milhão), Uruguai, Colômbia e Argentina. Os dados são do site infográfico do jornal Gazeta do Povo.

Um dos efeitos colaterais da pandemia mais sentidos pela população é a fome. O acesso a uma alimentação saudável e suficiente está sendo negado a mais da metade da população brasileira[3], conforme pesquisas realizadas no final do ano passado. Em seis meses, a população que vive abaixo da linha de pobreza no Brasil, simplesmente triplicou[4]. O governo federal simplesmente se omite a tomar medidas que diminuam a fome. O custo de vida está em alta e o auxílio emergencial ridiculamente baixo ou negado.

Desde o ano passado, há muita mobilização da sociedade civil para organizar a solidariedade com as famílias afetadas. Destacam-se as campanhas organizadas pelo MST, o Greenpeace, a Rede Maniva e a Central Única das Favelas[5], que já distribuíram muitas toneladas de alimentos para famílias em dificuldades de conseguir alimentar-se. A “Ação da Cidadania Contra a Fome”, iniciada no século passado por Betinho (Herbert de Sousa), a cada dia ganha mais importância. O site Ciclo-vivo ainda cita várias outras campanhas que procuram ajudar as famílias atingidas pelo fim do auxílio emergencial público ou os baixos valores que o governo federal repassa a estas famílias[6].

A CNBB organizou a Campanha “Tempo de Cuidar”, desde o ano passado, como ação solidária emergencial[7]. A Igreja convoca as comunidades eclesiais a juntar-se a lideranças comunitárias locais para fortalecer a ação. Mesmo que o foco seja a coleta de alimentos não perecíveis e a distribuição de cestas básicas, a campanha não se limita a isso. Procura também dar apoio àqueles que foram acometidos por efeitos colaterais da doença além de passar informações sobre combate à pandemia e à vacinação. É cuidar de vizinhos, parentes, de pessoas conhecidas e desconhecidas em todos os aspectos em que necessitam de cuidados. A Associação dos Trabalhadores da Fiocruz (ASFOC), lançou a Campanha “Vacina no braço, comida no prato”. Além destas e outras campanhas de maior envergadura, há as inúmeras iniciativas locais e individuais de distribuição de refeições e de alimentos. Muitas destas microações não alcançam a mídia, mas são importantíssimas para o combate à fome.

A REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica, organizou a “Campanha Vida por um Fio”[8], que incentiva a defesa da vida e contra a grilagem (roubo) de terras, e contribui igualmente com o combate à fome. O objetivo principal desta Campanha é ampliar a resistência contra a entrega das terras brasileiras para o agronegócio e as grandes empresas produtoras de monoculturas. O presidente Bolsonaro, declarou no último Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo que o Brasil está a caminho para se tornar o maior produtor de alimentos do mundo[9]. A perspectiva é de que até 2025/2030, esta posição esteja alcançada.

Porém, o que este desejo político-econômico implica para a população brasileira? Que consequências vai trazer? Podemos ilustrar a partir de alguns exemplos que vão muito além da destruição das políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional. O Ministro de Economia, na quinta-feira desta semana, propôs distribuir alimentos com data de consumo vencida para solucionar a fome no País[10]. Ou ainda, de direcionar alimentos desperdiçados de feiras e supermercados para programas sociais, inclusive de famílias inscritas no Bolsa-Família[11]. Imaginem só! Enquanto isso, os programas de Aquisição de Alimentos, que pretendiam fortalecer a agricultura familiar, têm seus recursos drasticamente diminuídos. Por meio de dois Projetos de Lei já aprovados na Câmara Federal, o governo pretende utilizar 40% do recurso do Programa Nacional de Alimentação para a compra de leite fluido, e incluir obrigatoriamente o consumo de carne no cardápio escolar. A compra destes dois produtos é feita de grandes produtores de leite e de carne suína, uma vez que os produtores familiares não dispõem de meios para atender às exigências sanitárias. A decisão de ampliar o uso cada vez mais intenso de agrotóxicos e de produtos transgênicos – como milho e trigo – pioram os padrões alimentares dos brasileiros. E suas consequências desastrosas sobre a saúde passarão a ser sentidas daqui a algum tempo.

A agricultura familiar ainda contribui com grande parte dos alimentos consumidos pelo brasileiro, embora carecem pesquisas mais qualitativas a respeito[12], mas a tendência é de diminuir sua importância para que os produtos ultraindustrializados (que são mais prejudiciais à saúde humana) ganhem mais espaço na dieta da população pobre. Sendo para os pobres, entende o sr. Guedes, não tem problema maior. É a ética do Guedes e sua claque.

E lembrando respeitosamente, mas com muita indignação, os 500 mil mortos pela Covid-19, é preciso trazer ao seu conhecimento iniciativas da sociedade civil, como a criação da AVICO –  Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19, em abril de 2021, em Porto Alegre, RS. E ainda em outubro de 2020, a criação da Associação Brasileira das Vítimas da Covid-19 (ABRAVICO), fundada em Dourados (MS) e que tem realizado ações representando as vítimas da Covid naquele Estado[13]. Quanto cuidado e quanta solidariedade praticada!

Por sua vez, o Congresso Nacional, esta semana, se mostrou mais uma vez completamente insensível às necessidades da população e da economia brasileiras. Não importa que as contas de energia subam, o ganho do capital, dos investidores nas empresas de geração e transmissão da energia é mais importante[14]. O atual governo, com apoio da maioria do Congresso, está trabalhando dia e noite para destruir as políticas públicas no país e prejudicar sua população. Isso mostra, mais uma vez, a importância de se prestar muita atenção no momento em que elegemos nossos “representantes” legisladores (deputados e senadores), pois somos também muito responsáveis se elegemos mal, se escolhemos maus legisladores. E 2022 está chegando. Vamos continuar engordando as contas dos ricos? Ou vamos eleger gente que prioriza a distribuição da riqueza gerada e a renda entre todos os brasileiros? Esta será, como sempre, a principal pergunta que deve preocupar nossas discussões e debates. E não podemos esquecer: “Voto não tem preço. Tem consequências”. É o que a maioria dos brasileiros estão sentindo na pele, no estômago e no bolso.

Mais de 750.000 manifestantes ontem (19/06) em mais de 400 cidades e em 17 países exigiram o impeachment de Bolsonaro, por vacinas e comida, são sinal de que a população não aguenta por muito tempo este desgoverno.


[1] https://brasil.elpais.com/brasil/2021-06-17/brasil-registra-o-maior-numero-de-mortes-diarias-por-coronavirus-desde-o-final-de-abril-e-volta-a-acelerar-contagios.html (Acesso em 2021/06/19)

[2] https://infograficos.gazetadopovo.com.br/saude/ranking-do-coronavirus-por-paises-mortes-por-milhao/ (Acesso em 2021/06/19)

[3] https://www.brasildefato.com.br/2021/04/05/brasil-tem-19-milhoes-de-pessoas-passando-fome-em-meio-a-pandemia (Acesso em 2021/06/19)

[4] https://elle.com.br/sociedade/conheca-acoes-de-solidariedade-contra-a-fome-e-saiba-como-ajudar (Acesso em 2021/06/19)

[5] https://www.greenpeace.org/brasil/blog/toneladas-de-solidariedade-campanha-combate-a-fome-com-agroecologia/ (Acesso em 2021/06/19)

[6] https://ciclovivo.com.br/vida-sustentavel/alimentacao/como-ajudar-a-combater-a-fome/ (Acesso em 2021/06/21//19)

[7] https://www.cnbb.org.br/tempodecuidar/ (Acesso em 2021/06/19)

[8] https://repam.org.br/avidaporumfio/ (Acesso em 2021/06/19)

[9] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/06/4928942-bolsonaro-brasil-deve-se-consolidar-como-maior-produtor-mundial-de-alimentos.html (Acesso em 2021/06/9)

[10] https://www.acaodacidadania.org.br/blog/nao-a-doacao-de-alimentos-com-validade-vencida?categoryId=22610 (Acesso em 2021/06/9)

[11] https://www.acaodacidadania.org.br/blog/acao-da-cidadania-critica-proposta-de-guedes-de-doar-alimentos-desperdicados?categoryId=22610 (Acesso em 2021/06/19)

[12] https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/55609579/artigo—qual-e-a-participacao-da-agricultura-familiar-na-producao-de-alimentos-no-brasil-e-em-rondonia (Acesso em 2021/06/19)

[13] https://sul21.com.br/geral-1/2021/04/associacao-de-vitimas-da-covid-19-e-criada-para-cobrar-poder-publico-viemos-para-botar-o-pe-na-porta/ (Acesso em 2021/06/19)

[14] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/06/17/senado-aprova-privatizacao-de-eletrobras-mudancas-ainda-serao-votadas.htm (Acesso em 20/06/19)

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