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O Anjo anunciou a Maria. A Comunidade é convidada a dizer seu “faça-se a tua vontade”.

O Anjo anunciou a Maria (Lc 1,26-38)

O texto desta meditação faz parte do chamado Evangelho da Infância. Trata-se de um modo de escrever onde o evangelista não apresenta um relato tal como as coisas aconteceram, mas sim uma catequese sobre os principais elementos da fé para e a partir das necessidades de sua comunidade. Um texto com muitos nomes próprios, como uma carteira de identidade.

Por volta do ano 70 d.C., o templo e a cidade de Jerusalém foram destruídos. Sobraram dois grupos, o dos fariseus e o dos cristãos. Todos fugiram para as regiões vizinhas. O grupo de judeus-fariseus procurou reconstruir e reorganizar o povo judeu na sinagoga. Retomaram a rigorosa observância da Lei judaica, quem desobedecia era perseguido. Foi o que aconteceu com o grupo de judeu-cristãos. O Evangelho de Lucas foi escrito por volta do ano 85 para estas comunidades, uma minoria perdida no meio do imenso Império Romano, nas periferias das grandes cidades.

A realidade das comunidades exige atualizar a prática de Jesus. Lucas com seu relato constrói uma casa nova com tijolos antigos. Ele usa textos do Primeiro Testamento para elaborar sua narração. Logo no início temos a saudação «alegra-te» (v.28) tirada do profeta Sofonias (3,14). Já a expressão «O Senhor está contigo» encontramos no livro dos Juízes (6,12), quando um anjo aparece a Gedeão. «Não temas» (v.30) é a mesma frase usada pelo anjo Gabriel para apresentar-se a Daniel (Dn 10,12). «A Deus nada é impossível» (v.37) podemos encontrar em Gênesis 18,14 quando um anjo anuncia a Abraão o nascimento de seu filho. A palavra do anjo a Maria «conceberás e darás à luz um filho ao qual porás o nome…» (v.31) é a do anjo à escrava de Abraão, Agar, (Gn 16,11). E «ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, o Senhor lhe dará o trono de David, seu pai, reinará sobre a casa de Jacob pelos séculos, e o seu reino não terá fim» (v.32-33) faz referência à profecia de Natan ao rei Davi (2 Sm 7,12-16).

O Evangelista não é um jornalista apresentando informações, mas uma pessoa de fé relendo a vida da comunidade a partir das promessas do Primeiro Testamento, mostrando que em Jesus estas promessas se cumprem. Todas as partes da narrativa correspondem a uma forma literária chamada “relato de anunciação”. Trata-se de um esquema fixo presente várias vezes na Bíblia, com cinco elementos: 1) A aparição: «o anjo Gabriel foi enviado por Deus» (v.26); 2) A perturbação: «ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se» (v.29); 3) A mensagem: «Hás de conceber no teu seio e dar à luz um Filho…» (v.31); 4) A objeção: «Como será isso, se eu não conheço homem?» (v.34); 5) O sinal: «Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês» (v.36).

Toda a narrativa apresenta muitos nomes próprios, como na nossa carteira de identidade. O que se procura anunciar é que, assim como Jesus, a Comunidade é chamada a cumprir uma missão a partir de sua identidade. O menino concebido por Maria é o Filho de Deus, é o Messias esperado por Israel e nele se cumprem todas as expectativas do Primeiro Testamento. A Comunidade é convidada a dizer seu “faça-se a tua vontade”. Como no relato da criação, Deus cria a partir de sua Palavra. Nela consta sua origem, antepassados, lugar o nome Jesus. Nós que somos hoje o rosto de Jesus, propomos esta boa notícia ao pobres, os que sofrem e a todos e suspiram por um mundo novo? Eles encontram em nós esta mensagem libertadora?

Luis Henrique Alves

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