Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).
Nestes últimos dias, novos movimentos ameaçadores aconteceram em Brasília. Saindo de suas obrigações constitucionais, os comandantes do Exército, instigados por um presidente sociopata, novamente meteram seu nariz em coisas que não lhes interessam, que não são da alçada deles: o processo eleitoral. A custódia sobre o processo eleitoral não é papel das Forças Armadas, mas da Justiça Eleitoral. A organização das eleições é da responsabilidade do poder judiciário, não dos militares e a vigilância sobre as urnas e a lisura do processo pertence à sociedade e aos partidos políticos, nesta ordem. Nada têm a ver com o Exército, que tem apenas o papel constitucional de defender a integralidade da nação diante de eventuais ameaças externas. Não cabe às Forças Armadas fiscalizar urnas, nem questionar a forma eleitoral. O Exército nem poder constitucional não é.
A sociedade não pode, de forma alguma, tolerar que os milicos – de soldados a generais de cinco estrelas – excedem seu papel no País, querendo dominar desastrosamente e de forma violenta e armada os destinos da população à qual somente devem servir. O criminoso que está desgovernando o Brasil aprendeu na época da ditadura militar, de ir à procura de inimigos internos. Ele declarou de forma explícita “nosso inimigo está dentro dos gabinetes com ar condicionado”[1] Podemos ter certeza de que não irá aceitar o resultado das urnas, se não forem em seu favor e o elegerem para um segundo mandato. Não eleito e empossado o novo presidente, a perspectiva para ele e sua laia é a cadeia, sob acusação de lesa-pátria, de corrupção e de irresponsável uso do poder e dos recursos públicos em benefício próprio – não só os financeiros, mas inclusive as instituições como Polícia Federal, AGU e ministérios. Ser presidente não é ser monarca medieval. Este sim concentrava nas suas mãos os três poderes, sem ele próprio ser submetido às regras de uma lei, de uma constituição.
Vivemos, de novo, ventos antidemocráticos como no dia 7 de setembro do ano passado. E os próximos meses prometem ser cheios de embates. A democracia continua ameaçada, mesmo com as resistências e a desaprovação de instituições e movimentos e até de atores internacionais. O processo eleitoral promete não ser muito tranquilo e o Brasil pode reproduzir de forma mais brutal e violenta o que os Estados Unidos conseguiram contornar em 2021. A sociedade brasileira deve ficar de olhos abertos e com as pernas na rua em defesa das instituições democráticas. Garantir a participação de Lula, que hoje simboliza a democracia e sua integridade física e política deve ser o principal objetivo da resistência popular.
Outro assunto que ganhou força novamente nos últimos dias trata do orçamento secreto ou do relator. Em ano eleitoral, deputados e senadores vão à cata de votos e buscam para isso apoio nas suas “bases”. Quanto mais obras e programas possam apresentar como resultado de seu desempenho, mais a população tenda a admirá-los e bajulá-los. Nos dois anos anteriores (2020-2021) bilhões de reais destinados a serem passados a municípios por intermédio de parlamentares[2], que nem sempre recebem somente votos em troca, mas costumam ainda receber de volta uma porcentagem para investir nas suas campanhas. Campeões de distribuição de dinheiro são o PL (partido do atual presidente) e o PP de Ciro Nogueira e Artur Lira (dois partidos do Centrão). Em ano eleitoral, a prática pode distorcer a vontade do eleitor, que pode ter sua consciência crítica ofuscada pelo aparente beneficiamento de seu município por verbas, que pouco influirão no bem comum e nas políticas públicas essenciais para enfrentar o empobrecimento generalizado na atual realidade (ainda não) pós-pandémica e bélica mundial.
Não há controle eficiente sobre estas transferências orientadas por parlamentares e alguns nem sabem quanto, para quem e para quais destinos a sua cota vai ser usada pelo relator do orçamento, senador Márcio Bittar (da União Brasil/AC). Podemos citar o próprio exemplo dele: enviou em 2021 nada menos do que R$ 460 milhões para municípios de seu Estado[3]. No decorrer da semana, o STF cobrou a lista completa sobre este orçamento secreto, porém não recebe as informações de forma integral. Recebeu informações de 340 deputados federais e 64 senadores (de um total de 516 deputados e 81 senadores, faltando quase um terço), mas nem de todos de forma completa. Os parlamentares que tiveram mais recursos aprovados em 2021 foram, além do relator, a mãe de Ciro Nogueira, Eliane (Progressistas do PI), Arthur Lira do mesmo partido (PP/AL), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) e Fernando Bezerra (MDB/PE) Márcio Bittar é suplente de Ciro Nogueira (PP-Progressistas/PI) na Comissão de Orçamento. Nogueira assumiu o cargo de Ministro da Casa Civil desde julho do ano passado[4].
A distorção que causou o orçamento secreto nas contas públicas, pode ser percebido quando se compara seu valor com os orçamentos de seis ministérios: Ministério de Relações Exteriores, do Meio Ambiente, do Turismo, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União[5].
As cotas parlamentares no orçamento já é um absurdo por si só e um desvio perigoso dos recursos públicos. Não são os parlamentares os incumbidos com a distribuição das verbas. O legislativo aprecia, emenda e fiscaliza a execução orçamentária, não deveria estar distribuindo recursos para suas bases. A impessoalidade da gestão pública pode estar sendo violada, mesmo que a Constituição permita essa excrescência. Além do mais, para conceder e o efetivo envio dos recursos, o poder executivo tem se usado dele para pressionar o parlamentar a apoiar projetos de lei de seu interesse.
A guerra na e da Ucrânia promete ser uma guerra longa. Nada indica que o conflito será resolvido em curto espaço de tempo. E tende a envolver cada vez mais países, talvez não de forma direta, mas com certeza nas suas consequências sociais e econômicas. Está se tornando uma verdadeira terceira guerra mundial, cujas atividades armadas podem se expandir e muito com o envio de armas a Ucrânia ou até agressões russas mais ousadas em resposta às provocações ocidentais. Quem agradece são as indústrias bélicas estadunidenses. Tudo leva a crer que Vladimir Putin deu um tiro no próprio pé. Parece ter calculado mal suas possibilidades de vitória. As provocações do Ocidente com o aceno da entrada da Ucrânia na OTAN levaram o presidente russo à intervenção no país vizinho, que justificava ainda por uma defesa de minorias russas na região de Lugansk e Donetsk. Em vez de evitar a incorporação de Ucrânia na OTAN, pode estar provocando o avança da aliança ocidental em países escandinavos (Suécia e Finlândia, que já estão discutindo sua entrada na OTAN) e outros países ex-integrantes da União Soviética.
Finalizamos com uma aberração judiciária no Maranhão. Há décadas, o território quilombola Mundico no Município maranhense de Santa Helena – na Baixada – luta pela demarcação de sua área que ocupa há mais de cem anos. 96 famílias moram na gleba desde 1880, comprovadamente[6]. O Quilombo já recebeu o certificado do Instituto Palmares. Mas, como o INCRA só regulariza terras griladas e de grandes empresas, as de produtores familiares, indígenas e quilombolas ficam sem sua demarcação e legalização e as famílias em Mundico aguardam desde 2013 a regularização.
Repentinamente apareceu um proprietário na figura de um ex-prefeito da região, Luiz Henrique Diniz Fonseca de Porto Rico. Não se sabe como ele conseguiu se registrar como dono da gleba, mas ele conseguiu colocar o imóvel como garantia para pagamento de uma dívida. E a terra vai a leilão, com aval o judiciário. Os juízes tem como atribuição conhecer a realidade de sua comarca. Por isso, a obrigação constitucional de residir nelas. Embora o juiz não pode iniciar um processo e ser imparcial, conhecer in loco as realidades sobre as quais precisa se pronunciar de forma deliberativa, é um imperativo. A maioria dos juízes, no entanto, se contenta em analisar papel, sem conhecer de perto as situações concretas. E julgam de forma equivocada, deliberadamente ou não, às vezes até com sentenças compradas. Uma reforma profunda do poder judiciário em nosso país se impõe. Num país com altos índices de corrupção, onde o dinheiro muitas vezes fala mais alto nas relações sociais e políticas, o judiciário não pode ser vulnerável a este tipo de desvio, como na realidade o é.
[1] https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/nossos-inimigos-estao-dentro-do-gabinete-visando-roubar-nossa-liberdade-diz-bolsonaro/ (Acesso em 2022.05.14)
[2] https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/expoentes-do-centrao-pp-e-pl-lideraram-indicacoes-do-orcamento-secreto/ (Acesso em 2022.05.14)
[3] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/05/relator-do-orcamento-e-mae-de-ciro-nogueira-sao-campeoes-de-verba-politica.shtml (Acesso em 2022.05.14)
[4] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57934269 (Acesso em 2022.05.14)
[5] https://www.brasil247.com/brasil/valor-de-emendas-do-orcamento-secreto-e-maior-que-o-total-das-verbas-de-6-ministerios (Acesso em 2022.05.14)
[6] https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/05/10/terra-quilombola-vai-a-leilao-para-pagar-debito-de-ex-prefeito-no-maranhao.htm (Acesso em 2022.05.14)
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