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Os desafios da Formação e da Educação – VER/JULGAR

 

VER

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO

Os desafios da Educação em nosso País

Nas duas últimas décadas registraram-se importantes avanços na educação escolar, no que diz respeito ao acesso, no entanto não se logrou a Universalização do Ensino Básico e a consolidação das políticas de inclusão.

Os governos identificados genericamente como “democráticos e populares”, iniciados em 2003 e interrompidos em 2016, não conseguiram construir uma política educacional totalmente articulada entre seus níveis (educação básica e superior), suas etapas (educação infantil, ensino fundamental e médio) e suas modalidades (educação de jovens e adultos, educação do campo, educação profissional, educação indígena e educação especial), mas realizou intervenções com estratégias que abriram oportunidades de acesso à educação escolar para uma parcela da sociedade que até então era excluída.

A ampliação do FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental), em 2007 com a criação do FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), proporcionou não apenas ampliação do financiamento para toda a educação básica (da educação infantil ao ensino médio, inclusive na modalidade da EJA) com recursos provenientes deste Fundo, mas constituiu-se numa forma de reconhecimento de que o direito à Educação vai além das noções elementares de leitura, escrita e cálculo.

Porém, embora se tenha atingido a quase universalização do ensino fundamental, a ampliação do financiamento não garantiu um impacto importante nas outras etapas da educação básica. No entanto, se deve destacar duas ações que foram realizadas e que indicavam uma potencialidade transformadora. A primeira foi a aprovação da emenda constitucional nº 59/2010 que definiu a mudança na idade obrigatória, passando a ser dos 4 aos 17 anos. Isso impôs o reconhecimento da educação infantil como parte constitutiva da trajetória escolar e que, ficou sob a responsabilidade dos municípios oferecê-la a partir dos 4 anos. Esta medida oferece uma renovada perspectiva para a função da Educação para com as crianças mais jovens. De um lado, a responsabilização do Estado para com a oferta, rompe com a perspectiva filantrópica que sempre envolveu a educação dessa faixa etária e, por outro, a responsabilidade da família em viabilizar a frequência, compreendendo-a como direito da criança.  Isso significa que o Estado tem a obrigação de ter vagas e a família de colocar seu filho na escola a partir dessa idade. O limite desta medida está na possibilidade dos Municípios cumprirem com as metas estabelecidas e no riscos de a oferta desta modalidade tornar ainda mais grave o fosso entre as áreas pobres e as mais ricas do país. A segunda ação foi a que ampliou dos 14 para 17 anos a obrigatoriedade de frequência à escola chegando, portanto à idade que deveria ser, numa trajetória linear, a de conclusão do ensino médio. Esta medida teve impacto reduzido, pois cerca de 40% da população nesta faixa etária está ainda no ensino fundamental, ou fora da escola.

Entre os movimentos realizados para consolidar uma escola básica que cumprisse os preceitos constitucionais e as demandas sociais foi a proposição de Diretrizes para as diferentes etapas e modalidades de Ensino, uma ação política importante, que balizou as diretrizes do Plano Nacional da Educação. -PNE. O PNE resultado das Conferências Nacionais de Educação –CONAE, portanto marcado pela participação de diferentes setores sociais,  hoje está ameaçado quanto às suas finalidades, diretrizes e metas. A articulação que assumiu o governo expressa, através do MEC, um projeto educacional que reinterpreta a perspectiva de inclusão, de educação inclusiva, e do próprio conceito de escola pública. A reforma do Ensino Médio retoma uma visão reducionista de formação profissional e há um movimento articulado por setores conservadores que atua de forma sistemática e agressiva para orientar o currículo por valores estranhos ao Estado Democrático de Direito. Confirma tendência histórica da educação sob o capitalismo: a inclusão excludente. A mistificação de uma oferta que parcela importante dos jovens estudantes não se beneficiará. Uma estrutura e uma forma de organização que se dá a partir de um sujeito (aluno) abstrato: sem história, sem cultura, sem necessidades de sobrevivência, sem identidade.

 A imposição apressada de reformas e a ameaça concreta ao financiamento do sistema se fez com a desagregação do Fórum Nacional de Educação. Este que foi estruturado pela representação plural da sociedade, interrompeu o trabalho de construção da CONAE/2018 e consequentemente, levou à neutralização do acompanhamento do PNE. No seu lugar vazam-se medidas pontuais, ajustando-se todo o sistema educacional para responder às demandas do “sistema produtivo”, e dos desafios da sociedade da informação. Ressuscitam conceitos como o do “mérito” para devolver à responsabilidade individual os problemas que dizem respeito ao funcionamento Estado e de como sua economia conformou as relações sociais.  Estamos, pois, num ponto de retorno de consequências imprevisíveis.

O Fórum Nacional Popular de Educação – que vem organizando a Conferência Nacional Popular de Educação – como reação à exclusão de algumas entidades do CONAE, passou a ser um território de resistência e manifestação de que não há como abdicar o espaço do POLITICO na construção do projeto de educação.

Os setores dominantes, econômica e politicamente, em qualquer lugar e tempo, sempre se esmeraram em apresentar a escola como um território neutro, como o lugar onde se conquista conhecimentos e atitudes para ocupar os territórios do “bem estar”. Daí ser tão difundida a ideia de que são legítimos os privilégios conquistados pelas “láureas” acadêmicas.

As impressionantes diferenças de renda, as diferenças regionais, as heterogêneas expressões culturais não logram reconhecer a escola como um território de generoso diálogo e de expressão de suas identidades. Para uma parte importante da sociedade, a escola é um território estranho quando não, inóspito. Essas circunstâncias levam à desqualificação da participação nos diferentes níveis de formulação política: do chão da escola, passando pelos conselhos municipais, estaduais e nacional até a pressão e controle sobre o Congresso Nacional. Este completamente apartado, indiferente, descomprometido sem uma visão unificadora dos desafios educacionais.

A fragilidade de nossa democracia representativa bem como, a instabilidade das instituições democráticas podem ser entendidas como os principais fatores que impedem tratar a educação como política de estado. Isto resulta em descontinuidade de processos, programas e investimentos. Resulta também na impossibilidade de mudanças substantivas nas formas de investimento, no currículo, na organização da escola e do sistema escolar e, raramente, provocam reações generalizadas de estudantes, professores e pais. As reações circunscrevem-se aos grupos que detém interesses econômicos financeiros, seja na exploração da venda de educação, seja na venda das ferramentas para realizá-la. A demanda por uma educação de qualidade, que seja pública e universal não logra expressar-se com força. Uma cidadania difusa, frágil e tutelada não emerge como sujeito político no território da escola. Calada por um sistema de representação a linha de chegada é a demanda por matrícula (vaga) para uma escola: qualquer escola, isto precisa ser superado.

Temos um quadro de grandes disputas neste momento em nosso país e a educação faz parte deste contexto, o nosso papel é de fortalecer os espaços sociais para que retrocessos não coloquem em risco o que se construiu na busca de uma escola democrática, plural e de qualidade. Isto tem início chão da escola com a participação efetiva da comunidade.

 

 

Sandra Garcia

Doutora em Educação. Professora da área de Politicas Educacionais de departamento de Educação da UEL

 

JULGAR

 

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E DA FORMAÇÃO – JULGAR

Frei Betto

“EU VI, OUVI O CLAMOR DO MEU POVO E DESCI PARA LIBERTÁ-LO.” ÊXODO: 3,7

1 – A educação é um direito ou uma mercadoria?

                Se a educação é um direito, a quem cabe garanti-lo? Deve pagar por educação ou deveria ser um direito público e gratuito?

                Jesus ensinava pelo exemplo (Lucas 11, 1-4); formou um grupo de discípulos (João 1, 35-50); organizava o povo em vista de suas necessidades (Marcos 6, 39-40).

                 Uma educação crítica e participativa é capaz de reproduzir as bases materiais e espirituais de uma sociedade baseada na solidariedade.

      A educação detém o poder de destronar uma racionalidade dominante para introduzir outra, desde que não seja meramente teórica e se vincule a processos efetivos de produção material da existência.

     Não diferimos dos animais por nossa capacidade de pensar, e sim pela capacidade de reproduzir nossos meios de sobrevivência.

                Uma educação libertadora é a que almeja conquistar hegemonia por consenso, por práticas efetivas, e não por coerção ideológica. Deve abranger todas as disciplinas escolares, das ciências exatas à educação física, superando as relações fundadas na economia de trocas pelas que são regidas pela economia solidária, baseada na cooperação.

                As relações mercantilistas influem nas concepções daqueles que as adotam ou se deixam reger por elas. Tais relações acentuam o individualismo e induzem os educandos a acreditar que o mercado obedece a uma “lei natural”, e que fora dele não há alternativa… É isso que nos leva a, literalmente, torturar a natureza para que ela nos forneça seus frutos o quanto antes.

      Há que perguntar: para que serve a educação? Para adaptar os educandos ao statu quo? Para transmitir o patrimônio cultural da humanidade como se ele resultasse da ação destemida de heróis e gênios? Para formar mão de obra qualificada ao mercado de trabalho? Para adestrar indivíduos competitivos?

      Uma educação crítica e solidária engloba todos os atores da instituição escolar: alunos, professores, funcionários e suas respectivas famílias. E ultrapassa os muros da escola para se vincular participativamente ao bairro, à cidade, ao país e ao mundo.

      As portas da escola permanecem abertas a movimentos sociais, atores políticos, artistas, trabalhadores. E a ótica de seu processo pedagógico enfatiza esta verdade que a lógica mercantilista tenta encobrir: tanto a evolução da natureza quanto a história da humanidade têm seus fundamentos muito mais centrados na cooperação, na solidariedade, que na seleção natural, na competitividade e na exclusão.

                O valor da escola se mede por sua capacidade de inserir educandos e educadores em práticas sociais cooperativas e libertadoras. Por isso é indispensável que a escola tenha clareza de seu projeto político pedagógico, em torno do qual deve prevalecer o consenso de seus educadores. Sem essa perspectiva, a escola corre o risco de ficar refém da camisa de força de sua grade curricular, como mero aparelho burocrático de reprodução bancária do saber.

      Reinventar o futuro é começar por revolucionar a escola, transformando-a em um espaço cooperativo no qual se intercalem a formação intelectual (consciência crítica), científica e artística de protagonistas sociais comprometidos eticamente com o desafio de construir outros mundos possíveis, fundados na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.

2 –           Qual a diferença entre uma pessoa alienada e uma conscientizada? O que é formar para a cidadania e a democracia?

                Jesus anuncia o Reino de Deus dentro do reino de César (Marcos 4, 26-32; Mateus 25, 31-46).

                A educação crítica e participativa é o grande desafio nesse mundo hegemonizado pelo capitalismo neoliberal. Ela tem como princípio formar, não apenas profissionais qualificados, mas cidadãos protagonistas de transformações sociais.

      Ela extrapola os limites físicos da escola e vincula educadores e educandos a movimentos sociais, sindicatos, ONGs, partidos políticos; enfim, a todas as instituições que desempenham atividades de transformação social.

      A educação crítica e participativa só se desenvolve em sintonia com os processos reais de emancipação em curso e as reflexões teóricas que fundamentam tais processos.

      Deve levar em conta a intercalação de três tempos: o tempo das estruturas (mais longo); o tempo das conjunturas (mais imediato e mutável); e o tempo do cotidiano (no qual vivenciamos o conflito permanente entre a satisfação de interesses pessoais e a consciência das demandas altruístas).

       O tempo das estruturas deve ser objeto da educação escolar. Ele nos remete à história da história, aos grandes processos sociais com seus avanços e recuos.

      Quanto mais educadores e educandos são conscientes do tempo estrutural, mais se contextualizam e se compreendem como herdeiros de uma história que, entre dificuldades, avança da opressão à libertação.

      Ter consciência do tempo das estruturas é ter consciência histórica, e não se deixar afogar no mar de contradições dos tempos de conjunturas e do cotidiano. Cada um de nós é um pequeno elo na vasta corrente do processo social. Só tendo consciência da amplitude da corrente apreendemos a importância do elo que somos. Uma educação que não se abre para o tempo das estruturas corre o sério risco de ser cooptada pela estrutura mundialmente hegemônica.

      O tempo das conjunturas é o das mutações cíclicas que produzem inflexões nas estruturas sem, no entanto, alterá-las substancialmente. O acúmulo de conjunturas influi na mudança do tempo das estruturas. O grande desafio é como se comportar em determinada conjuntura de modo a aprimorar ou transformar a estrutura.

      O tempo do cotidiano é o do dia a dia, no qual trafegamos e tropeçamos, movidos por ideais altruístas, solidários e, ao mesmo tempo, atraídos pelas seduções do comodismo e do individualismo.

      É no tempo do cotidiano que a educação atua, e permite uma compreensão crítica da conjuntura e desperta o imperativo de se comprometer com a transformação da estrutura.

      Nesse tempo cotidiano vivemos imersos, muitas vezes movidos por utopias libertárias e, ao mesmo tempo, desanimados ao reconhecer, a cada dia, que a matéria-prima do futuro é humana, sempre frágil, ambígua e contraditória.

      A formação da consciência crítica e do protagonismo social resulta de um processo pedagógico que intercala os três tempos, de modo a evitar a mesquinhez de um cotidiano que nem sempre reflete os valores em nome dos quais o assumimos e queremos educar.

 

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos pastorais e sociais, autor de “A mosca azul – reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.

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