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O Acesso e Condições de Moradia – VER/JULGAR

 

VER

[EM CONSTRUÇÃO]

 

JULGAR

  1. MEMÓRIA DO DIA ANTERIOR:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência sócial (Constituição Federal nº 6). Um dos motivos para a inclusão do direito à moradia na Constituição é a associação direta dele com o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse princípio é um dos mais importantes dentro das nossas leis e serve como reflexão para várias questões, como: como é necessário que todas as pessoas tenham uma casa, um lar com requisitos básicos à sobrevivência, para que se viva com dignidade?

No entanto, a situação do Brasil em relação ao direito de moradia está muito longe deste princípio, desse direito conquistado e escrito. O déficit de vivendas ultrapassa os 6.200 milhões e vem crescendo nos dois últimos anos. Várias são as causas desse déficit. A mídia suaviza esta realidade, chamando favela de “comunidade” e o povo sofredor que vive na rua em “pessoas em situação de rua”.

  1. JULGAR

Para refletir (julgar) sobre esta realidade, precisamos perguntar pelas causas da desigualdade social no Brasil, sobre a concentração de bens que seriam para a vida de todas as pessoas. Será que a concentração da terra não causa a expulsão de milhares de famílias do campo, obrigando-as a irem despreparadas para as cidades, sem trabalho fixo e sem moradia? As grandes empresas da construção civil não estarão atraindo mão de obra barata para a parte mais pesada de suas grandes obras, deixando seus empregados na rua quando a obra termina ou é embargada? O império do dinheiro não estará mais interessado no rendimento do seu capital do que em produzir bens? Os poderes públicos, que classes sociais privilegiam com suas políticas e investimentos?

Diante deste sistema caótico de concentração de riquezas e de opressão, temos que manter viva a memória bíblica do êxodo, que carrega a imagem de um Deus atento aos sofrimentos das pessoas escravizadas. Deus chama a este povo escravizado de “meu povo”. O povo de Deus, hoje, está sujeito às reformas trabalhista, fiscal, previdenciária e outras que retiram dos trabalhadores/as os direitos duramente conquistados. Mas, Deus continua atento ao clamor do seu povo oprimido:

“Eu vi, eu vi os sofrimentos do meu povo” (Ex 3, 7)

Por isso, é tempo de profecia corajosa e lúcida, esperançosa e conjunta, em alegre e decidida caminhada. A profecia é um grito que desperta a consciência adormecida! No tempo dos Juízes, quando a organização do povo era mais igualitária, a profetisa Débora (Jz 4,4) e a estrangeira Jael (Jz 4,18) assumem com audácia o risco de derrubar o poder do rei Jabin, rei de Canaã, que impedia a articulação das tribos para levar adiante o Projeto de Javé.

Quando os impérios se apossaram da Terra Prometida, conquistada com sangue e suor, e o povo bíblico apenas sobrevivia, surgiram mais profetas e profetisas. Não eram pessoas isoladas, como às vezes pensamos. Profetas tinham suas raízes bem fincadas no chão da vida do povo. Sentiam suas insatisfações, sofriam as mesmas dores; mas tinham sonhos, utopias, esperanças que nasciam da certeza de que Javé, o Deus libertador dos pobres estava com eles.

Alguns profetas eram da roça, camponeses como Amós e Miqueias. Suas denúncias são fortes e claras, atuais e provocadoras, como a de Miqueias: “Ai daqueles que planejam a injustiça e tramam o mal. É só o dia amanhecer e já o executam, porque têm o poder em suas mãos” (Mq 2,1-2). E o sonho de Amós, outro profeta camponês, não é também o nosso? “Quero ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca” (Am 5,24).

Profecia e utopia são irmãs gêmeas. Caminham sempre juntas e nascem da mesma fé em um Deus que caminha com seu povo. Fé que se fortalece na caminhada. Por isso, toda profecia nasce dentro de um movimento, de uma luta do povo por direito e justiça. Desde o tempo do povo da Bíblia, o movimento profético do campo está vinculado ao movimento profético da cidade. É em Jerusalém, a capital, que Isaías denuncia: “Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo com campo, até que não sobre mais espaço no centro do país…” (Is 5,8).

Como é atual esta denúncia contra a concentração de terras e casas nas mãos de poucas pessoas, deixando a grande maioria da população sem moradia ou vivendo em lugares insalubres, sem nenhuma condição de vida digna e saudável, como filhas e filhos de Deus. É com muita convicção que Jesus reage, quando o império romano aumenta impostos, prende, mata e crucifica quem denuncia esta situação. E o império se apoiava em aliados ricos, como os saduceus, para manter-se no poder.

Diante desta situação, Jesus Cristo ameaça: “Ai de vocês, os ricos, porque já têm a sua consolação” (Lc 6,24). Como Jesus, em seu tempo, hoje, também, o Papa Francisco está preocupado com esta situação. Ele nos faz um desafio: “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos”. Sabemos que profetas e profetisas das CEBs e pastorais sociais já foram presos ou assassinados por defenderem as causas dos pobres, mas não podemos abandonar a caminhada por fidelidade ao Projeto de Jesus.

 

  1. ESPERANÇAR JUNTOS

O desafio é continuar a lutar juntos pela igualdade e dignidade de todas as pessoas, nas CEBs das cidades e do campo. Para isso, retomamos a utopia como um sinal fascinante no horizonte, uma bandeira que nos congrega e nos anima na marcha da libertação… E a utopia que fascina e mantém viva a esperança precisa ter os pés e o coração no chão da vida dos pobres, em alegre, comprometida, unida e lúcida caminhada…

Quem nutre a utopia tem esperança. Mas, não basta esperar com esperança. Paulo Freire dizia que é preciso esperançar. Ter uma espera sempre ativa, atenta aos sinais dos tempos e aos clamores da vida; a esperança se alarga, cresce, contagia porque aguarda em criativa sintonia “o novo céu e a nova terra” (Is 65,17-22; Am 9,14; Ap 21).

Em um encontro com líderes dos Movimentos Sociais, estes perguntaram ao Papa Francisco o que poderiam fazer para mudar esta situação de desigualdade social. Ele respondeu:  “Muito! Podem fazer muito. Vocês os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podem e fazem muito. Ouso dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, em suas mãos, em sua capacidade de organizar-se e promover alternativas criativas, na busca cotidiana dos três “T” -trabalho, teto e terra. Não se intimidem”.[1]

Final: “Eu te envio, vai libertar…estarei contigo…” (Ex 3,10) …repetir, cantar, escutar o próprio coração…dar as mãos e escutar.

[1] https://www.campograndenews.com.br/colunistas/em-pauta/papa-francisco-e-os-tres-t-trabalho-teto-e-terra.

 

 

Cecilia Maria de Morais Machado Angileli

Arquiteta e Urbanista (UBC, 2001); Mestre em Arquitetura e Urbanismo área de concentração Paisagem Ambiente (USP, 2007); Doutora em Arquitetura e Urbanismo área de concentração Paisagem e Ambiente (USP, 2012), bolsista FAPESP (2009/2012); Pós Doutora em Planejamento e Gestão do Território _ CECS – UFABC (2014); Pós Doutoranda em História do Trabalho e Movimentos Sociais (UNIOESTE, 2015 *); Vice Reitora e Professora Adjunta II da Universidade Federal da Integração Latino Americana. Tem experiência em desenvolvimento e coordenação de projetos de educação popular e educação ambiental, planos urbanos e habitacionais participativos. Líder do Grupo de Pesquisas CNPQ Paisagens Periféricas, desenvolve pesquisas sobre os impactos de grandes projetos urbanos com ênfase nas remoções forçadas de moradia e análise de risco nas áreas de reassentamento habitacional e sobre o cotidiano e a memória popular de paisagens periféricas.

 

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