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20ª ASSEMBLEIA ESTADUAL DO CENTRO ECUMÊNICO DE ESTUDOS BÍBLICOS CEBI-PR

A Presença do Passado nos Passados em um Presente que o repete de diversas formas.

Bem vindos e bem vindas à 20ª Assembleia Estadual do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI-PR, acontecido nos dias 10 e 11 de Dezembro de 2016, na Casa das Irmãs de São José, no bairro do Capanema em Curitiba. Fomos impulsionados pela caminhada e pelo diálogo de Jesus com o casal a caminho de Emaús, (Lucas 24, 13-35). Especialmente pelo versículo 17, escrito em nossos crachás e em nossas pastas e que diz, “O que vocês andam conversando pelo caminho?”. A primeira tarefa sugerida como preparação para a Assembleia foi lermos o texto “Sobre a Leitura Popular da Bíblia” do Frei Carlos Mesters e de Francisco Orofino. Um belo e comunicativo texto que nos traz as características da Leitura popular da Bíblia na América Latina, nos inserindo um pouco mais na história de luta, de exílio e de resistência do povo latino-americano. Num momento de duros e sórdidos golpes em nosso país, dados contra os direitos humanos e sociais, contra a população mais pobre e contra a democracia, portanto, o texto nos refresca a memória com relação ao golpe militar de 1964, ao nos lembrar do surgimento dos ciclos bíblicos com o CEBI, e da Leitura libertadora da Bíblia.

Constatamos que nos momentos de dificuldades, de crises e de perseguição, a gente se supera. Meio a uma ditadura cruel e sanguinária, nasceram muitos frutos de resistência e de libertação do meio de nosso povo, como as CEBs, a Campanha da Fraternidade, a pedagogia libertadora de Paulo Freire e tantas outras. Deus mesmo não escolheu um tempo fácil para se encarnar em nosso meio. Assim como o supremo tribunal federal que autoriza o aborto com até três meses de gravidez, Herodes naquele tempo também fazia coisas semelhantes. Mandava assassinar recém-nascidos, primogênitos exilando Jesus ainda no ventre de Maria de Nazaré sua mãe e nossa. Defender a liberdade e a justiça, dentro dos valores das escrituras, hoje é clamar no deserto. Porém, ”Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas!” (Apocalipse 2, 7.11,17. 29; 3, 6.13.22). Na dinâmica interna do processo de interpretação da Bíblia, surgem caminhos novos, mas também novos problemas surgem.  E assim, caminhando entre as culturas dos povos, temos a revelação de um novo rosto de Deus.

Iniciamos com uma apresentação e cantando, “É bonita demais, é bonita demais! A mão de quem segura à bandeira da paz”. Temos caminhado por muitos lugares e assim dizemos com Isaías, “Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa notícia, que anuncia a salvação, que diz a Sião: “Seu Deus reina”. Ouça!” (Isaías 52, 7). Nesse espírito de apresentação e de acolhida mútua, disse-nos um irmão, ao justificar a sua ausência em algumas atividades, “Quando a gente estar com a terra, a gente precisa ter tempo para ficar com ela”. É assim com a terra, com a Bíblia, com os filhos e com tudo o que é importante na vida da gente. O tempo foi feito para ser dedicado ao que e a quem a gente ama. Nas palavras do Pequeno Príncipe, ”Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante…”. Como que reclamando os limites da vida no mundo urbano outro irmão se queixa, justificando o pequeno atraso, “Eu venho da Fazenda Rio Grande e tenho que enfrentar o desafio da “Lesma Verde” que é sempre exigente”, em alusão ao trecho da BR 116 conhecido como Linha Verde. Obra possivelmente superfaturada pela prefeitura à época, e que, entre outras anomalias, soma cinco semáforos em 500 metros. Sonhamos juntos com o Brasil superando a crise ética e moral que atravessa e esse vazio de democracia, cantando, “São José da Costa Rica, coração civil. Me inspire no meu sonho de amor Brasil. Se o poeta é o que sonha o que vai ser real. Vou sonhar coisas boas que o homem faz. E esperar pelos frutos no quintal”. Entramos na análise de conjuntura com os corações ardendo.

Análise de Conjuntura

A Análise de Conjuntura foi coletiva, mas foi motivada e conduzida por André Langer, que começou comparando o nosso momento com um tsunami, um voo turbulento e que um choque de valores, dados por contra-valores, nos causa um esvaziamento de democracia. O texto que segue é quase ao pé da letra o conteúdo que André apresentou. Apenas acrescidas de algumas contribuições do grupo.

Introdução

Um ano turbulento; políticas públicas sociais: assistimos a um verdadeiro tsunami neoliberal, que corrói/varre sistematicamente os direitos dos mais pobres (inseguridade social), com a (quase) total paralisia das forças sociais organizadas. Esvaziamento da democracia: A democracia moderna faz duas distinções: 1º) Separa os três Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário); 2º) Separa o poder político (Estado; público) e o poder econômico (privado). Sindicatos de trabalhadores – opõe-se à ditadura da empresa e à não-publicização do conflito. A regulação dos salários pelo Estado e a regulamentação das leis trabalhistas – desprivatização da democracia, desmercantilizando o estatuto do trabalhador.

Anos 70 – processo de reversão da ditadura – anos 80/90, políticas neoliberais. Globalização; revolução tecnológica – assimetria entre o poder econômico e o poder político. Mercado: autônomo e assume o protagonismo na formulação de políticas econômicas. O Estado precisa ser gerido como uma empresa. O mercado (grandes empresas) constrói linhas de influência e de interesses no Estado (“Estado para si”). O Estado é privatizado. Mantém-se o verniz da democracia, mas o conteúdo foi adulterado. Descontentamento da população com a democracia representativa. Os partidos políticos estão verticalizados, burocratizados. Estado, e o Congresso em particular, voltado para si mesmo, preocupado em manter os privilégios. Sentimento entre a população de que o Estado está a serviço do grande capital (agronegócio, construtoras, mineradoras, bancos, rentistas…). As ameaças à democracia não vêm de fora, mas de dentro. Estado contra a sociedade, porque foi privatizado. E um Estado privatizado está a serviço dos interesses dos grandes grupos econômicos e da mercantilização.

A PEC 241/55

Objetivo: congelar por 20 anos os gastos sociais do Governo Federal (e dos Estados). Financeirização da economia. Ativos financeiros – 860 trilhões de dólares. PIB de todos os países do mundo – 60 trilhões. Sistema financeiro oligopolizado (mundo e Brasil). Causa da dívida: política da elevação de juros dos EUA. Dívida interna e emissão de títulos. Governo tem as seguintes despesas: Primárias (pagamento de pessoal, custeio da máquina pública, políticas sociais, transferências e investimentos). Financeiras (pagamento da dívida e dos juros da dívida pública). A PEC 55 ataca apenas as despesas primárias. Superávit primário – resultado positivo de todas as despesas do governo, menos gastos com pagamento de juros. Entre 2003 e 2013 – Brasil superávit médio de 3% do PIB no seu orçamento primário. Despesas com o pagamento de juros – 6% do PIB. Em 2014, o Brasil teve saldo negativo de 0,4%; em 2015, 1,8%

Falácias dos defensores da PEC 55:

  1. a) A Constituição de 1988 aumentou muito as despesas (direitos) sociais e o Brasil não aguenta.

Despesas com INSS aumentaram 1,3 ponto percentual em relação ao PIB entre 1999 e 2011.

Demais gastos sociais – 1,3 ponto percentual.

  1. b) Redução das despesas primárias reduz o déficit, emite menos títulos e diminui a dívida

Não é verdade. O problema da dívida e do déficit está no tamanho dos juros.

De 2014 para cá: juros nominais comem 8,5% do PIB

Despesas primárias aumentaram em 1,8% do PIB

As despesas primárias aumentaram em R$ 78 bilhões;

As despesas financeiras em R$ 191 bilhões.

Aumento de 1% de juros significa em um aumento de 18 bilhões de acréscimo para a fortuna dos mais ricos.

Dizer que o Brasil drena recursos dos pobres para os ricos

—  Como? Através de isenções e deduções de impostos.

  1. a) Peso dos impostos não é igual (imposto sobre consumo):
  2. a)     Quem ganha até 2 Salários Mínimos paga 53,9% de imposto b) quem ganha acima de 30 Salários Mínimos paga 29% de imposto.
  3. B) Isenções

Simples – R$ 74 bilhões; dedução do IR e isenções de lucros de empresas: 39 bilhões; plano Brasil Maior – 2013: R$ 77,8 bilhões.

Previdência Social: R$ 12,28 bilhões.

Essas desonerações favorecem as empresas e prejudicam os trabalhadores.

IPVA – proprietários de lanchas, iates, jet-skis, jatinhos e helicópteros não pagam.

Imposto sobre grandes heranças e doações: Reino Unido cobra 40%; o Japão cobra 55%; a França cobra 60%; e o Brasil cobra apenas 8%.

Dupla “exploração” (trabalho e sistema tributário)

Mentiras vendidas como verdades:

A CLT, pelo simples fato de ser antiga, está ultrapassada; 2) a legislação do trabalho é determinante para que uma empresa tenha boa saúde; 3) o trabalho, no Brasil, custa caro; 4) a terceirização gera empregos.

A terceirização é sinônimo de:

Salário menor; 2) jornada de trabalho maior; 3) maior propensão a sofrer acidentes; 4) Maior rotatividade; 5) em suma, maior precarização e prevalência do acordado sobre o legislado. As leis e garantias, conquistas de meio século valem menos do que os acordos entre patrões e empregados, por exemplo.

Concluindo

Estáem andamento no Brasil um processo que: a) tem em vista baratear o trabalho; b) mercantilizar a força de trabalho; c) coloca o Estado contra a sociedade; d) desproteger os trabalhadores e suas organizações de luta. Enfim, será a volta à barbárie.

E assim o professor André Langer desconstruiu dialogando com o grupo as falácias, as mentiras, as inverdades e os interesses ocultos e revelados na avalanche de mudanças porque passa o Brasil no pós-golpe. A destruição dos direitos e conquistas de meio século, fruto da luta do povo organizado em sindicatos e outras tantas formas de organização, e que leva o Brasil de volta para o século XIX, naturalizando o trabalho escravo ou em situação análoga à escravidão.

Reflexão Bíblica

Se com André Langer podemos VER, por assim dizer, melhor a realidade, com João Inácio Wenzel, damos um passo adiante, entrando no JULGAR, á luz das escrituras e de nossas experiências de vida, pessoal e comunitária, a realidade agora desnuda. Numa roda de conversa que começou três a três e depois voltou para o grande grupo, fomos desafiados e desafiadas a refletir sobre os últimos cinquenta anos de história e responder: a) o que me dá saudades?; b) o que me marcou nessa caminhada? Em primeiro lugar, sentimos saudade da democracia, que nos custou tão caro e foi vendida tão barato. A gente já está com saudade de um tempo que acabou de passar! Estudar o passado, no entanto, não é apenas sentir saudades dele, mas fazer memória da história vivida para alimentar o presente e iluminar o futuro. A mensagem profética não é celestial, no sentido de cair do céu, mas terrena e é para construir um mundo bom. O passado, então, ilumina o presente e joga luzes no futuro. Sentimos também saudades do tempo em que as pessoas se encontravam para estudar, para refletir sobre a realidade e se comprometiam mais com a luta para a transformação da realidade. Hoje os encontros não são mais das pessoas, mas de seus celulares.

          Em certa medida nós somos como os peixes que para desovar, produzir e se reproduzir, precisam sofrer e gastar todas as energias, nadando contra a maré. Foi na ditadura, meio às condições mais adversas que nós construímos as mais importantes ferramentas de libertação, como: as Comunidades Eclesiais de Base, a Campanha da Fraternidade, a Religião Libertadora em Medellín em 1968 e nesse mesmo período nascia a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire e  a Igreja reencontrava a Teologia da Libertação. É desse chão fértil que nasce o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI, a Comissão Pastoral da Terra – CPT e muitas outras ferramentas. A gente se acomodou muito e hoje vive grande dificuldade de mobilização. A maior parte do povo forma sua opinião a partir do que diz a mídia, sobretudo a televisão e recebe muitas vezes como verdade absoluta o que ela diz. A gente também precisa entender que tem pouca cultura de estudo da Bíblia. Há menos de cinquenta que estamos com a Bíblia na mão e temos, portanto, a primeira geração com a Bíblia em casa. E na maioria das vezes fazendo uma leitura conservadora, intimista e ao pé da letra. Estes cinquenta anos, sobretudo as décadas de oitenta e noventa do século passado, alimentaram as teologias da prosperidade e da retribuição de forma assustadora! E importantes setores da Igreja Católica segue essa linha.

Deus não escolheu um momento calmo, tranquilo, de paz, para se encarnar no meio de nós numa frágil e indefesa criança humana. Deus veio no meio do terror, da violência, da opressão, da perseguição, do golpe contra a vida. Ao fazermos algumas perguntas aos textos de (Lucas 24, 13-35; 10, 38-42), uma jovem trouxe-nos um questionamento muito importante. Será que Jesus era assim mesmo, tão desconstruído como é apresentado? Será que a gente, ou os autores do texto não o idealizaram? E afirmou. Os homens de hoje, que estão em nossos encontros, nas Igrejas, também não são tão confiáveis assim, como às vezes se dizem ser. Ficar com a melhor parte, no caso de Maria, não é ficar com a parte mais fácil? A de anfitriã? No interior havia um costume nas famílias que se parece com a situação de Marta e Maria (Lucas 10, 38-46). No final de semana em que o namorado de uma das irmãs vinha vê-la, as outras assumiam os serviços domésticos.

Eleição da nova coordenação:

No AGIR, continuando a proposta metodológica apresentada no início deste texto, a Reverenda Lúcia Dal Pont, da Igreja Evangélica Anglicana do Brasil, e representante nacional do CEBI-PR, coordenou a eleição da nova coordenação regional do CEBI. Relembrando o versículo bíblico, “Tua Palavra é lâmpada para os meus pés”, disse: os núcleos é que têm que funcionar. O CEBI-PR agora faz parte do CEBI nacional, não tendo mais identidade jurídica própria, e essa é uma realidade de vários Estados. O nosso maior desafio, assumido por todos na Assembleia Nacional, é o de não deixar que a estrutura abafe a fecundação da semente do movimento bíblico. O que abafa não é CEBI. O que divide, compete e isola, não é CEBI. Precisamos criar momentos específicos e sistemáticos integração e de relação fraterna entre os diversos grupos, onde se possa trocar experiências e saberes. LeonilaEckel, coordenadora do grupo de estudos bíblicos que se reúne na Catedral Anglicana São Tiago, foi indicada como representante dos grupos de Curitiba. WâniaScarpetto da Igreja Católica Apostólica Romana e do CEBI de Umuarama, foi eleita em segundo turno como a coordenadora regional. Emerson Robson Aparecido Silva da Igreja Evangélica Anglicana do Brasil ficou em segundo lugar e foi eleito como vice coordenador. Larissa Andreghetti e Sandra Regina Pereira, ambas da Igreja Católica Apostólica Romana foram eleitas secretária e vice respectivamente. FrancielWile R S da Silva e Lúcia Dal PontSirtoli, ambos da Igreja Evangélica Anglicana do Brasil foram eleitos tesoureiro e vice-tesoreira respectivamente.

Considerações finais:

          A 20ª Assembleia Estadual do Centro de Estudos Bíblicos do Paraná foi um acontecimento, porque mostrou um novo ardor profético, expresso, sobretudo na representação e no número de 32 participantes. Éramos gente de Curitiba, da Fazenda Rio Grande, de Ponta Grossa, de Londrina, de Maringá, de Foz do Iguaçu, de Umuarama, Pinhais, Tomazina, Medianeira e um representante de Joinville em Santa Catarina. Essa semente teimosa que insiste em germinar profecia por todos os lugares está semeada e tão fecunda como sempre foi. A pluralidade de confissões religiosas, de gerações, sobretudo com excelente representação jovem, a diversidade de gênero e o nível elevado de engajamento de cada um e de cada uma nas lutas sociais, as nossas energias e nos impulsionou a lutar pela democracia, pela liberdade e pelos direitos humanos. O Espírito de Deus anunciado por (Isaías 11, 1-10), sobretudo a utopia de uma sociedade socialmente justa, politicamente democrática e humanamente fraterna nos deixou ainda mais comprometidos e comprometidas com o Reino de Deus. Que Deus nos abençoe e nos dê sabedoria, discernimento e humildade para fazermos acontecer o que planejamos, sempre em comunhão uns com os outros e a vontade de Deus.

Curitiba, 19 de Dezembro de 2016.

João Ferreira Santiago.

Teólogo, Poeta e Militante.

Assessor das CEBs e do CEBI no Paraná

Todos os direitos reservados a Ampliada das Comunidades Eclesiais de Base.

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