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II SEMINÁRIO NACIONAL DE ASSESSORES

Ser Igreja em saída, que evangeliza o mundo urbano, segundo o espírito das comunidades paulinas.

Evangelizar o mundo urbano é o propósito que as CEBs do Brasil tem assumido nestes últimos anos. No intuito de refletir e encontrar caminhos para realizar esse processo, aconteceu em Londrina-PR, sede do 14º Intereclesial das CEBs, o Seminário Nacional de assessores e assessoras, com a presença de aproximadamente cem participantes.

Desse chamado a evangelizar o mundo urbano surgem questionamentos que devem nos levar a escutar os gritos do povo, especialmente dos mais pobres, numa sociedade ameaçada por uma política econômica que aumenta a desigualdade, processo esse que pode nos conduzir a uma guerra, inclusive nuclear e um constante agravamento da crise climática. Diante desta situação as CEBs, para continuar sendo fieis a sua missão profética, são desafiadas a atualizar o anúncio do Reino de Deus, denunciando a instrumentalização da Bíblia, consolando quem sofre e organizando o povo desde as bases.

Essas premissas servem como ponto de partida a Pedro Ribeiro de Oliveira para realizar uma análise sociológica que possa ajudar a encontrar caminhos de evangelização do mundo urbano. Em sua opinião, diferentes estudos nos mostram a cada vez maior desafeição da sociedade brasileira com tudo aquilo que faz referencia à dimensão religiosa do ser humano. Apesar de que as estatísticas ainda dizem que a maioria da população brasileira se declara católica, a vivência religiosa é muito diversificada. Aí surge uma pergunta, na mente do sociólogo: Como a Igreja mantém a unidade e solidariedade de uma comunidade tão diversificada?

O Papa Francisco nos fala da “Igreja em saída”, mas o problema para entrar nesta dinâmica está em onde apoiar esse projeto eclesial numa instituição ainda presa ao modelo de restauração identitária, imposto por mais de três décadas. Segundo Ribeiro de Oliveira, ninguém pode se iludir e pensar que o Papa sozinho vai conseguir fazer realidade esse modo de ser Igreja que tanto deseja. Ainda mais se temos em conta que o Papa só tem poder moral e que suas atitudes causam mal-estar em setores saudosistas da cristandade.

Por isso, não duvida em afirmar que tirar a Igreja da sacristia e levá-la ao espaço público só é possível se o projeto for assumido pelos bispos, e para isso, é preciso mobilizar a comunidade católica. Daí surge à necessidade de estabelecer “alianças” com a grande massa dos católicos, formadas pela linha carismática, pois as CEBs, pastorais sociais e todos os que apoiam a Igreja em saída, hoje são minoria. O desafio, nessa perspectiva, vai ser criar espaços para a mútua fecundação das duas formas de catolicismo, realizando atividades em vista a superar preconceitos e criar laços afetivos.

Junto com esta problemática interna da Igreja católica, não podemos esquecer a diversidade religiosa existente no Brasil. A complexidade religiosa marca a sociedade brasileira, em opinião da também socióloga Solange Rodrigues, quem destaca alguns elementos que marcam a vida religiosa do povo e mostra sua preocupação diante dos desencontros, cada vez mais presentes, em consequência de questões religiosas.

Não podemos esquecer que por trás das representações religiosas há seres humanos, que sofrem que sonham com um mundo novo. Torna-se necessário, em sua opinião, favorecer um espírito de abertura para compreender as diferenças e romper com a intolerância. Isso não significa abdicar da identidade religiosa e sim dialogar se queremos construir o caminho da paz. O assessor   questionou de forma direta aos presentes: “nós, povo das CEBs, apostamos na aproximação e colaboração ou na competição e concorrência?”

O modelo para fundamentar a Igreja em saída, na opinião da biblista TeaFrigerio, Assessora Nacional das CEBs do Brasil, encontrou em Paulo, o primeiro grande missionário das cidades, quem vai criar a Igreja nas casas como modelo alternativo. Ele vai focar no mundo urbano, partindo do fato de que no âmbito greco-romano quem tem poder de irradiação é a cidade.

Paulo dá continuidade àquilo que Jesus tinha dado início, reconstruir as relações de solidariedade no meio do povo que existiam nas casas, e que tinham sido perdidas na sociedade judaica. Ele precede o que Lucas, que faz parte da tradição paulina, vai plasmar no Evangelho, baseado nos conceitos de caminho-casa-mesa, que se expressa de forma primordial no casal de Emaús.

Segundo a assessora das CEBs, na ekklesia paulina vive-se a circularidade dos bens, do poder, do saber, dos afetos, com um corpo só de membros, sem cabeça. Tudo fundamentado na gratuidade e o amor pelos últimos, adotando a missão como tarefa fundamental da Igreja. É necessário, seguindo a lógica paulina, que parte de uma visão apocalíptica, alimentar a esperança num futuro projetado por Deus, nos tornarmos visionários, para fugir do “statu quo”, do controle, resistir na luta, criar pensamentos e práticas alternativas.

Isto pode nos levar a estabelecer paralelos entre as comunidades paulinas e as CEBs, comunidades que não são nada numérica e qualitativamente diante do poder civil e religioso, que fazem parte de um projeto alternativo de sociedade e de viver a fé, que alimentam a utopia, que anunciam o evangelho da liberdade num mundo de escravidão social e religiosa. Umas e outras são sistemas de convivência alternativa, onde os crucificados, que são a revelação mais forte de Deus, têm vida, e onde o prestígio está na solidariedade com os desprotegidos.

Ontem e hoje, a cidade se apresentou como lugar onde a maioria vive geográfica e socialmente à margem. A partir daí, na opinião de TeaFrigerio, devemos nos perguntar se as CEBs conseguirão contribuir para tornar a cidade espaço realmente habitável, ser casa para quem não tem casa, criar espaços de inclusão, direitos e cidadania, superando a tentação de se fechar, aceitando parcerias e articulando-se em favor da vida.

A partir da análise sociológica e da fundamentação nas comunidades paulinas, cabe às CEBs do Brasil encontrar o caminho para levar à frente um projeto que ajude no seguimento de Jesus como discípulos e discípulas, perdendo o medo ao novo e descobrindo os elementos positivos que encontramos no mundo urbano.

 Luis Miguel Modino

 

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