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Apenas a Política Pública Popular pode reduzir o imenso abismo que foi criado entre as elites brasileiras e o povo

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

Começamos esta análise olhando para os primeiros três meses de governo Lula, que enfrenta oposição, que não é tranquilo. Passamos pelos conflitos entre os presidentes da Câmara e do Senado e de Moro com Lula. Ainda falamos sobre as catástrofes climáticas no Brasil e a viagem de Lula para China. Finalizamos com algumas reflexões sobre o ano de guerra na Ucrânia.

Ainda não se passaram cem dias do governo Lula e o Brasil já está sentindo mudanças importantes na condução das políticas públicas. Desde o começo do seu terceiro mandato como presidente da República, Lula tem mantido uma intensa agenda que mostra para que veio. É a fome, é o desamparo da maioria da população que tem preocupado o presidente. Políticas públicas, abandonadas e destruídas pelo governo anterior, estão sendo reconstruídas a duras penas: o enfrentamento do garimpo ilegal e o apoio humanitário ao povo Yanomami em Roraima e no Amazonas, o retorno do Bolsa Família, a retomada do Pacto contra a fome, o aumento dos recursos para o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar), o apoio do governo federal no enfrentamento dos desastres climáticos, a diminuição dos preços de combustíveis e do gás de cozinho, o aumento do salário mínimo são alguns exemplos das mudanças que estão ocorrendo, beneficiando a população mais pobre. Diferente de seu antecessor, que, de férias, não se incomodou com as inundações que assolaram a Bahia e Minas Gerais em 2021[1], Lula visitou pessoalmente os indígenas em Roraima e as áreas atingidas por deslizamentos no litoral de São Paulo no começo deste ano. Bolsonaro ficou sossegado andando de jet-ski em Santa Catarina[2] e liberou 5 milhões de reais apenas para todas as cidades da Bahia em situação de risco. Lula liberou 120 milhões para ajudar na emergência em São Paulo[3].

Sem espaço no Congresso, as populações tradicionais ganharam cargos e funções no poder executivo. Para negros, indígenas, ribeirinhas e trabalhadores em geral é cada vez mais difícil competir em pé de igualdade com as elites, com as famílias abastadas deste país. Mesmo ganhando um mandato no legislativo, suas vozes são muitas vezes emudecidas, contestadas e marginalizadas. Testemunho disso é o deputado estadual Renato Freitas do PT do Paraná. Por causa de sua atuação como único deputado negro no seu Estado, após ter sido preso e afastado de seu mandato de vereador, por liderar protestos contra a violência policial sofrida por negros em Curitiba, continua ameaçado de cassação, vitima de perseguição por sua cor[4]. Lula prestigiou as camadas populares com lugares de destaque no seu governo, em ministérios – como Sônia Guajajara e Anielle Franco e em outros cargos.

O clima no governo do Brasil mudou, apesar do Congresso, majoritariamente composto por deputados e senadores da direita e da ultradireita e apesar de resquícios do governo anterior nas instituições públicas, ressaltando especialmente o presidente do Banco Central, Campos Neto. Após a baderna do dia 08 de janeiro, a oposição a Lula não tem dado trégua. Campos Neto insiste em querer destruir a economia brasileiro, para azedar a vida da população e principalmente de seu Presidente. Mantem os juros, definidos a partir da taxa SELIC, nas alturas. A taxa de juros no Brasil é a mais alta do Planeta. E sem motivo. Em vez de incentivar a atividade econômica, tornando o acesso a dinheiro para empreender mais barato, juros altos significam frear o nível de investimento. Como resultado, não são criados postos de trabalho, o País não produz produtos mais baratos do que os importados e a economia nacional despenca. Foi essa a política dos anos anteriores, que por causa da chamada autonomia do Banco Central, ainda vai continuar nos próximos meses. A alta dos juros beneficia os chamados “rentistas”, aquelas famílias que têm enormes fortunas depositadas em bancos. Ao mesmo tempo, a alta de juros prejudica a população em geral. A cada porcento que a taxa sobe, os bancos recebem bilhões de reais que lhes são repassados como pagamento para a dívida pública. Vale a pena perguntar, porque o Congresso ainda não começou a investigar as origens da dívida pública, como ordenou a Constituição Federal de 1988. A cada ano, os bancos levam quase a metade do orçamento – em 2022 nada menos do que R$ 1,879 trilhão ou 46,30%. A educação ficou com apenas 2,70% e saúde com 3,30%[5]. A teoria da direita é: cada um que se vire. Vultosas somas de dinheiro vão para a elite política, judiciária e econômica que alegam ter direitos adquiridos ao longo do tempo. O povo fica sem os direitos básicos.

Apenas a política pública popular pode reduzir o imenso abismo que foi criado entre as elites brasileiras e o povo. Não é sem importância que Lula insiste em afirmar que os juros no Brasil devem baixar. A polêmica com o presidente do Banco Central pode ainda durar por meses e prejudicar seriamente o crescimento do País em 2023 – inclusive na criação de postos de trabalho.

O conflito entre os presidentes da Câmara, Artur Lira e do Senado, Rodrigo Pacheco tem como pano de fundo uma disputa pelo poder[6]. Lira insiste em debater as Medidas Provisórias não pelas duas casas em conjunto, mas de forma separada. Medidas provisórias expressam as proposições do Presidente para a condução de sua política, mas elas precisam de apoio do Congresso para manter sua validade. A medida já entra em vigor logo após a sua publicação, mas pode perder validade se não aprovada pelo Congresso em tempo hábil. Pacheco quer a volta do funcionamento da Comissão mista – 12 deputados e 12 senadores – que fariam a análise prévia da Medida Provisória tramitar com maior rapidez. A Comissão mista está prevista na Constituição e foi suspensa por causa da pandemia. Lira se queixa de que como Presidente da Câmara não tem ministros que o apoiam, enquanto o senado tem ministros de peso como Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), Camilo Santana (Educação) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Rui Costa (Casa Civil) que tem o apoio do senador baiano Jaques Wagner. Por falta de quem o representa nos Ministérios, Lira busca firmar-se politicamente no Congresso, inclusive atrasando a tramitação das Medidas Provisórias e aumentando a dependência do Presidente da República dos sues humores enquanto presidente da Câmara Federal. Essa atitude pode criar dificuldades para o governo Lula, que pretende ampliar as políticas públicas em prol da população.

O ex-juiz e atual senador pelo Paraná, Sérgio Moro, conseguiu novamente atrair os holofotes sobre si. O plano para matar autoridades montado pelo PCC, nunca teve Moro ou seus familiares como alvo principal[7]. Seu nome não aparece nos relatórios policiais, que investigam a quadrilha há mais de um mês. Por isso, Lula perguntou, no Pernambuco, se Moro, acostumado a manipular fatos – como no Lava Jato – não estava ele mesmo atrás de uma pretensa tentativa de sequestro e assassinato. A polícia vai investigar se houve armação[8], completou o presidente. Moro pediu mais respeito pela sua família por parte do Presidente Lula. Mas ele mesmo em nenhum momento do falso processo demostrou respeito, nem para Lula, nem para seus familiares. Moro ainda tentou ligar o próprio Presidente Lula à tentativa contra sua integridade física, mas sem sucesso.

As mudanças climáticas se deixam sentir novamente com muita força. Assistimos a enchentes e deslizamentos em diversos lugares do País, no Maranhão, no Acre, em Rondônia, depois do litoral paulistano. Cada vez mais, o IPCC (Painel Internacional de mudanças climáticas) está convencido de que o agravamento das catástrofes “naturais”, não são tão naturais assim, mas resultado da intervenção humana no meio ambiente. O governo anterior minimizava esta interferência de tal forma que chegou a suspender multas milionárias de quem violasse as leis em defesa do ambiente. Com Lula, as mutas voltaram e têm como objetivo frear a investida na devastação descontrolada das matas e a expansão selvagem do agronegócio.

A viagem de Lula para China coloca o Brasil de novo numa posição central em nível mundial, de onde Bolsonaro conseguiu tirar nosso País. A viagem objetiva fortalecer e estreitar os laços comerciais entre os dois países, mas também reencontrar a articulação do bloco econômico dos BRICS. O respeito pelo Brasil de Lula é expresso na eleição da ex-presidente Dilma como presidenta do banco dos BRICS. Em 2016, ela foi tirada da presidência da república por motivos políticos, sem que ela tenha cometida qualquer irregularidade. O Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS tem como missão “prestar apoio financeiro a projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, públicos ou privados, nos países do BRICS e em outras economias”[9]. Dilma governará o Banco desde Xangai, cidade chinesa, onde irá residir durante seus dois anos de mandato[10].

Finalmente, uma palavra sobre a disputa pelo mercado mundial, a guerra geopolítica entre EUA e Rússia/China. É miopia política reduzir a guerra na Ucrânia pela Rússia como uma simples disputa de invasão e anexação de territórios à Rússia. As interpretações ocidentais continuam insistindo na tese de que apenas a Rússia seria culpada pela origem e pela continuidade das hostilidades. A Corte Internacional de Haia condenou Putin por crimes contra a humanidade. Ressalta-se que a Rússia não integra e não reconhece esta corte ocidental. O Papa Francisco não toma partido – como também não escolha um campo o presidente Lula. Para Francisco, somos todos derrotados com a guerra, não existem vencedores, não existe guerra justa. Por trás das guerras existe uma indústria de armas[11], criticou. As exportações de armas dos EUA dispararam nos últimos meses, as da China diminuíram. A invasão russa na Ucrânia beneficiou a indústria bélica norte-americana. A guerra é geopolítica, tem o domínio mundial como alvo central. Todo o mundo sente e sentirá as consequências desta disputa, que facilmente pode se tornar uma 3ª guerra mundial, extremamente destruidora, possivelmente matando grande parte da população mundial direta ou indiretamente (pela fome e a desnutrição, por exemplo, que estão crescendo mundialmente[12]).

A defesa da paz passa também no Brasil pelo desarmamento e pela recusa de qualquer tipo de preconceito, discriminação e exploração do próximo.


[1] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/12/13/bolsonaro-foi-fazer-campanha-e-nao-enviou-ajuda-diz-governador-da-bahia.htm (Acesso em 2023.03.24)

[2] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/12/28/interna_politica,1334124/bolsonaro-e-criticado-por-ferias-durante-chuvas-na-bahia-vagabundo.shtml (Acesso em 2023.03.24)

[3] https://revistaforum.com.br/politica/2023/2/24/governo-lula-envia-r-120-milhes-para-vitimas-da-tragedia-no-litoral-norte-de-sp-131877 .html (Acesso em 2023.03.24)

[4] https://revistaforum.com.br/politica/2023/3/13/e-uma-tentativa-de-censura-renato-freitas-explica-pedido-de-cassao-na-assembleia-do-parana-132657.html (Acesso em 2023.03.24)

[5] https://auditoriacidada.org.br/conteudo/gastos-com-a-divida-consumiram-463-do-orcamento-federal-em-2022/ (Acesso em 2023.03.23)

[6] https://www.brasil247.com/poder/disputa-de-lira-e-pacheco-por-mps-tem-como-pano-de-fundo-influencia-sobre-cargos-e-emendas Acesso em 2023.03.24)

[7] https://www.brasil247.com/brasil/advogado-de-presos-suspeitos-de-planejar-matar-autoridades-diz-que-moro-nunca-foi-alvo (Acesso em 2023.03.24)

[8] https://www.brasil247.com/brasil/advogado-de-presos-suspeitos-de-planejar-matar-autoridades-diz-que-moro-nunca-foi-alvo (Acesso em 2023.03.24)

[9] https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/politica-externa-comercial-e-economica/agenda-financeira-e-tributaria-internacional/o-novo-banco-de-desenvolvimento-do-brics (Acesso em 2023.03.24)

[10] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/dilma-e-eleita-presidente-do-banco-dos-brics/ (Acesso em 2023.03.24)

[11] https://tribunaonline.com.br/internacional/nunca-imaginei-que-lideraria-igreja-catolica-na-3-guerra-mundial-diz-papa-136284 (Acesso em 2023.03.24)

[12] https://news.un.org/pt/story/2022/07/1794722 (Acesso em 2023.03.24)

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