Shadow

O ANO NÃO É NOVO E A FELICIDADE DESEJADA NEM SEMPRE ACONTECE. POR QUÊ?

Felicidade. Em geral é um estado de satisfação devido à própria situação do mundo. (…). O conceito de felicidade é humano e mundano.[1]

Por ANTONIO SALUSTIANO FILHO

Na noite do dia 31 de dezembro de 2022, à meia noite, vamos saudar 2023 com abraços e apertos de mãos e desejar, uns aos outros “feliz Ano Novo”. Muitos dessas saudações serão feitas sob o impulso da embriaguez costumeira do réveillon. Sob o efeito do álcool, muitos não têm a real dimensão do que estão dizendo, e muito menos desejando. Dizem e desejam por repetições quase mecânica. Comete-se aquilo que na Língua Portuguesa chama-se de “anáfora”.[2]

Cumprimentar as pessoas com a frase “feliz ano novo” é um comportamento que costumamos repetir todos anos na virada do ano velho para o ano novo. E dizemos feliz ano novo” com a intenção de que o ano seja um tempo de felicidade e acreditamos, seja por ingenuidade que as palavras por si só produzem os efeitos dos seus significados. Então, por alienação comportamental, acreditamos (?) que o simples fato de dizer “feliz ano novo” a felicidade vai acontecer.  Seria muito bom se fosse assim. A felicidade não é uma condição vivencial pronta, como um produto para ser consumido. Se é um estado de espírito de uma ou mais pessoas alegres ou satisfeitas, essas categorias de sentimentos não brotam do nada. Elas precisam ser construídas num ambiente propício para existir. E quem vai criar esse ambiente, na convivência humana, é ser humano.

Aristóteles, filósofo grego, dizia que a companhia da família, dos amigos, a posse de bens e do poder são os elementos cujo prazer que deles resulta, promove o bem-estar material e a paz social, indispensáveis à vida humana. Para este filósofo o desfrutar de tais prazeres está vinculado ao exercício da generosidade, da coragem, da cortesia e da justiça, que são as virtudes que contribuem para a felicidade do ser humano.

Platão, outro pensador grego contemporâneo de Aristóteles, dizia que o mundo material (essa realidade física em que vivemos) é enganoso, instável, e logo, não pode gerar felicidade. Para Platão, o caminho para a felicidade seria então o abandono das ilusões (sair da caverna) e ir em direção ao mundo das ideias (inteligível e perfeito) em busca do conhecimento supremo, a ideia do bem. Portanto, no entender de Platão, a felicidade é o resultado de uma vida dedicada a um conhecimento progressivo que permite atingir a ideia do bem. Outros tantos, homens e mulheres, mestres, sábios, santos e gurus de todos os tempos, culturas e tradições definiram a felicidade, cada qual a seu pensamento e crença. Mas em todos vamos encontrar a ideia de felicidade como “estado bem-estar”, seja social e espiritual. Não há um sem o outro.

O Deus, Pai/Mãe de infinita bondade e misericórdia, revelado por Jesus de Nazaré, não é problema e nem obstáculo para nossa felicidade. Ele se revelou a nós em Jesus, fundindo-se à condição humana; assim, não podemos imaginá-Lo como conflito a nossa felicidade. Pelo contrário, em Jesus de Nazaré Deus manifestou-se empenhado em aliviar o sofrimento humano. Cada milagre de Jesus devolvia ao beneficiário da cura, ou outro bem material recebido do Cristo Libertador, o estado de contentamento, de alegria e felicidade.

Na sociedade capitalista as definições e condições de felicidade brevemente tratadas acima, em especial a riqueza e o poder, nem sempre são promotores de harmonia e equilíbrio. A riqueza está concentrada nas mãos de poucos ricos em prejuízo de muitos pobres e o poder está igualmente a serviço da concentração da riqueza. Nesse contexto competitivo em que poucos vivem para ter cada vez mais e muitos lutam pela sobrevivência, e tantos morrem por falta do mínimo necessário para sobreviver, não há espaço para a generosidade, a cortesia e a justiça, virtudes que, praticadas, são promotoras da felicidade.

Ainda, nesse contexto de caverna capitalista, não há que falar em sair dessa situação de alienação para seguir o caminho em busca conhecimento progressivo do supremo bem, promotor, por excelência da felicidade. Estamos fadados a ficar na caverna da ignorância, na subserviência ao um sistema cuja a felicidade, se é que ela existe entre os afortunados, são para poucos.    

Jesus de Nazaré praticava e promovia a felicidade humana. Portanto, não basta desejar felicidade! É preciso praticar a felicidade. Promover a felicidade!

O ano não é novo e nem as pessoas se renovam, mesmo que estejam imbuídas de boa intenção. E a felicidade não é geral, por que ela existe para todos. E a felicidade individual não existe. Nós, individualmente, não somos desconectados do todo. Se há infelicidade no mundo, cada um de nós temos uma parcela de culpa nisso.  

Repito, o ano não é novo porque não tem nada de novo no seu, no meu, no nosso comportamento. O que vai mudar do último dia do ano velho de 2022, para o primeiro dia do ano de 2023? Talvez só a vontade de que o ano seja bom. Só isso. E vontade, intenção, desejo superficial passam e amanhã já nem seremos as mesmas pessoas que na noite da espera do ano novo somos, pois não mais desejaremos felicidade para alguém. E se não desejamos algo de bom a alguém significa que não estamos praticando e nem promovendo algo de bom, pois não desejo algo que não tenho.

Talvez o dia de Ano Novo, primeiro dia do ano, ainda anestesiado pela ressaca da bebedeira do “réveillon”, vamos estar imbuídos de boa vontade e na ilusão de que estamos felizes. Mas é bom que estraguemos nossa festa e lembremos que o Brasil de 2022 continua o mesmo em 2023. Talvez um ingrediente novo: neste início de ano, a expectativa de um novo governo.

Mesmo que a posse do novo governo seja, de fato, uma novidade para todos nós, nossas esperanças depositadas na “nova” governança, devem ser acrescidas da nossa participação cidadã nos rumos do governo?

Estamos sarando (do verbo sarar) do estado de indignação sofrida em quatro (04) anos de desgoverno. Isso nos motivou dar uma chance à democracia, mas não podemos cruzar os braços e deixar que tudo se ajeite sem a nossa participação. A democracia representativa é um status capenga da democracia. Nosso estado de indignação deve ser permanente para impulsionar nosso agir. Agora, bem mais do que antes, precisamos de coragem para praticar a generosidade, a cortesia de fazer bem aos outros, praticar a justiça que é o substrato da felicidade.   

Acho que ao invés de desejar feliz “ano novo” deveríamos desejar feliz DEMOCRACIA. E o exercício da democracia é mais que um voto, é estar ativo o tempo todo para cobrar e exigir daqueles que elegemos a promoção de políticas públicas cidadãs (sem o paternalismo populista de qualquer viés: esquerda, centro ou direita); ou seja, o exercício de um governo democrático capaz de promover um ambiente propício à felicidade geral.   Talvez esta seria a atitude mais imediata e coerente com aquelas virtudes filosóficas para alavancar a felicidade!

Você pode até pensar que eu seja um pessimista! Absolutamente, não! Sou um realista, sem a hipocrisia de uma sociedade travestida de “boas maneiras” da boca pra fora. Estou farto de muitos discursos políticos e religiosos sem que nada aconteça! A felicidade desejada nem sempre acontece por que muito pouco fazemos para que esse estado de bem-estar social e espiritual seja uma realidade entre nós!

Feliz DEMOCRACIA!



[1] ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 197O

[2]  “Anáfora é a repetição da mesma palavra, que pode ter a mesma ideia”, isso na construção de um texto, mas comete-se anáfora no falar coloquial no dia a dia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.