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OS ATAQUES CONTRA PADRE JÚLIO LANCELLOTTI SÃO ATAQUES CONTRA A LIBERDADE RELIGIOSA E A IGREJA CATÓLICA

Por Toninho Kalunga

Foto: José Iago

Dia 21 de Janeiro, comemora-se o dia de combate à intolerância religiosa, momento propício para refletir sobre os ataques que a extrema direita desfere contra Padre Júlio Lancellotti, que precisa ser entendido e visto como ataques sistemáticos contra a liberdade religiosa e contra a Igreja Católica. Como demonstração cabal, podemos observar que os atores da elite política, religiosa e empresarial que atacam padre Júlio, são os mesmos que atacam o Papa Francisco.

Para compreender o que está acontecendo é necessário antes entender a forma como a extrema direita vem se comportando no mundo. Este fenômeno não está circunscrito ao Brasil. É uma ação global que tem na internet e no financiamento que a internet proporciona, seu ponto de difusão do pensamento e sustentação econômica.

A lógica dos debates como a que tínhamos antes, com polos ideológicos antagônicos, entre direita e esquerda, não existe mais. Com a chegada da Internet, a proliferação de conceitos sobre o mesmo tema, pulverizou a capacidade de ordenamento das ideias e estamos diante de um novo modelo de organização política. Este modelo aposta no que é caótico, pois isso ajuda os que não tem compromisso com nenhuma organização de pensamento coletivo, portanto, contra a democracia, surgindo assim um modelo de poder político individualizado que promove e provoca o caos político.

Se por um lado temos o caos como parâmetro político que serve à extrema direita, que propõe o extermínio das minorias, ao mesmo tempo, novos conceitos de aceitação social buscam espaços de reconhecimento destes coletivos minoritários, que passaram a ocupar um espaço na organização política do campo progressista e humanista e nos trazem uma importante contribuição cujos temas já não podem mais ser ignorados no que se refere à direitos individuais, reprodutivos, de orientação familiar e de convívio igualitário, conhecidas como pautas indenitárias.

Se antes tínhamos um pauta guarda-chuva, onde todos se abrigaram dentro do conceito generalizado dos Direitos Humanos, agora, as individualidades temáticas se sobressaem e exigem garantias próprias para suas dores e conceitos. E, é neste ponto, que entra a resposta violenta da extrema direita que alia preconceitos e receios alimentados por uma histeria hipócrita de lideranças religiosas assentadas notadamente em Igrejas evangélicas, mas também dentro da Igreja Católica, que são aceitas por considerável parcela da sociedade. Foi assim que a extrema direita entendeu que canalizar esses preconceitos e receios, geram dividendos eleitorais, que por sua vez, se transformam em poder político.

No meio deste turbilhão entre a extrema direita e o campo progressista, estão os mais frágeis. São aqueles que o sistema capitalista rejeita por ter perdido capacidade de vender sua força de trabalho para gerar lucros para os mais ricos ou mesmo com capacidade produtiva, mas que em razão de sua condição social, física, condição sexual e local de moradia, são rejeitados por quase todo o sistema de convívio social. Sejam eles religiosos ou não, de todas as classes sociais e negligenciados por parte do estado. 

Foto: José Iago

São os mais pobres entre os pobres, sendo eles: os moradores de rua, os indígenas, os drogaditos, os encarcerados, os quilombolas, os sem-teto e sem-terra, os homossexuais e dentro destes setores, ainda mais pobres, as mulheres. Quem se arrisca e ousa apontar para estas pessoas como sujeitos de direitos, estão fadados ao mesmo julgamento e condenação. A perseguição é implacável e suja.

O Brasil é um país de cultura ocidental, governado em seus primeiros 500 anos de existência enquanto território único pela elite econômica, religiosa, empresarial, jornalística e agropecuária de origem escravocrata, cujo sistema organizacional é o capitalismo e geridos por um modelo político e econômico neoliberal. Nos últimos 22 anos, tivemos lampejos de avanços progressistas, sendo que deste período, tivemos um hiato de 7 anos, gerenciado pela extrema direita, que a partir de um golpe parlamentar e midiático, contra uma presidenta honesta, conseguiu a proeza de destruir esses pequenos avanços conquistados a partir de 2003.

Ter isso em mente, ajuda na compreensão sobre os motivos pelos quais, figuras como Padre Júlio Lancellotti são tão atacadas e profundamente odiadas pela extrema direita. Ele canaliza em sua atividade pastoral a acolhida a todos estes rejeitados. Padre Júlio é a ponta deste iceberg, mas existem muitos outros que, como ele, lutam e passam por muitas provações e privações, são também perseguidos e maltratados de forma igualmente covardes, contudo, sem os holofotes que uma metrópole como São Paulo consegue oferecer.

Padre Júlio Lancellotti parece ser único, mas não é! Espalhados pelo Brasil profundo e nas periferias das grandes e médias cidades, estão centenas, senão, milhares de agentes de pastoral, lideranças de sem-terra, sem-teto, quilombolas e indígenas. Mas são invisibilizados porque o sistema não quer propagandear o papel da Igreja na defesa dos marginalizados, pois comungar deste tema torna-se um perigo para o sistema.

Mas não precisa ir muito longe para comprovar isso. Nas periferias e Regiões Episcopais de São Paulo, da zona sul a Norte, da zona leste a oeste, há muitos sacerdotes, religiosas e agentes de pastoral que travam uma luta diária no sentido de buscar dignidade para esse povo. E são rejeitados da mesma forma, inclusive dentro de suas próprias comunidades. Sofrem das mesmas dores e passam pelas mesmas privações que o povo que defendem.

Pergunte à REPAM (Rede Eclesial Pan Amazônica) ou a VIVAT quantos agentes de pastoral, religiosas, padres e lideranças dos movimentos sociais estão sofrendo todo tipo de perseguição e mortes na região norte do Brasil e o nível de truculência das quais são alvos diários? Vejam os dados da Comissão Pastoral da Terra, quantos de seus agentes de pastoral e militantes foram mortos nos últimos 40 anos. Os últimos dados mostram que entre 1985 e 2018, (período de 33 anos) 1938 pessoas foram executadas em conflitos por terra, água e trabalho no Brasil e 1789 desses casos (92%) continuam sem qualquer responsável identificado ou julgado ou preso.

Foto: José Iago

Estes números dão uma pequena mostra do que significa a ação da Igreja Católica, mas é necessário dizer que também não são apenas os cristãos católicos e evangélicos que se engajam na luta, ao lado dos excluídos e são igualmente perseguidos e mortos. Basta ver pelo que passam nossos irmãos das religiões de matrizes africanas. Olhemos o que acontece neste momento no Rio de Janeiro, a perseguição que os Pais e Mães de Santo  do Candomblé e da Umbanda, sofrem cotidianamente em seus terreiros por parte das milícias que se aliam a pseudos cristãos evangélicos que dizem defender a família e o que chamam de “boa moral”, mas que matam, traem e destroçam famílias inteiras em troca de 30 moedas diárias por parte do tráfico de drogas organizados agora pelas milícias, as mesmas que mataram Marielle Franco e continuam matando e intimidando os pobres povos fluminenses.

Acima estão os sintomas deste câncer trazido pela extrema direita no meio religioso. Aqui reside também a razão pela qual alguns pastores não querem que haja cobrança de impostos, pois isso fiscaliza e mostra a origem do dinheiro depositado em suas contas. Pode ver que não existem padres ou pastores sérios reclamando de cobrança de impostos em suas contas pessoais… isso explica muitas coisas. Basta ver quem são uns e outros que poderão diferenciar o joio do trigo.

A extrema direita é um mal que agride a fé cristã e por esta razão não podemos permitir que sua ação seja vista como uma ação apenas contra Padre Júlio Lancellotti. Cada vez que a extrema direita age contra Padre Júlio, ela agride toda a Igreja Católica. Mas não só. A ação da extrema direita contra Padre Júlio agride a todos os cristãos e cristãs que tem como parâmetro o mandamento final de Jesus Cristo: 

Evangelho de São João: 13,

34. Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. “Como eu vos tenho amado”, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros.

Portanto, é a partir destes grupos de internet que se gera ações truculentas, utilizando de ferramentas como perfis falsos robôs, inteligência artificial e militantes que ganham muito dinheiro em monetização de redes sociais, utilizando manipulação de imagens e voz, ou de mentiras, popularmente chamadas de fake news, que tem como objetivo explícito, fazer campanhas difamatórias em redes sociais, sendo financiadas por, radicais armamentistas, notadamente empresários do ramo do agronegócio e de linhagem ideológicas de extrema direita em quatro grupos principais:

1) Fascistas e nazistas, (linhagem ideológica de extrema direita que pregam uma ditadura conduzida por um único líder que extermine a democracia);

2) Xenófobos, (pessoas que tem como princípio norteador a exclusão de todas as pessoas que não pertençam à sua raça e nacionalidade);

3) Misóginos, (homens que dizem que as mulheres são seres inferiores e que devem se submeter aos homens como seus superiores);

4) Racistas (pessoas que tem como parâmetro a superioridade branca em detrimento de todas as outras raças e preconceituosos de todas as naturezas).

Todos estes são sustentados economicamente por grandes grupos nacionais da extrema direita religiosa e empresarial europeia e norte americana, ligados ao que tem de pior na política, com grande proteção das grandes corporações midiáticas nacionais.

As Igrejas que ousam pregar o Evangelho que defende o pobre, seja na condição que for, viraram alvo preferencial dessa ação por concentrar grande número de pessoas, que entram nestas comunidades com o intuito de buscar paz e harmonia em suas vidas.

São presas fáceis para deturpação da fé, pois agem em razão daquilo que buscam: a paz espiritual e a harmonia material. Então, se lhes é dito que existe alguém que quer lhes tirar estas condições, evidentemente que são facilmente conduzidas a reagir de forma contrária aos conceitos genéricos de família, tradição e propriedade. (Isso lembra algo?). E é nisso que reside o segredo da ação deletéria da fé destes manipuladores que agem como verdadeiros lobos em pele de cordeiro.

Nesta estratégia, atingiram uma massa populacional que lhes dá garantia de sustentação econômica e como consequência, também política. É isso que a Igreja Católica precisa entender nas mensagens do Papa Francisco e de gente como Júlio Lancellotti. Não se trata de serem favoráveis a um polo político progressista, mas de alertar contra a prática de extermínio da extrema direita.

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