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Petróleo, artérias da morte no coração da Amazônia.

Percorrer a província de Sucumbíos, no norte da Amazônia equatoriana, fronteira com a Colômbia, nos faz ver por quilômetros e quilômetros os oleodutos que transportam um dos elementos que mais semearam a morte na Amazônia equatoriana, o petróleo. Por quase 50 anos, os povos amazônicos sofrem as consequências de uma atividade que acaba com a vida da natureza, dos animais e das pessoas, principalmente os mais pobres. Tudo isso com a complacência e o impulso do estado equatoriano.

O câncer, que atinge 10% da população em alguns lugares, tornou-se algo presente no cotidiano de muitas famílias, como resultado dos abundantes derramamentos de óleo e dos chamados “isqueiros da morte”, que queimam dia e noite, o excesso de gás resultante da atividade do petróleo, uma chama que impressiona os olhos e penetra nos pulmões e em todo o corpo. As mais afetadas são as mulheres entre as quais o câncer de útero e nos seios atinge percentuais muito mais altos do que em qualquer outra região do país. O mesmo pode ser dito dos casos de leucemia entre as crianças. Também é comum doenças respiratórias e cutâneas.

Tudo isso verificado pelas organizações da sociedade civil, dado que o Estado nega ou disfarça esses dados, sob pressão das companhias de petróleo, uma vez que os casos são tratados em Quito e oficialmente não tem nada a ver com as consequências da atividade petrolífera. Muitos, os mais pobres, nem chegam à capital equatoriana e morrem sem cuidados, porque na província de Sucumbíos não há hospital para câncer.

Essa situação que se repete na província vizinha de Orellana é narrada pelos habitantes locais, que gradualmente perderam o medo das ameaças do Estado, dono da Petro Amazonas e das outras empresas de petróleo, a maioria com capital estrangeiro, algo que está longe de ser resolvido, aumentando constantemente, já que novos campos de petróleo já foram anunciados, sempre sem consulta prévia, em desacordo com as leis internacionais e com o suborno de alguns líderes locais, que mudam sua vida e a de seu povo por um trocado.

O combate a essa realidade tem sido, durante décadas, um dos propósitos do Vicariato São Miguel de Sucumbíos, algo que nasceu na época de um bispo profeta, Dom Gonzalo López Marañón, o carmelita que passou 40 anos como pastor daquela Igreja, fazendo uma Igreja que anda com as duas pernas, desde a opção preferencial pelos pobres, as comunidades e o povo, com os quais se misturou sendo mais um, o que causou a admiração de quase todos, sendo lembrado como aquele que “nos ensinou por que viver e lutar”. Tentou-se apagar sua memória entregando o Vicariato aos Arautos do Evangelho, o que causou um sério conflito social e eclesial, que terminou com sua saída e a chegada do Dom Celmo Lazzari, que, segundo vários testemunhos, tenta recuperar a memória de uma Igreja comprometida com a defesa da Amazônia e de seus povos.

A Igreja de Sucumbíos, na época de Dom Gonzalo, era o grande articulador social de uma região onde as companhias de petróleo chegaram para semear a morte e retirar os recursos. A Pastoral Social Caritas é hoje quem continua essa defesa, especialmente da ecologia e os direitos humanos, na tentativa de mostrar que “outra Amazônia é possível”, como relatam alguns de seus membros, que afirmam que “somos uma Amazônia que queremos viver com dignidade”.

Das pastorais sociais, é denunciado que as águas estão contaminadas como resultado da atividade petrolífera, especialmente da Chevron Texaco, que deixou enterradas centenas de poças de petróleo bruto que contaminaram rios e aquíferos ao longo dos anos. O mesmo pode ser dito dos efeitos do glifosato, que o estado colombiano usou durante anos para combater as plantações de coca durante o conflito armado, mas cujos efeitos são sentidos nessa região de fronteira, afetando a agricultura de pequenos produtores, que afirmam sua produção está ficando menor. Da Pastoral Social Caritas, eles são apoiados no incentivo à produção orgânica que vendem semanalmente na feira agrícola, onde mal chega para sobreviver.

Uma das áreas mais afetadas pela atividade petrolífera é a freguesia de Pacayacu, onde seus habitantes, vítimas de derramamentos contínuos, relatam as doenças que sofrem e como suas fontes de renda, agricultura, pecuária e piscicultura, todas em escala muito pequena, estão perdendo se perdendo aos poucos. São pessoas pobres que vão ficando a cada dia mais pobres e, além disso, todos os dias percebem sua saúde se deteriorando. Naquela vilarejo, a recém-eleita presidente tornou-se advogada para muitas pessoas, o que está provocando reações negativas nas autoridades de instâncias superiores do governo e nas próprias companhias de petróleo, como ela reconhece. Apesar de tudo, as constantes denúncias não têm, por enquanto, efeito significativo e as poucas ajudas que prometidas desaparecem rapidamente.

Várias pessoas afirmam que o petróleo foi uma maldição, que causou apenas incapacidade, doença e morte. Eles não se sentem protegidos pelas autoridades e estão isolados, em um país que, apesar de ter leis suficientes para protegê-los, isso não é respeitado por quem tem o poder, começando pelo mesmo presidente do país, sentindo-se amordaçados e vítimas de uma morte lenta para todos.

Uma das instituições da sociedade civil que está se envolvendo decisivamente no apoio às vítimas desta crise ambiental é a Fundação Clínica Ambiental, que trabalha em conjunto com a Pastoral Social Caritas. De sua sede em Shushufindi, eles promovem oficinas de permacultura, bio-construção, biomagnetismo, na tentativa de mostrar que ainda há esperança e que se pode usar o que a natureza oferece sem destruí-la. A fundação promove comitês de reparo em cinco eixos: água, câncer, saúde preventiva, recuperação de solos e resgate cultural. Salienta em seu trabalho o acompanhamento às vítimas de câncer e suas famílias, relatando que em vários casos as mulheres doentes são abandonadas por seus maridos, de modo que o apoio das comunidades é muito importante.

Diante dessa complicada situação, é sinal de esperança escutar que “o Papa Francisco me enche de emoção, porque pede a todos que se juntem à luta pela defesa da Amazônia”. Ao mesmo tempo, afirma-se que é bom falar sobre o processo de uma Igreja que visa acompanhar os povos desde a presença, uma Igreja que quer ser um espaço formativo como proposta de mudança, entendendo que, acima das religiões, somos todos afetados pela poluição, pela falta de educação ou saúde.

Às portas do Sínodo para a Amazônia, que busca novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, essa realidade dos Sucumbíos, como muitas outras regiões da Amazônia, representa um desafio ainda maior para o próprio Sínodo, uma vez que não são poucos que a enxergam como uma luz no horizonte, para ajudar a Igreja e a sociedade global a tomar consciência das situações vivenciadas e, sobretudo, das vítimas dessas realidades de morte, que sonham com vida para tudo e para todos.

Luis Miguel Modino

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