Shadow

Manobras e mais manobras a serviço de quem?

Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

Temporais, chuvas abundantes, enchentes de rios continuaram predominando as notícias da semana. Milhares de famílias enfrentam perda total de seus bens, inclusive suas casas. Fenômenos naturais como El niño (o menino em espanhol) e La niña (a menina) são causados por um sistema de ventos que permanentemente e regularmente sopram sobre a superfície da terra. Ventos chamados de alísios sopram do leste para o oeste e das áreas subtropicais (com alta pressão atmosférica) na direção do equador (região tropical com pressão atmosférica baixa). São ventos que trazem umidade, portanto, chuvas. Ventos contra-alísios sopram na direção oposta, costumam se deslocar em altitudes maiores e trazem ar seco.

O professor Olavo Nardy do curso de biologia na Universidade Paulista de Araraquara (UNIARA) explica que El Niño e La Niña[1] são dois fenômenos naturais, influenciados pela distância entre a terra e o sol e o posicionamento da lua, mas também pelo que acontece na própria terra. Ele esclarece que El Niño e La Niña “não têm a ver diretamente com mudanças climáticas. Mas estas alterações no clima global são provocadas diretamente ou indiretamente pela ação do homem, o que implica na ampliação de El Niño e La Niña – que antes eram mais cíclicos com períodos longos sem os dois, mas hoje se tornaram mais extremos e mais frequentes. O acúmulo de gás Carbônico e metano impactam no efeito estufa, aumentando a temperatura na superfície da terra e influenciando o sistema de ventos.

É preciso que as escolas expliquem desde a primeira infância a importância de conhecermos como o nosso planeta funciona e como a humanidade está impactando na sua sistemática. Será que os currículos escolares dão margem suficiente para esse debate ou preparam as futuras gerações apenas para ganhar dinheiro, ser eficientes financeiramente, sem alertar para as consequências? Com a palavra docentes e responsáveis de alunos e alunas, que precisam participar do controle daquilo que é ensinado aos seus filhos. Cidadão e cidadã são aquelas pessoas que mostram solidariedade quando seus concidadãos enfrentam contratempos, mas ainda que participam dos debates políticos que buscam formular medidas preventivas para que contratempos não aconteçam.

Desde o desastre em Mariana em novembro de 2015, os movimentos sociais não param de protestar contra o descontrole das barragens e avisar a iminência de mais rompimentos. O poder público se mostrou até este momento conivente com as empresas ou, no mínimo, não usou seu poder legislativo e normativo para proteger a população potencialmente ameaçada. As vítimas de Brumadinho, desde janeiro de 2019, aguardam indenização e reparação de danos sofridos. As empresas têm os seus seguros, a população fica na boa (ou má) vontade daqueles que causaram os danos. O transbordamento da barragem da Vallourec em Nova Lima (MG) no sábado passado (08/01)[2] causado por um deslizamento de rejeitos, coloca novamente o problema da falta de segurança.

A mineração predatória no Brasil continua sem a implantação de medidas preventivas. Tentando diminuir a importância do rompimento, a empresa francesa alegou que se trata apenas de transbordamento, por causa das chuvas. As imagens, no entanto, não mostram apenas água, mas sim lama e rejeitos minerais que bloquearam a BR 040 que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, comenta Maria Lúcia Fatorelli no seu twitter[3]. A empresa tranquilizou a população: não houve vítimas fatais, apenas algumas pessoas levemente feridas e poucas casas atingidas. Alívio… para a empresa. Para a população, nem tanto! A conivência dos governos com as empresas fica muito claro neste episódio. O licenciamento correu na modalidade concomitante, com Licença Prévia, de Instalação e de Operação ao mesmo tempo. Ambientalistas e entidades da sociedade civil reclamaram do prazo exíguo para a análise da documentação exigida. Mas a empresa alegou que se fosse esperar mais tempo para dar continuidade às suas atividades, ela precisaria parar sua produção[4]. Aí: melhor correr riscos do que obedecer a legislação. Não é essa a lógica do capital? O próprio IBAMA e a Promutuca (Associação de Proteção do Vale do Mutuca) já tinham constatado o alto risco de desastres, mortes e poluição na BR 040 por causa do intenso tráfego de caminhões da empresa.

O começo do ano nos dá uma premonição do que podemos esperar de 2022 no campo brasileiro. No dia 08 deste mês de janeiro, ocorreu mais um assassinato no povoado Cedro, município de Arari/MA, José Francisco Lopes Rodrigues foi mais uma vítima de pistolagem. Mais uma, porque em dois anos, houve mais outro, quatro vítimas fatais de violência contra os quilombolas na região. A neta de 10 anos do José Francisco também foi baleada. O Jornal Tambor ouviu pessoas defensoras dos interesses dos quilombolas, que afirmaram que pretensos proprietários estão em conflito com os quilombolas. Entre estes proprietários estaria uma desembargadora do TJ do MA.

Em São Felix do Xingu/PA, uma família – Zé do Lago, sua esposa Márcia e sua filha Joane – defensores do ambiente natural, foi encontrada morta nas imediações de sua moradia. Seus corpos foram encontrados por outro filho, no domingo, 09 de janeiro, já em estado de decomposição[5]. A família se dedicava à criação de filhotes de tartaruga que estavam sendo soltos depois no rio Xingu. Defensores do meio ambiente, de direitos humanos, de interesses de quilombolas, indígenas e outras populações tradicionais, têm sido vítimas de perseguição, ameaças e morte. Precisa haver um grito bem mais forte e ações de protesto junto aos legisladores por parte da sociedade e suas organizações para que o Brasil não se torne um verdadeiro faroeste, e que assassinos de aluguel e seus mandantes saiam ilesos, impunes e nem investigados, como já se tornou costume em nosso país.

Maria Lúcia Fattorelli é economista, cujas análises e estudos precisam ser conhecidos por todos aqueles que defendem uma democracia popular. Ela é especialista em administração tributária e dedica grande parte de seu trabalho profissional à análise da dívida pública brasileira. Tem sido consultada por governos em vários países para ajudá-los a desvendar suas respectivas dívidas públicas[6]. Hoje, a menciona especificamente por conta do orçamento público federal para este ano de 2022. O orçamento aprovado reserva nada menos do que 2 trilhões e 472 bilhões de reais para pagamentos de juros, serviço e amortização da dívida pública brasileira. Ou seja: 56,65 % dos 4 trilhões e 363 bilhões de reais do total do orçamento anual[7]. Dinheiro reservado para os mais ricos vai faltar para a previdência e para as políticas sociais que se destinam à população em geral.

Ainda gostaria de chamar atenção para um artigo de Luís Nassif no site GGN, que nos desvenda as consequências do golpe de 2016 para a implantação de um sistema de corrupção na saúde[8], protagonizado pelo ministro de saúde de Michel Temer, o deputado Ricardo Barros que nos colocou diante um processo de destruição do Sistema Único de Saúde e a apropriação criminosa de recursos da saúde por empresas privadas, que não prestam serviços à população. Até instituições públicas como o exército, se apropriam de dinheiro de combate à pandemia para comprar carne de primeira superfaturada para a tropa (ou para quem mesmo? A alta cúpula, os oficiais?). Não há prestações de contas transparente sobre essa despesa.

Finalizo estas considerações com mais um golpe do presidente à procura de sair ileso de seu mandato repleto de crimes administrativos e contra a população brasileira. A Constituição de 1988 determinou como idade máxima para servidores públicos 70 anos. Ao alcançar esta idade, o servidor, compulsoriamente, seria aposentado (Art. 40). Em 2015, a regra foi alterada por uma Emenda Constitucional (EC 88/2015 – EC da Bengala): “os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição Federal.” Era importante, naquele momento, para um Congresso conservador e oposto à presidente Dilma, impedir que ela nomeasse cinco ministros do STF até 2018. Com o impeachment, a indicação passaria para Michel Temer [9].

A deputada bolsonarista, Bia Kicis, conseguiu que a Comissão de Constituição e Justiça, que ela preside, aprovasse no dia 23 de novembro uma proposta dela, de voltar à idade limite inicial de 70 anos[10]. Agora sim, podemos perguntar: qual o interesse de levar esta proposta (PEC 59/2019) para apreciação na Câmara. Acontece que Rosa Weber e Ricardo Lewandowsky, ambos com 73 anos, poderiam ainda ser trocados pelo atual governante. Uma medida que poderia beneficiá-lo em possíveis e prováveis processos na Justiça após o encerramento de seu mandato! A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) foi uma das parlamentares a se opor à proposta. “Não é coincidência que três semanas depois da decisão do Supremo Tribunal Federal suspendendo o ‘bolsolão’, o orçamento secreto, a corrupção legalizada no governo Bolsonaro, nós vemos a presidente Bia Kicis tentando usufruir da sua presidência para pautar essa PEC que é na verdade a PEC da bengala e da vingança. A tentativa, evidentemente, [é] de ampliar para quatro as indicações do Bolsonaro, colocando mais conservadores, ou pessoas vinculadas com a ideologia da extrema direita’, afirmou.”


[1]     https://www.uniara.com.br/noticias/45437/mudancas-climaticas-causadas-pelo-homem-podem-intensificar-o-fenomeno-el-nino/ (Acesso em 2022/01/15

[2]     https://oglobo.globo.com/brasil/dique-da-mineradora-vallourec-que-transbordou-em-nova-lima-mg-tem-nivel-de-emergencia-elevado-25347215 (Acesso em 2022/01.09)

[3]     https://twitter.com/mlfattorelli (Acesso em 2022/01/10)

[4]     https://observatoriodamineracao.com.br/exclusivo-estrutura-da-vallourec-que-cedeu-em-mg-teve-reuniao-extraordinaria-licenciamento-expresso-e-alertas-de-ambientalistas-em-sua-ampliacao/ (Acesso em 2022/01/15)

[5]     https://istoe.com.br/pa-familia-de-ambientalistas-e-assassinada-por-pistoleiros/ (Acesso em 2022/01/15)

[6]     https://es.wikipedia.org/wiki/Maria_L%C3%BAcia_Fattorelli (Acesso em 2022/01/16)

[7]     https://twitter.com/mlfattorelli/status/1481354259123904520?ref_src=twsrc%5Egoogle%7Ctwcamp%5Eserp%7Ctwgr%5Etweet (Acesso em 2022/01/16)

[8]     Xadrez do mais escabroso crime de corrupção, por Luis Nassif – (jornalggn.com.br) (Acesso em 2022/01/09)

[9]     https://www.cnnbrasil.com.br/politica/confira-a-data-de-aposentadoria-de-cada-ministro-do-stf/ (Acesso em 2022/01/16)

[10]    https://www.camara.leg.br/noticias/830327-ccj-aprova-reducao-na-idade-de-aposentadoria-obrigatoria-de-ministros-do-stf (Acesso em 2022/01/09)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.