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O CLERICALISMO É O MAL NA IGREJA

Por Toninho Kalunga

Foto: Renan Dantas

Muitas pessoas com as quais converso quase diariamente em razão dos núcleos estaduais da Teologia da Libertação que tenho ajudado a formar em todo o Brasil: são pessoas que professam a fé católica.

Quando me apresento, elas dizem ter um profundo sentimento de abandono. É impressionante a quantidade de católicos desgarrados! De gente que não se sente acolhida em sua fé, dentro da Igreja! De gente que diz não mais participar da vida religiosa, porque não tem mais espaço ou por não ser aceito no grupo comunitário, que não raramente ajudou a formar, literalmente, desde o alicerce.

Conversando com meus filhos Gabriel e Rafael sobre isso, eles me apresentaram uma canção que há muito tempo atrás eu tinha ouvido. Creio que ela dialoga muito com isso que estamos falando aqui. Ao final deste texto segue o link da canção do CATONI , chamada – não por acaso -, de CATACLISMA. Tenho certeza que ela vai dialogar com seu coração, como fez com o meu e você vai ouvi-la várias vezes, como eu a ouvi.

Estas pessoas com quem tenho falado sobre nos juntarmos em núcleos da Teologia da Libertação, a começar por estados, depois formarmos em Dioceses até chegar nas Paróquias e Comunidades, estão no terceiro grupo.

As outras, são pessoas que se tornam presas fáceis para picaretas da fé de que usam essas pessoas como massa de manobra da extrema direita de um lado, ou acabam no ostracismo da frustração religiosa de outro!

Não existem estudos sobre este fenômeno dos deserdados religiosos. Mas é certo que o fato de não ser acolhido em sua comunidade de fé é motivo de profunda tristeza e que gera muita depressão.

Os ditos conservadores católicos não imaginam o tamanho da desgraça que promovem, em seu egoísmo pueril. São como ervas daninhas que vão impedindo que a plantação semeada brote. Utilizam de regramentos, dogmas e palavras difíceis, de regras internas feitas na idade média, que a gente nem sabe se existem ou existiram de fato, são modismos alienantes que afugenta os mais pobres, que por sua vez, não conseguindo entender, lhes restam três caminhos: 1) Procurar uma outra religião que os acolha, 2) se submeter aos ritos que os tornam pessoas amargas ou 3) desistir da convivência religiosa, sendo esta última, a mais dolorosa de todas.

Mas, os conservadores extremistas da fé, não fazem isso em nome de desta fé. Fazem isso em nome do Poder. Não é a toa, que politizam e se posicionam como membros ideológicos alinhados ao que tem de pior e mais corrupto na política que são os políticos da extrema direita. A família Bolsonaro é o maior exemplo, mas não o único!

Como exemplo concreto, observe sua cidade. Pode ver. Nas cidades, os conservadores católicos estarão sempre alinhados ao que tem de pior na política local. Não é acaso. É projeto político de poder. A igreja é usada por eles como mero instrumento de poder e agora, acharam o caminho de manipular com poucas 30 moedas as pequenas e pulverizadas Igrejas Neo Pentescotais! O diabo faz a festa.

A imagem que tenho dos conservadores da extrema direita religiosa, é como aquelas pessoas que vão represando ou furando poços para captar água para sua terra, sem se importar com as consequências que isso acarreta para os outros.

Egoístas, passam a vida dizendo da beleza da própria fé e do exemplo que deveria ser seguido pelos outros, mas não permitem que os pobres partilhem suas próprias experiências, suas dores, tristezas e alegrias, por mais profunda e bela que seja. Assim, sem água viva, vão murchando, murchando, até desistir.

Não é raro encontrar gente assim. Entre os jovens, então, é ainda pior! Não é sem razão que vemos cada vez menos jovens nas Igrejas. É incomparável com o que havia há 30, 40 anos atrás. Se alguém pedir durante uma Missa para que os participantes solteiros, com atividade pastoral dentro da comunidade, com mais de 15 anos de idade e menos de 30 anos levantem a mão, se perceberá com facilidade isso. São sempre poucos. Quando há!

Foto: Renan Dantas

A questão a ser respondida é: Que mudou em tão pouco tempo que atraia tantos jovens e hoje os afasta? A resposta é óbvia!  Antes tínhamos uma igreja que respirava a novidade do Concilio Vaticano II, uma igreja que dialogava com seus pobres lhes dando esperança, através de Puebla, Medellín e Santo Domingo. Era atual! Hoje essa gente oferece a santa inquisição como método e a idade média como forma de ser Igreja! Que tipo de jovem quer isso??

Se a mesma pergunta for feita, para a mesma faixa etária, mas que NÃO TEM PARTICIPAÇÃO em atividades pastorais, pode ser que o número aumente um pouco, em razão de estar acompanhando os pais ou parentes. Mas estes não se sentem membros da comunidade e não são acolhidos para que possam participar.

A Igreja conservadora afasta jovens. E quando os acolhe, aliena-os! Não promove comprometimento com a fé a partir do outro, quando muito direciona a fé para algo intimista e intimidador, cheio de pesos, pecados e regras como uma que acho profundamente perversa, que é um desafio, chamado POR HOJE NÃO, PhN, onde convida estes jovens a não cometer o que chamam de pecado. Isso vai desde não frequentar cinemas e teatro, festas e bares, ou ir em estádio de futebol ou outros esportes, até o chamado namoro santo, que é mais ou menos como uma proposta de entrar na água do mar, sem poder sair molhado, se é que me entendem.

Evidente que esse represamento de sentimentos e da força da natureza, uma hora explode! E, aí, a frustração e a raiva contra a Igreja, os leva a um afastamento de difícil reversão. E, é aí, que entra o diabo na história. O problema é que quem anuncia o diabo não olha no espelho pra ver onde o dito cujo está!

Mas jovens têm tempo de se reencontrar: se não na religião que promove farsas, ao invés de amor, se reencontram no trabalho, nos estudos, nas relações interpessoais, nos amigos e, não raramente, em outras religiões e filosofias de vida.

O problema maior fica naquelas pessoas que não tem mais tanto tempo para manobras e opções. São persuadidas através do medo, a permanecer e se tornam adultos horríveis e velhos fascistas frustrados.

Falo então, das – e se me permitir a ousadia, com as – pessoas que já em idade adulta, tendo passado boa parte de suas vidas dedicadas as comunidades cristãs, se sentem alijadas do convívio comunitário e do seu coletivo de fé.

Sei que não é fácil se sentir excluída daquilo que fez com tanto amor. Mas é muito importante que saibam que este fenômeno não é algo pessoal e individual contra você. Isso tem um nome e se chama: CLERICALISMO.

O Papa Francisco tem sido incisivo neste ponto. Tem comprado uma briga enorme e garanto. A maior razão pela qual Papa Francisco é rejeitado dentro da Igreja não é em razão de sua opção preferencial pelos pobres. A razão pela qual Papa Francisco é odiado pela extrema direita brasileira e Mundial (vejam o que Milei, presidente da Argentina, pensa sobre Papa Francisco) é em razão do combate ao clericalismo.

Foto: eljartista

Mas você sabe o que é o clericalismo? Se não sabe, vai compreender o motivo pelo qual você foi sendo afastado da sua comunidade de fé:

Sabe aquele padre novo que chega na sua comunidade que caminha a mais de 20,30, 50 anos, que já foi comunidade e depois se tornou paróquia e que do nada, chega este padre e a primeira coisa que ele faz é colocar o nome de mais um santo padroeiro ou uma Nossa Senhora, complementando o nome da paróquia ou da comunidade, e depois vai embora e fica aquela devoção sem história, pois é uma história do padre plantonista e não da comunidade? Então… isso é clericalismo.

Sabe aquele seminarista quietinho ou Leigo que se torna diácono e depois de receber a Ordem, vira a casaca e passa a se comportar como se não existisse ninguém antes dele naquela comunidade de fé. Que a primeira coisa que faz é tirar as funções pastorais daquela Dona Maria e do seu Zé, que ajudaram a fundar a comunidade, que dedicou suas vidas a duas coisas: criar a família e a construir a Igreja? Então… isso é clericalismo.

Sabe aquele Padre conservador, que chega destruindo todas as pastorais sociais ou movimentos que a Igreja tinha, afasta coordenadores da noite para a noite, que demitiu a secretária e coloca aquele jovenzinho bonitinho no lugar, que manda e desmanda, que humilha e faz pouco caso de toda a comunidade, que afasta todo mundo e se por acaso é cobrado vira a vítima da história toda, se diz incompreendido, chora e que vai embora? Então. Isso é clericalismo.

Sabe aquela frente católica de gente rica, que financia parte das quermesses, que vive postando fotos com o Padre em suas casas com mesas fartas, onde os padres frequentam mais a casa dos ricos do que a sacristia da Igreja e são os primeiros a dizer que irão doar dinheiro para a construção ou reforma da Igreja e que todos precisam doar também, se não, depois que estiver pronto, não é pra colocar os pés na Igreja e riem despudoradamente? Mas não visita a favela nem com reza brava? Então, isso é clericalismo.

Sabe aquele padre terrorista, que fala mais do demônio e que faz cerco disso, oração pra santo que a gente não faz menor ideia de quem seja, e inventa umas coisas com o Santíssimo, que sai rodando pela Igreja com umas músicas a toda a altura, parecendo um monte de doidos num manicômio, num desrespeito litúrgico total, dizendo que aquilo é para cura e libertação, de sabe Deus quem,  que faz homilias de 40 minutos e diz que o povo prefere novela do que escutar Deus falando… ou seja, ele é Deus, né!

Que usa aquele monte de roupa, uma em cima da outra, que só falta fazer o povo carregar ele naquelas liteiras da idade média, onde escravos carregavam senhores? Isso é clericalismo em estágio avançado. Estes padres não têm comunidades e nem servem a elas. Eles têm seguidores que destroem a catequese, as pastorais, os movimentos. Quando vão embora, a Igreja fica aos pedaços. E dificilmente volta a ser o que era. A maioria das pessoas saem da Igreja em razão deste tipo de padre e de seguidores. E quando a criatura vai embora destruir outra comunidade, a Igreja fica vazia de tudo! Então, isso é clericalismo.

Mas não são só os padres que são clericalistas. Tem também leigos e leigas e até seminaristas, que com 15 dias de seminário, já arrumam uma batina, enfiam um clégima no pescoço e ficam parecendo uns passarinhos sem dono com os bicos pra cima.

Sabe aquelas pessoas que têm grupos organizados, que estão na coordenação destes grupos e o grupo é mais importante que a atividade pastoral da Igreja e que se comportam como donos, não abrem espaço para ninguém e que quando o padre novo chega, já entregam o dossiê da comunidade, dizendo quem pode e não pode entrar na Igreja, então, estes são os leigos e leigas clericalistas.

Mas, afinal, o que é isso? O CLERICALISMO é um empoderamento sacerdotal surgido a partir de uma percepção elitista de que a vocação sacerdotal do Padre é exclusiva, ou seja, é uma coisa maior e mais importante do que todas as outras vocações. Estas pessoas se auto revestem de um poder supostamente recebido e dado por Deus e não como uma vocação surgida através da vontade de ofertar um serviço gratuito e generoso cuja função é se doar para apoiar todos e todas de maneira igualitária, mas aos pobres de forma preferencial. Esse mal atinge padres e leigos.

Foi o clericalismo que destruiu a organização das CEBs nas cidades, as pastorais sociais, como Pastoral Carcerária, Pastoral da Juventude, Pastoral Operária, Pastoral da Favela e dos Cortiços, Pastoral da Pessoa Idosa e tantas outras que animavam a fé e aos poucos foram sendo trocadas por movimentos que tinham o Padre como figura central. Isso é clericalismo.

Por isso, caso você tenha sido atingido pelo clericalismo, se anime, não desista! Isso vai passar. Sempre existe espaço para um trabalho voluntário em algum lugar perto de você, ligado à Igreja. Sempre haverá uma comunidade precisando de um catequista ou uma entidade querendo formar um grupo de jovens que queira dialogar para além da religião. Sempre tem um padre que usa a sua função para anunciar a Palavra e pregar o Evangelho, e estes, quando é necessário, até falam!!

Sempre tem um espaço para formar uma pastoral da moradia e da favela, ajudar o pessoal que ajuda os moradores de rua, os grupos de sem-terra, de sem-teto, uma pastoral da Criança, de visitas aos enfermos, de terço nas casas.

É necessário não deixar que sua própria fé deixe de servir. Como dizia Dom Paulo Evaristo Arns: não deixem a esperança cair. Se isso acontecer, eles ganharão. Basta se levantar, que eles já estão derrotados.

Afinal, uma fé do tamanho de um grão de mostarda para que esta montanha do clericalismo seja jogada ao mar.

Libertar a Igreja Católica das amarras da extrema direita significa tirar a capacidade deles de atingir os mais pobres.

É necessário reorganizar as pastorais sociais, as comunidades de base, os terços e grupos de rua é uma tarefa urgente. É preciso se reunir em pequenas células para refletir sobre a Palavra de Deus e deixar o Espírito Santo agir. Ele JAMAIS abandonou nenhuma pessoa.

Se isso te faz bem e faz sentido a você, vá e faça e! Joguemos nossas redes em águas mais profundas.

Abaixo segue o link com a canção que meus meninos nos sugeriram ouvir:

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