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O ENFRENTAMENTO CONTRA O FASCISMO RELIGIOSO É A MÃE DE TODAS AS BATALHAS CONTRA A EXTREMA DIREITA

Por Toninho Kalunga

Foto: José Iago

Desde muito jovem, acompanho grupos progressistas religiosos dentro da Igreja Católica. Provavelmente, minha geração tenha sido a última a ser formada pelo modelo VER, JULGAR E AGIR, que foi criada logo após o advento do Concílio Vaticano II, quando a Igreja Católica era hegemonia religiosa em praticamente 90% da sociedade brasileira.

Por natureza, os cristãos deveriam ter um claro posicionamento progressista no que se refere à atividade política, pois este modelo político é o que mais se aproxima daquilo, que bem antes, Jesus Cristo, pregava pelas ruas de Jerusalém. Pois é isso que está contido no Livro dos Atos dos Apóstolos, Capítulo 2, Versículo 44-47 sobre a forma como as primeiras comunidades cristãs se organizavam:

 44.Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. 45. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um. 46. Unidos de coração, frequentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, 47. louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros, que estavam a caminho da salvação.* (Bíblia Ave Maria )

No mesmo sentido, a maioria dos escritos bíblicos, se colocados em paralelo de tempo com os dias atuais, no que se refere à defesa dos menos favorecidos, certamente estariam mais próximos do que hoje chamamos de o campo progressista, do que qualquer outro posicionamento político. A aferição deste ponto de vista, no sentido prático, parte do princípio retórico, já que não existia um modelo político organizado como temos hoje, que é muito recente do ponto de vista histórico.

Mas a analogia é pertinente.

Se não, vejamos! Qual nome que daríamos hoje a um líder de um grupo de pessoas que busca por um pedaço de terra para seu povo, saindo da casa de seus pais e, inspirado por Deus,  se dirige a um lugar desconhecido, para ali, disputar um pedaço de terra para ocupar, resistir e produzir? Conforme descrito no Livro do Gênesis?

         Livro de Gênesis Capítulo 12, Versículo 1.

1 “O Senhor disse a Abrão: “Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar”.

         Livro de Gênesis Capítulo 15, Versículo 7.

7. E disse-lhe: “Eu sou o Senhor que te fiz sair de Ur da Caldeia para dar-te esta terra”.

Não é esse o sonho de todos os que não tem terra, de ter seu pedaço de chão para plantar e  colher e assim, ter a dignidade de uma casa para morar, e uma terra para cultivar, e assim, um trabalho para se sustentar? Não é este o mesmo interesse de um trabalhador que luta por um teto, na cidade, através da organização dos Sem Teto?

Se percorrermos o Antigo e o Novo Testamento, iremos ter centenas de citações que dirão algo sobre a busca por  justiça, denúncias contra governantes que traíram e exploraram seu povo, sobre patrões que não pagaram salários justos aos seus trabalhadores, sobre a defesa que Deus sempre fez e continua fazendo contra governantes injustos que maltratam e escravizam seu povo.

Do Gênesis ao Apocalipse, passando por TODOS os livros, desde o sofrimento do Êxodo aos ensinamentos para a organização do povo de Deus, do Deuteronômio à Juízes, da teimosia egoísta dos governantes do povo de Deus, que os leva à Josué, Crônicas e aos tempos dos Livros dos Reis,  dos ensinamentos dos Livros dos Provérbios, da Sabedoria e dos Salmos. De todos os profetas como Isaías, Jeremias e Daniel, culminando em Ageu, Zacarias e Malaquias, todo o Antigo Testamento vai falar sobre a necessidade do cuidado do órfão e da viúva, que é a expressão mais clara do que temos hoje como sendo as vítimas do sistema econômico  de ontem e de hoje, sem exceção!

A nenhum cristão é dado o direito de não amar! Não há formato dentro do cristianismo onde a tolerância e o amor sem medida aos pecadores e por consequência natural, a busca incessante pela Paz não seja o ÚNICO parâmetro aceitável para ser reconhecido como membro desta fé! Afinal, disse o próprio Jesus que ele não veio para os que gozam de boa saúde, mas para aqueles e aquelas que precisam de cuidados e como exemplo prático, disse que o bom pastor deixa as 99 ovelhas para ir atrás de uma única que se perdeu. E completando, informa que no céu, há mais alegria e festa na recuperação desta do que daquelas.

Oras, se estes parâmetros são inquestionáveis dentro da fé cristã, quem é que permitiu a alguma liderança cristã pregar a intolerância a quem quer que seja? Pode o ódio ser utilizado como  parâmetro de atuação religiosa dentro do cristianismo? O desprezo pelos que são pecadores é o modelo de formação cristã? Jesus Cristo é propriedade particular de algum segmento religioso? Se a sua resposta à estas questões for NÃO, então, significa que é necessário apontar para quem se autodenomina cristão sob esta as premissas do da intolerância, do preconceito e do ódio e lhes dizer que eles não representam a essência do cristianismo e que conduzem seus liderados para o abismo.

Estes pastores e pastoras, padres, leigos e leigas, religiosos e membros de qualquer comunidade religiosa que se auto proclamam como enviados de Deus, mas que negam uma benção a um homossexual, que acredita que bandido bom seja um bandido morto, que quer ver presídios pegando fogo para que todos que estão lá dentro morram queimados, que acreditam na tortura como método de investigação policial e que desejam ardentemente a vingança como forma de punição, que aspiram por um mito governando um país sob o controle e tutela militar, que dizem ser contra a corrupção mas que não perdem nenhuma oportunidade para obter vantagem financeira em atividades políticas, são os hipócritas da atualidade, que nas mesmas condições dos vendilhões do templo no tempo de Jesus, fariam parte da multidão que confrontados pelo governo quem deveria ser assassinado pelo poder do estado pela via da crucificação, que pediriam de novo por sua morte!

O mesmo Jesus que visitou a Samaritana e com ela partilhou a água do poço de Jacó, Samaritana esta –  diga-se passagem – que era tida como INIMIGA da religião de Jesus! O mesmo Jesus que purificou aquele que era considerado como um desgraçado porque que tinha lepra, e que por esta razão era rejeitado e excluído da relação familiar e  comunitária, o mesmo Jesus que curou a mão do aleijado, num dia de sábado, o que era terminantemente proibido, como se as regras de rituais religiosos, estivessem acima do amor de Deus.

Foto: José Iago

Amor esse que é o mesmo amor do Jesus que está com frio, nas ruas de São Paulo e do mundo e que aqui, está sendo cuidado por gentes como os muitos Padres Júlios Lancellottis da vida… agentes de pastoral que cuidam diariamente da dor dessa gente, de igrejas Evangélicas, de grupos de jovens que não estão vinculados a nenhuma religião, mas que compreendem que a vida está acima dos conceitos da Extrema Direita e mesmo das religiões.

Estas são as razões pelas quais o fascismo religioso deve ser enfrentado. Deve ser denunciado e deve ser combatido. É necessário não permitir que a fé e a prática cristã não sejam sequestradas pelo discurso vazio cuja referência não tem relação com a prática e a pregação do Filho de Deus, que nasceu pobre, se fez pobre e morreu assassinado por homens que se faziam religiosos.

O fascismo religioso da Extrema Direita leva a poderosos, através da política, a fazer perseguições como a que a Igreja Católica está sendo vitimada neste momento, através das atividades do Vicariato para a Pastoral do Povo de Rua, por vereadores ligados à extrema direita, cujos muitos são religiosos que se autodenominam cristãos.

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